Guia de leitura | Regras para radicais | ADC#46

Regras para radicais

Saul D. Alinsky

Guia de leitura / Armas da crítica #46

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Quem foi Saul Alinsky?

Saul Alinsky foi um destacado organizador comunitário e autor, cuja influência ressoa profundamente no campo do ativismo social e na teoria política contemporânea. Nascido em 1909 em Chicago, Alinsky dedicou sua vida a transformar comunidades e promover mudanças sociais significativas através da organização de base. Seu trabalho é frequentemente associado ao conceito de “organização comunitária”, uma abordagem que visa mobilizar os cidadãos para lutar por justiça social e econômica.

Graduado em Filosofia pela Universidade de Chicago, especializou-se em arqueologia, uma área que lhe despertava grande interesse. No entanto, seus planos de se tornar um arqueólogo profissional foram frustrados pela Grande Depressão nos Estados Unidos. Durante a pós-graduação, estudou criminologia, o que o levou a conhecer a gangue de Capone e, mais tarde, a penitenciária Estadual Joliet, onde pesquisou sobre a vida na prisão.

Regras para radicais, publicado pela primeira vez em 1971 e escrito em meio a efervescências políticas como a Guerra do Vietnã e a luta pelos direitos civis, tornou-se uma obra de referência na formação de ativistas. 

Que me chamem de rebelde, bem-vindos, isso não me preocupa; mas eu sofreria a miséria dos demônios se tivesse de prostituir minha alma…”

THOMAS PAINE

Referência para gerações de ativistas

Regras para radicais é a principal obra de Saul Alinsky e, desde sua publicação, no começo da década de 1970, no calor da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, tem servido de referência para gerações de ativistas. Contribuiu inclusive para a formação de lideranças e agendas voltadas à radicalização da democracia na emergência do século XXI.

Qual seria a forma mais apropriada de abordar um tema em disputa? Quem é o agente público capaz de tomar determinada decisão e como é possível pressioná-lo de forma mais efetiva? Como mobilizar uma comunidade por uma causa?

Regras para radicais é uma contribuição singular para a sociedade civil brasileira diante dos desafios que se apresentam à ação política no atual momento histórico e que vão da escala local à transnacional.

Áurea Carolina e Roberto Andrés

“Ao ler Regras para radicais, convido você a se distanciar do ativismo narcísico e a refletir sobre como as táticas apresentadas podem ser aplicadas e adaptadas ao contexto brasileiro contemporâneo, com todas as injustiças que perduram no país.”

ALESSANDRA OROFINO

na apresentação de Regras para radicais

Um chamado à ação

Publicado em 1971, apenas um ano antes da morte do autor, Regras para radicais sintetiza décadas de experiência e atuação. Não se trata apenas de um manual de organização comunitária, mas de um verdadeiro chamado à ação voltado a todas as pessoas que desejam transformar a sociedade. Foi lançado em um momento de intensas transformações nos Estados Unidos – pouco tempo depois de o movimento por direitos civis revolucionar a paisagem social e política do país e, de certa forma, estabelecer um modelo de ativismo que continua a influenciar lutas por igualdade e justiça ao redor do mundo.

No Brasil, embora Regras para radicais não tenha sido lançado antes, suas ideias também já influenciaram movimentos sociais. Desde os protestos de 2013, várias organizações, tanto da esquerda quanto da direita, adotaram táticas semelhantes às descritas por Alinsky.

Alessandra Orofino na aparesentação de Regras para radicais

“O que quero com este livro não é dar conselhos arrogantes não solicitados. É articular a experiência e a recomendação a respeito das quais tantos jovens me perguntaram durante sessões noturnas em centenas de campi nos Estados Unidos. É destinado aos jovens radicais que estão comprometidos com a luta, comprometidos com a vida.”

SAUL ALINSKY

[REGRAS PARA RADICAIS, p. 21]


O propósito

O que segue é para aqueles que querem mudar o mundo daquilo que ele é para aquilo que eles acreditam que deva ser. O príncipe foi escrito por Maquiavel para os que têm o poder e sobre como mantê-lo. Regras para radicais foi escrito para aqueles que não têm o porder e sobre como tomá-lo.

Neste livro, tratamos de como criar organizações de massa para tomar o poder e dá-lo ao povo; para realizar o sonho democrático de igualdade, justiça, paz, cooperação, oportunidades iguais e plenas de educação, pleno emprego proveitoso, saúde e a criação das circunstâncias em que teremos a chance de viver de acordo com valores que dão sentido à vida. Estamos nos referindo a uma organização de massas poderosa que transformará o mundo em um lugar em que todos os homens e todas as mulheres andam de cabeça erguida, no espírito daquele credo da guerra civil espanhola: “É melhor morrer em pé que viver de joelhos”. Revolução é isso.

[REGRAS PARA RADICAIS, p. 31]

“Aceitar o mundo como ele é de forma nenhuma atenua nosso desejo de mudá-lo para o que achamos que ele deve ser – é necessário começar de onde o mundo está se formos mudá-lo para aquilo que achamos que ele deve ser.”

