Automação das forças produtivas e o fim do emprego, uma resenha (com perguntas) do livro de Aaron Benanav

Imagem: WikiCommons
Por Thiago Canettieri
Victor Garcia se define, em sua bio do X, como um analista do mercado financeiro, campeão brasileiro de poker e um LIBERAL — com letras maiúsculas. Seu @ é “Toninho do call”, referência às boas chamadas (calls) que ele fornece aos seus seguidores sobre onde apostar. Que o poker e o mercado financeiro contemporâneo compartilhem afinidades não é surpresa alguma. O que aparentemente causou uma enorme surpresa em Victor foi uma notícia de abril de 2025: a Xiaomi, empresa chinesa, apresentou uma fábrica que precisaria de ZERO pessoa para funcionar. A Manus lançou uma IA que transforma, segundo ele, qualquer micronegócio em algo equivalente a uma empresa com 20 funcionários. Os carros autômatos já substituem motoristas de aplicativos. Os drones de entrega são uma realidade. Ele se pergunta na postagem: “Se você vai retirando massa salarial de todos os setores, em algum momento a pergunta precisa ser feita… Pra quem as empresas vão vender, se não existir mais gente recebendo salário para comprar? Afinal, essas pessoas foram trocadas por máquinas. Se ninguém mais trabalha, ninguém mais consome. Se ninguém consome, produzir pra quem?” Sua postagem seguinte foi sobre como investir no mercado financeiro.
Mais recentemente, Lula criticou as empresas de Inteligência Artificial por ameaçarem empregos. “Eu fico assustado quando eu vejo matéria nos jornais dizendo que a inteligência artificial pode causar 16 milhões de desempregados. Se é para isso, eu não quero. Que coisa é essa que é tão importante e vai causar problema para a sociedade? A nossa inteligência artificial tem que ser inteligente e fazer dela uma fonte de fazer emprego”, disse o presidente.
Em julho de 2025 foi divulgado o Relatório do Futuro do Trabalho de 2025, realizado pelo Fórum Econômico Mundial, mostrando que cerca de 40% dos empregadores planejam reduzir suas equipes priorizando a adoção da IA. Outro relatório, desta vez feito pela Organização Internacional do Trabalho, prevê que os avanços tecnológicos podem impactar mais de 37 milhões de trabalhadores somente no Brasil.
Por todos os lados se veem discursos que apontam a eliminação de empregos por conta do desenvolvimento da automação. O chamado desemprego tecnológico é um fantasma que assombra a esquerda e a direita. Das lojas on-line aos smartphones, dos aspiradores de pó robotizados aos caixas automáticos, dos carros autômatos ao atendimento ao cliente por IA até, é claro, os robôs nas plantas fabris. O cenário faz levantar a questão: estariam os empregos ameaçados pela automação?
Apesar da paisagem intelectual — tanto à esquerda como à direita — responder com um enfático “sim”, Aaron Benanav, autor de Automação e o futuro do trabalho, nada contra a corrente. Ele argumenta que a causa da crônica falta de empregos e da crescente precarização não é o avanço tecnológico acelerado, mas sim um problema mais profundo e persistente: a estagnação econômica global. A tese da automação, segundo Benanav, apoia-se em uma lógica simples: a tecnologia elimina postos de trabalho em um ritmo que a economia não consegue acompanhar, gerando um “desemprego tecnológico” que aponta para um futuro com cada vez menos trabalho. O verdadeiro problema, aponta ele, não é que a produtividade esteja crescendo de forma explosiva, mas sim que o crescimento da produção econômica mundial vem desacelerando há décadas. Esse fenômeno, que economistas marxistas como Robert Brenner chamaram de “longa recessão”, e que o mainstream econômico hoje reconhece como “estagnação secular”, é o verdadeiro motor da crise de desemprego.
