Guia de leitura | A angústia do precariado | ADC#34

A angústia do precariado
Ruy Braga

Guia de leitura / Armas da crítica #34

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Como compreender o comportamento político dos trabalhadores racializados nos Estados Unidos? E dos trabalhadores brancos que vivem em pequenas cidades rurais? A eleição de Donald Trump, em 2016, pode ser interpretada apenas como resultado de uma classe trabalhadora branca ressentida e empobrecidaA angústia do precariado, nova obra do sociólogo Ruy Braga, é fruto de uma pesquisa de campo em pequenas cidades rurais nos Montes Apalaches, região que concentra historicamente a pobreza branca nos Estados Unidos.

O estudo coloca à prova a hipótese da eleição de Trump partindo de uma problematização teórica inspirada nos marxismos negro e latino-americano.

A caixa ainda é acompanhada de um lambe A2, adesivos exclusivos e marcador.

autor Ruy Braga
prefácio Sean Purdy
orelha Silvio Almeida
edição Frank de Oliveira
diagramação Antonio Kehl
capa Maikon Nery
coordenação de produção Livia Campos
coleção Mundo do Trabalho
páginas 288

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Quem é Ruy Braga?

Ruy Braga é professor titular do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP).

Pela Boitempo, publicou A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista (2012) e A rebeldia do precariado: trabalho e neoliberalismo no Sul global (2017), além de ter organizado, com Ricardo Antunes Infoproletários: degradação real do trabalho virtual (2009).

“Ao valorizar a experiência coletiva da classe trabalhadora nos Estados Unidos, sublinhando seu potencial emancipador, Ruy Braga soube reunir algumas lições valiosas, capazes de favorecer a luta contra a ascensão do autoritarismo também no Brasil.”

SILVIO ALMEIDA

A natureza estrutural da opressão racial no capitalismo

Em sua etnografia operária, Ruy Braga investigou como o sofrimento de cidades duramente golpeadas pela confluência entre crise econômica, desindustrialização, epidemia de abuso de substâncias ilícitas e pandemia ajudou a impulsionar, após o assassinato de George Floyd, protestos em favor das vidas negras numa região majoritariamente formada por brancos.

O livro empenhou-se em compreender como esse comportamento se enraíza no longo processo histórico de reconstrução das identidades coletivas dos trabalhadores precários estadunidenses, que vai do longo ciclo grevista dos anos 1960 até a atual onda de criação de novos sindicatos protagonizada pelos trabalhadores racializados.

Ao perseguir esse objetivo, Braga enfatizou em sua análise a natureza estrutural da opressão racial no capitalismo, argumentando que a atual crise que ameaça as instituições democráticas decorre em larga medida da incapacidade do movimento organizado dos trabalhadores de superar as fronteiras raciais que dividem as classes subalternas.

Silvio Almeida

Advogado, filósofo e professor, atual ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil.

“Enquanto os trabalhadores brancos puderem ser induzidos a preferir a pobreza à igualdade com os negros, um movimento dos trabalhadores permanecerá impossível.”

W. E. B. DU BOIS

Trilogia sociológica do precariado global

A angústia do precariado: trabalho e solidariedade no capitalismo racial é o último volume de uma trilogia sociológica consagrada à formação do precariado global, ou seja, aquele vasto contingente de trabalhadores aprisionados pela globalização neoliberal em ocupações inseguras e sub-remuneradas.

O primeiro trabalho desta série, A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista (2012), explorou de forma pioneira a relação entre precariado, empregadores e governos durante a hegemonia lulista, abarcando uma extensa história social da classe trabalhadora brasileira na segunda metade do século XX que dialogou criticamente com toda a tradição da sociologia do trabalho no país.

O volume seguinte, A rebeldia do precariado: trabalho e neoliberalismo no Sul global (2017), nasceu de uma densa e inovadora pesquisa etnográfica dedicada às práticas políticas e às formas de mobilização do precariado no Brasil, na África do Sul e em Portugal, após o advento da crise econômica global de 2008.

Sean Purdy

Professor do Departamento de História da
Universidade de São Paulo (USP)

“De certa forma, a conclusão dessa trilogia representa também um recomeço para Ruy, uma vez que ele encarou o espinhoso desafio de interpretar o comportamento político do precariado racializado vivendo no ventre da fera capitalista, isto é, os Estados Unidos.