SAUL ALINSKY

[REGRAS PARA RADICAIS, p. 23]

Sobre meios e fins

A eterna pergunta “o fim justifica os meios?” não faz sentido do jeito que está posta; a pergunta real e única a respeito da ética dos meios e dos fins é e sempre foi: “Este fim particular justifica este meio particular?”.

A vida e como você a vive constituem a narrativa dos meios e dos fins. O fim é aquilo que você quer, e os meios constituem a maneira como você consegue o que quer. Sempre que pensamos em mudança social, surge a questão dos meios e dos fins. O homem de ação vê a questão dos meios e dos fins em termos pragmáticos e estratégicos. Ele não tem outro problema; ele pensa apenas em seus recursos reais e nas possibilidades de várias opções de ação.

A respeito dos fins, ele pergunta apenas se podem ser alcançados e se valem a pena; a respeito dos meios, apenas se funcionarão. Dizer que meios corrompidos corrompem os fins é acreditar na imaculada concepção de fins e princípios. A arena real é corrupta e sangrenta. A vida é um processo de corrompimento desde o momento em que a criança aprende a jogar sua mãe contra seu pai na política de quando ir dormir; quem teme corrupção teme a vida.

[REGRAS PARA RADICAIS, p.55]

Grandes perigos sempre andam de mãos dadas com grandes oportunidades. A possibilidade da destruição sempre está implícita no ato de criação. Consequentemente, o maior inimigo da liberdade individual é o próprio indivíduo.”

SAUL ALINSKY

[REGRAS PARA RADICAIS, p. 29]

A educação dos organizadores

A construção de muitas organizações de poder de massas, visando a amalgamá-las em uma força popular nacional, não se dará sem a ação de muitos organizadores. Já que organizações são criadas, em grande parte, pelo organizador, temos de descobrir o que cria o organizador. Isso tem sido um dos principais problemas em meus tempos de experiência organizacional: encontrar potenciais organizadores e treiná-los.

A educação de um organizador exige longas e frequentes conferências sobre problemas organizacionais, análises de padrões de poder, comunicação, táticas de conflito, a educação e o desenvolvimento de líderes comunitários e métodos de introdução de novas questões.

[REGRAS PARA RADICAIS, p. 97-98]

“De tempos em tempos, houve inimigos externos diante
de nossos portões; sempre houve o inimigo interno, a
inércia oculta e malévola que prenuncia uma destruição
mais certa de nossa vida e nosso futuro que qualquer ogiva
nuclear. Não pode haver tragédia mais tenebrosa nem mais
devastadora que a morte da fé que o ser humano tem em si
mesmo e em seu poder de direcionar seu futuro.

SAUL ALINSKY

[REGRAS PARA RADICAIS, p. 30]

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Comunicação

Pode faltar ao organizador qualquer uma das qualidades e ele ainda ser efetivo e bem-sucedido, com uma exceção. Essa exceção é a arte da comunicação. Não adianta nada ter conhecimento de alguma coisa se você não for capaz de comunicar isso às pessoas. Nesse caso, você não é nem mesmo um fracasso. Você simplesmente não existe.

A comunicação com outros tem lugar quando eles entendem o que você está tentando fazer chegar a eles. Se não entenderem, você não estará comunicando, independentemente das palavras, das ilustrações ou do que quer que seja. As pessoas só entendem as coisas nos termos da experiência que tiveram, e isso significa que você tem de entrar na experiência delas. Ademais, comunicação é um processo de duas vias. Se tentar fazer chegar suas ideias aos outros sem prestar atenção no que eles têm a lhe dizer,pode esquecer a coisa toda.

[REGRAS PARA RADICAIS, p. 117]

“O cenário para o drama da mudança nunca variou. A humanidade foi e está dividida em três partes: os que têm, os que nada têm e os que têm alguma coisa e querem mais.”

SAUL ALINSKY

[REGRAS PARA RADICAIS, p. 47]

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Para começar

Para começar, o organizador que está chegando tem de mostrar sua identidade ou, formulando de outra maneira, obter licença para operar. Ele deve ter uma razão para estar ali – uma razão aceitável para as pessoas. Todo estranho é suspeito. “Quem é esse?” “Por que está fazendo todas essas perguntas?” “Será que é da polícia ou do FBI?” “O que ele faz da vida?” “O que ele quer realmente?” “O que ele ganha com isso?” “Para quem ele trabalha?”

As respostas a essas perguntas têm de ser aceitáveis nos termos da experiência da comunidade. Se o organizador começar declarando seu amor pelas pessoas, imediatamente perde a atenção de todas. Em contrapartida, se iniciar com uma denúncia dos patrões exploradores, dos donos de favelas, das extorsões policiais, dos comerciantes fraudulentos, ele entra no campo de experiência das pessoas, e elas o aceitam. Elas só conseguem fazer juízos com base nas próprias experiências. E a pergunta que têm em mente é: “Se nós estivéssemos na posição do organizador, faríamos o que ele está fazendo?”. E em caso afirmativo: “Por quê?”. Enquanto não tiverem uma resposta que seja mais ou menos razoável, será difícil para elas aceitarem o organizador.  

