Ninguém deve ser agredido por ser LGBT

Cada LGBT bolsonarista que apanha deveria nos fazer expor o quanto eles estão errados. Por defenderem quem defende o agressor. Não o quanto eles mereceram.

Karol Eller posa para foto ao lado de Jair Bolsonaro em Brasília. Fonte: Instagram.

Por Lucas Bulgarelli.

Digeri mal essa onda de comemoração com a violência contra uma ativista lésbica bolsonarista.

Sim, é necessário apontar o papel que LGBT bolsonaristas cumprem para a legitimação do desmonte de políticas LGBT. E do quanto são eles tão beneficiários quanto nós destas políticas. E como discordam da efetivação de políticas urgentes. E também como apoiam políticos que ajudam a elevar as estatísticas de homicídio, agressão, discriminação, evasão escolar, risco de adoecimento e exclusão do mercado de trabalho formal de gays, lésbicas e bissexuais e sobretudo travestis, homens e mulheres trans e pessoas não binárias.

Mas acho que já deveria ser claro para nós a este ponto que para defendermos uma vítima de agressão motivada por LGBTfobia não precisamos concordar politicamente com ela. Não há nada que impeça que o agressor de Karol Eller agrida qualquer um de nós ativistas LGBT de esquerda, porque bem sabemos que a LGBTfobia não funciona como as redes sociais.

Um LGBT de direita que apanha ou é assassinado por motivo de gênero ou sexualidade entra com todos os outros nas estatísticas que nós coletamos, pois não há outra forma de saber das nossas mortes se não for contabilizando na unha. Não nos interessa ignorar estas violências. Quando defendemos uma enfática política de combate à violência contra pessoas LGBT, quando nos expomos, fazemos isso para todos, até e sobretudo para quem discorda de nós.

Portanto não vejo a necessidade de dizer “eu avisei”, porque é sobre essa violência que falamos todos os dias, é com ela que disputamos no campo político contra ativistas de direita e extrema-direita.

Também dispenso o “bem feito”, porque para mim ainda é incompreensível assistir à banalidade com que eles, os do lado de lá, falam isso sobre nós todos os dias, sobre todas essas mortes e violências banais, cotidianas, e que ainda por cima são tripudiadas.

E não sei se funciona a empatia, essa palavrinha malandra que disfarça com elegância uma noção de tolerância que já é pouca, atrasada e insuficiente. Nós cobramos respeito, dignidade e direitos. Podemos deixar a empatia para sensibilizações, conscientizações e rodas de conversa, pois o que exigimos no campo da política, apesar de Brasília, já está para além disso.

Para mim, cada LGBT bolsonarista que apanha deveria nos fazer expor o quanto eles estão errados. Por defenderem quem defende o agressor. Não o quanto eles mereceram.

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Lucas Bulgarelli é doutorando em Antropologia Social pela USP. Coordenou o dossiê de capa da edição especial da revista Margem Esquerda dedicada a destrinchar as articulações e tensões produtivas entre marxismo e lutas LGBT. É também um dos autores do livro de intervenção O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil (Boitempo, 2018), organizado por Esther Solano.

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