Um café para a história: 181 anos do encontro de Marx e Engels

Marx e Engels no congresso de fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores, ocorrido em 1872 na cidade de Haia. Imagem: Wikimedia Commons
Por Gabriel Teles
No dia 28 de agosto de 1844, em Paris, no Café de la Régence, dois jovens se encontraram e mudaram o curso da história. Marx e Engels já haviam se cruzado antes, mas foi ali, entre o burburinho dos jogadores de xadrez e o rumor da capital francesa, que reconheceram um no outro não apenas afinidades intelectuais, mas uma chama comum, feita de indignação e esperança.
Marx trazia nas mãos os manuscritos de sua crítica à alienação, ainda impregnado das batalhas contra a censura prussiana. Engels chegava de Manchester, trazendo no olhar a fuligem das fábricas, o testemunho da miséria operária inglesa e um esboço de crítica a economia política. O filósofo e o cronista do trabalho encontraram-se como dois rios que, depois de correrem separados, decidem compartilhar o mesmo leito. Engels recordaria décadas mais tarde que, naquele dia, a plena concordância em todos os campos teóricos se tornou evidente, datando dali seu trabalho conjunto. Não era apenas o início de uma amizade: era a formação de uma comunidade de pensamento e de luta, que transformaria a crítica em arma, e a reflexão em prática revolucionária.
O Café de la Régence, célebre reduto de enciclopedistas e enxadristas, viu naquele dia uma partida diferente ser iniciada. Enquanto uns moviam peças em sessenta e quatro casas, Marx e Engels pressentiam que o tabuleiro verdadeiro era o da história, e que nele as classes sociais eram os verdadeiros contendores. O lirismo desse encontro está justamente no fato de que não se deu em um congresso nem em uma assembleia, muito menos numa reunião de cúpula: foi uma conversa entre dois jovens que, ao se reconhecerem, acenderam uma centelha que atravessaria gerações.
Daquela mesa nasceriam textos como A Sagrada Família, A ideologia alemã e, alguns anos depois, o Manifesto Comunista. Mas mais importante do que as obras foi o gesto inaugural: a decisão de pensar juntos, de unir filosofia e experiência concreta, de recusar a contemplação e se lançar à práxis. Ali, Marx encontrou no olhar de Engels o testemunho vivo de que o proletariado não era apenas uma categoria conceitual, mas uma força histórica em movimento. E Engels encontrou em Marx a arma teórica capaz de traduzir em teoria a revolta que já fervia nas fábricas.
Celebrar hoje os 181 anos desse encontro não é um exercício de nostalgia, mas um chamado. A amizade de Marx e Engels foi também um gesto político: mostrou que a crítica radical precisa do diálogo, que a solidariedade intelectual pode ser tão revolucionária quanto uma greve ou uma barricada. A centelha daquele café arde ainda em cada movimento que ousa desafiar o mundo tal como ele é, lembrando-nos de que não há destino imutável, mas campos de batalha.
Podemos imaginar, por um instante, aquela mesa do Café de la Régence ainda posta, em alguma dobra da memória coletiva. Sobre ela repousam as anotações dispersas, os olhares cúmplices, a convicção silenciosa de que o mundo podia (e pode) ser transformado. Sentar-se novamente a essa mesa é a tarefa de cada geração. Pois se os filósofos, até então, haviam apenas interpretado o mundo de maneiras diversas, foi ali, há 181 anos, que dois pensadores decidiram transformá-lo — juntos.
E é essa mesa que nos convoca no presente: diante da barbárie neoliberal, da destruição ecológica e da precarização do trabalho, retomar o gesto de Marx e Engels significa renovar a aliança entre teoria e prática, entre amizade e revolução. Pois só o encontro — no café, na fábrica, na rua — pode fazer nascer o fogo que há de incendiar novamente o mundo.
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Gabriel Teles é doutor em Sociologia pela USP e professor e pós-doutorando pela UnB.
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O artigo do Gabriel Teles passa do Engels uma imagem errônea de operário.
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Olá, Dilvate! Em momento algum do texto isso é afirmado. Pelo contrário. Engels é caracterizado pelo autor não como trabalhador, mas como “cronista do trabalho” — o que é uma bela fórmula para sintetizar seu trabalho de observação das condições de vida do operariado inglês.
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