[REGRAS PARA RADICAIS, p. 135]

Saúdo a presente geração. Apeguem-se a uma das
partes mais preciosas da juventude, o riso – não o percam, como muitos parecem ter feito; vocês vão precisar dele.
Juntos podemos encontrar parte daquilo que estamos
procurando: riso, beleza, amor e a oportunidade de criar
.”

SAUL ALINSKY

[REGRAS PARA RADICAIS, p. 30]

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Táticas

Tática significa fazer o que se pode com o que se tem. Táticas são aqueles atos conscientes e deliberados mediante os quais os seres humanos convivem e lidam com o mundo ao redor. No mundo do dar e tomar, tática é a arte de como tomar e como dar.

Aqui nos preocuparemos com a tática de tomar: como os que nada têm podem tomar poder dos que têm. Uma ilustração elementar da tática consiste em tomar partes de sua face como ponto de referência: seus olhos, suas orelhas e seu nariz. Primeiro, os olhos; se vocês tiverem montado uma vasta organização de pessoas baseada em massas, podem fazê-la desfilar visivelmente diante do inimigo e mostrar abertamente seu poder. Em segundo lugar, as orelhas; se sua organização é pequena em quantidade, façam o que fez Gideão: escondam os membros dela no escuro, mas façam tanto barulho e clamor que quem ouvir chegue a acreditar que os números de sua organização são maiores do que de fato são. Em terceiro lugar, o nariz; se sua organização for demasiado minúscula até para fazer barulho, façam o lugar feder.

[REGRAS PARA RADICAIS, p. 135]

“Essa é a diferença básica entre o líder e o organizador. O líder se põe a estruturar poder para satisfazer seus desejos, a manter e segurar o poder para propósitos tanto sociais quanto pessoais. Ele quer poder. O organizador descobre sua meta na estruturação de poder para outros usarem.”

SAUL ALINSKY

[REGRAS PARA RADICAIS, p. 114]

Leituras complementares

Baixe os conteúdos complementares do mês em PDF!

Este mês trazemos um capítulo de Multidões e partido, de Jodi Dean, outro de 17 contradições e o fim do capitalismo, de David Harvey e a introdução de Ninguém disse que seria fácil, de Valerio Arcary, escrita por Mauro Iasi.

Clique nos botões vermelhos abaixo para fazer o download!

Jodi Dean

Mais que muitos


David Harvey

A promessa do humanismo revolucionário


Mauro Iasi

“Nosotros” precisamos conversar sobre militância

Vídeos

Este mês trazemos o lançamento antecipado do livro com Alessandra Orofino, Áurea Carolina, Bruno Torturra e Roberto Andrés, além de um debate de peso sobre organização política com Jodi Dean e José Dirceu e uma aula de Luis Felipe Miguel sobre o tema.

Para aprofundar…

Compilação de textos, podcasts e vídeos que dialogam com a obra do mês.

Camarada, de Jodi Dean

Multidões e partido, de Jodi Dean

Ninguém disse que seria fácil, de Valerio Arcary

O manifesto socialista,
de Bhaskar Sunkara

Como ser anticapitalista no século XXI?, de Erik Olin Wright

Crônicas anticapitalistas, de David Harvey

Marxismo e política: modos de usar, de Luis Felipe Miguel

Democracia para quem?, de Angela Davis, Patricia Hill Collins e Silvia Federici

Rádio Boitempo: Acervo Boitempo #3: Como se organizar politicamente?, com Luis Felipe Miguel, ago. 2022.

Pauta pública: Que sociedade a gente quer?, com Sabrina Fernandes, jul. 2022.

Listen, organize, act: Saul Alisnky – Part 1, jul.2022 [em inglês].

Listen, organize, act: Saul Alisnky – Part 2, jul.2022 [em inglês].

Data Radical: The AI Echo of Saul Alinsky’s Legacy, mar. 2024 [em inglês].

Teorias marxistas da organização política, com Marcos Del Roio, TV Boitempo.

Nós precisamos de camaradas, com Jodi Dean, TV Boitempo.

O manifesto socialista, com Victor Marques e Felipe Martins, TV Boitempo.

Como ser anticapitalista hoje?, com Sabrina Fernandes, TV Boitempo.

Crônicas anticapitalistas, com Ariel Machado, Humberto Matos e Leda Paulani, TV Boitempo

As qualidades de um organizador revolucionário”, por Saul Alinsky“, Blog da Boitempo, 2024.

Uma referência para gerações de ativistas“, por Áurea Carolina e Roberto Andrés, Blog da Boitempo, 2024.

Conheça um dos autores mais odiados pela extrema direita“, Blog da Boitempo, 2024.

Playboy Interview: Saul Alinsky“, 1972 [em inglês].

A edição de conteúdo deste guia é de Isabella Meucci e as artes são de Mateus Rodrigues.