SEAN PURDY

O que é o capitalismo racial?

Quando falamos em racismo não estamos nos referindo simplesmente a crenças ou atitudes individuais. Aqui, vale lembrar a teoria do capitalismo racial e colonial desenvolvida por W. E. B. Du Bois segundo a qual a escravidão e o colonialismo foram essenciais para a ascensão do mercado mundial. Antes do capitalismo, argumentou o sociólogo estadunidense, as relações e as estruturas sociais na África seriam fluidas, evoluindo na ausência de uma rígida hierarquia enraizada em opressões raciais. Sem um sistema rígido de classificação dos povos, relações de produção vertebradas pela racialização dos produtores diretos teriam ficado subdesenvolvidas até o século XVII.

A ascensão do mercado mundial mudou radicalmente essa situação. A exemplo de Rosa Luxemburgo, Du Bois concluiu que o capitalismo seria desde sua origem um regime racializado de acumulação, ou seja, um sistema incapaz de se reproduzir sem reinventar permanentemente o racismo e o colonialismo. Para ele, não podemos imaginar a origem do capitalismo sem a violência política inerente à opressão racial que moldou o regime de trabalho compulsório nas grandes plantações coloniais. Ao lado da relação salarial, a escravidão emergiu como a estrutura fundamental da acumulação capitalista.

[A ANGÚSTIA DO PRECARIADO, p. 22]


Exploração econômica e expropriação política não devem ser pensadas de forma separada, pois a própria estrutura de classes criada pela sociedade moderna já é originalmente racializada.”

[A ANGÚSTIA DO PRECARIADO, p. 22]

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O mito do autoritarismo da classe operária

O mito do autoritarismo da classe operária contribuiu para impulsionar a interpretação segundo a qual os trabalhadores brancos, em especial os protestantes, teriam enfraquecido o padrão fordista de agitação trabalhista ao se isolarem dos trabalhadores católicos e não brancos.

No entanto, ao observarmos o comportamento político dos trabalhadores brancos ao longo dos anos 1960 e 1970, é possível verificar características opostas tanto ao autoritarismo quanto ao isolacionismo. Inspirados pela luta contra a Guerra do Vietnã e pela radicalização do movimento negro estadunidense, os grevistas da novíssima planta da General Motors em Lordstown, Ohio, por exemplo, em sua maioria jovens operários brancos, enfrentaram no início dos anos 1970 a repressão da gerência em conluio com a burocracia sindical. Nas palavras de Gary Bryner, jovem representante sindical da base: “Lordstown é a Woodstock dos trabalhadores”.

[A ANGÚSTIA DO PRECARIADO, p. 48-49]

“A reinvenção neoconservadora da estrutura social estadunidense a partir da luta entre empresários e operários contra pobres e liberais redundou na expulsão dos trabalhadores do sonho americano da classe média ‘universal’.”

[A ANGÚSTIA DO PRECARIADO, p. 61]

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O sindicalismo e a fronteira racial

Uma vez que os conflitos trabalhistas nos Estados Unidos sempre envolveram lutas de classificação racial, é lógico supor que a própria formação dos sindicatos parte de uma história marcada por vitórias e derrotas no que se refere à inclusão ou à exclusão dos trabalhadores racializados. Frequentemente, os imigrantes europeus precisavam se tornar “brancos” para serem aceitos nos sindicatos. Não haveria de ser diferente num país cuja classe dominante criou a categoria “raça branca” como forma de controle social e de exploração econômica, distribuindo “privilégios brancos” para determinados grupos aliados.

O movimento sindical estadunidense nasceu marcado pelas disputas em torno do acesso a esses privilégios. Mesmo hoje, apesar do aumento da diversidade étnico-racial da classe trabalhadora no país, os sindicatos seguem controlados por uma burocracia majoritariamente branca.

[A ANGÚSTIA DO PRECARIADO, p. 104]

“A experiência do reformismo burocrático dos anos 1990 ensina que não é possível pensar a revitalização do sindicalismo nos Estados Unidos sem desafiar a fronteira racial que separa os trabalhadores.”

[A ANGÚSTIA DO PRECARIADO, p. 104]

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A narrativa do ódio branco

O senso comum liberal propôs interpretar o trumpismo por meio do ódio à igualdade social gerado pela perda dos privilégios da branquitude, da masculinidade e do nativismo. Trata-se de um diagnóstico concentrado na manipulação política daqueles que se veem acuados pelo progresso do reconhecimento dos grupos historicamente oprimidos.

Esse tipo de diagnóstico condensa dois contratempos frequentes nos estudos sobre a classe trabalhadora “branca”. Por um lado, percebemos a substancialização da classe, isto é, a atribuição a priori de certas características comportamentais a um agregado de indivíduos. Por outro, verificamos a alienação da classe, ou seja, sua manipulação por interesses alheios. Amiúde, as opiniões dos trabalhadores brancos a respeito de sua própria dominação desaparecem dessas análises.

[A ANGÚSTIA DO PRECARIADO, p. 128]

Do vale do Monongahela
à cordilheira de ferro Mesabi,
Até as minas de carvão dos Apalaches,
A história é sempre a mesma,
Setecentas toneladas de metal por dia,
Agora, senhor, você me diz que o mundo mudou,
Uma vez que eu o fiz rico o suficiente,
Rico o suficiente para esquecer meu nome.

BRUCE SPRINGSTEEN, “YOUNGSTOWN”

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A crise de hegemonia

Em meio à atual crise de hegemonia, apoiar esse esforço auto-organizativo talvez seja o maior desafio vivido pelo movimento trabalhista na América em muitas décadas. Para tanto, é necessário que os sindicatos estabelecidos se mostrem abertos ao diálogo não hierarquizado com diferentes identidades subalternas de forma a elaborar e a tornar coerente a experiência vivida dos trabalhadores em seus locais de trabalho e em suas comunidades. Trata-se do denominador comum da articulação entre trabalhadores explorados e expropriados, organizados e desorganizados, negros e brancos, homens e mulheres, imigrantes e nacionais, cisgêneros e transgêneros. […]

A solução para a atual crise hegemônica depende da capacidade da classe trabalhadora se refazer como o principal agente de democratização das sociedades modernas. Para tanto, necessitamos da formação de amplas coalizões entre velhos e novos ativismos verdadeiramente comprometidos com esse objetivo estratégico.

[A ANGÚSTIA DO PRECARIADO, p. 284]

“No Norte e no Sul globais, exorcizar o fantasma do nacionalismo autoritário é uma tarefa para décadas de lutas sociais numa era de indeterminação política. Ganhar eleições por margens apertadíssimas e derrotar tentativas de golpe de Estado configuram simplesmente as primeiras batalhas de uma longa e renhida guerra de classes.

[A ANGÚSTIA DO PRECARIADO, p. 284]

Leituras complementares

Baixe os conteúdos complementares do mês em PDF!

Este mês trazemos um capítulo de A política do precariado e outro de A rebeldia do precariado, além da apresentação de Silvio Almeida ao dossiê sobre marxismo e questão racial.

Clique nos botões vermelhos abaixo para fazer o download!

Ruy Braga

O espectro do povo


Ruy Braga

Portugal, África do Sul, Brasil: desigual e combinado


Silvio Almeida

Marxismo e questão racial

Vídeos

Este mês trazemos o lançamento antecipado do livro com Ruy Braga, Tulio Custódio e Rebecca Tarlau, além de um vídeo com Ruy Braga explicando o conceito de precariado e um curso completo sobre a rebeldia do precariado.

Para aprofundar…

Compilação de textos, podcasts e vídeos que dialogam com a obra do mês.

O que é o proletariado?, com Ruy Braga, TV Boitempo.

Revolução passiva e fordismo, com Ruy Braga, TV Boitempo.

O marxismo de Trótski, com Ruy Braga, TV Boitempo.

É possível unir Trótski e Gramsci?, com Ruy Braga, TV Boitempo.

Por um Gramsci revolucionário, com Ruy Braga, TV Boitempo.

Ruy Braga: Qual o futuro do trabalho? – 20 minutos entrevista, Opera Mundi.

As faces ignoradas do uberismo, com Ruy Braga, Outras palavras.