A raiz dessa estagnação reside em décadas de excesso de capacidade industrial. A expansão global do setor manufatureiro levou a mercados superlotados, concorrência acirrada e, consequentemente, à queda da lucratividade de novos investimentos produtivos. Com o motor da produção engasgado e sem um setor de serviços dinâmico o suficiente para compensar, o crescimento econômico geral desacelerou. Como resultado, a criação de novos empregos também arrefeceu, gerando uma subdemanda persistente por mão de obra.
Benanav elucida essa dinâmica com uma relação fundamental: o crescimento do emprego é a diferença entre o crescimento da produção e o crescimento da produtividade (na fórmula matemática, ΔE = ΔO – ΔP). O que os dados mostram não é um aumento sem precedentes na produtividade (ΔP), mas sim uma queda contínua no crescimento da produção (ΔO). Em outras palavras, não estamos perdendo empregos porque as máquinas se tornaram subitamente eficientes demais, mas porque a economia global parou de crescer em um ritmo robusto.
Diante da falta de oportunidades de investimento rentável no setor produtivo, o capital migrou massivamente para a esfera financeira, buscando retornos em ativos e especulação em vez de investir em novas fábricas e tecnologias que gerariam empregos.
Para os trabalhadores, as consequências são diretas e severas. A baixa demanda por mão de obra cria um ambiente de “trabalhar a qualquer custo”, forçando as pessoas a aceitarem condições cada vez mais precárias, salários estagnados e a perda de direitos. A insegurança torna-se a norma, não a exceção. Em todo o mundo, ecoa-se a narrativa de que existem poucas vagas de trabalho para tantas pessoas. Essa baixa demanda de trabalho crônica é manifestada de diferentes maneiras: aumento do desemprego, da insegurança, da rotatividade e da precarização dos trabalhos; na ascensão de políticos de extrema direita baseados no ressentimento e no medo; no aprofundamento do fosso da desigualdade; e na disseminação e validação social de discursos que já não escondem o caráter exterminista neomalthusiano.
Seja como for, o diagnóstico traçado por Benanav carrega o inegável mérito de complexificar a questão, evitando assim que se busque saídas mágicas, que podem passar por um discurso neoludista de aversão a toda e qualquer máquina, a disseminação de medidas estatais como uma nova rodada keynesiana ou a implementação da Renda Universal Básica, ou ainda a aposta na educação financeira para o capitalismo de cassino, entre outras. O livro demonstra muitíssimo bem que o buraco é mais embaixo — é a economia que passa a afogar a si mesma. Nessas condições, não há saída simples.
Apesar da força de seu argumento, a análise de Benanav não está isenta de lacunas que merecem um debate mais aprofundado. Apontar as questões a seguir não diminui a relevância de sua contribuição, mas serve para nos engajarmos criticamente com sua obra.
Uma primeira limitação parece ser a falta de uma especificidade histórica mais robusta para o fenômeno que descreve. As causas apontadas para a queda na demanda por trabalho — como a disseminação de capacidades técnicas, a redundância produtiva e a acirrada concorrência global — são, em grande medida, características inerentes ao desenvolvimento capitalista, identificáveis desde o século XIX na obra de Marx. Diante disso, a questão que se impõe é: qual seria a novidade qualitativa do nosso tempo, que transforma essas tendências históricas na estagnação prolongada que o autor diagnostica?
Outro ponto central é a forma como Benanav estrutura sua tese. Ele critica os teóricos da automação por atribuírem o declínio do emprego ao aumento da produtividade e, em oposição, aponta para a desaceleração do crescimento da produção como a verdadeira causa. Contudo, ao colocar esses dois polos como excludentes, o autor talvez perca de vista uma possível determinação mútua. Em uma perspectiva dialética, inspirada na crítica da economia política, a relação não seria de exclusão, mas de reciprocidade. A estagnação econômica agrava a crise do trabalho, mas a própria dinâmica do emprego — ou desemprego — também causa estagnação. Pela lógica do capital, a competição força um aumento constante da produtividade, o que frequentemente resulta na expulsão de trabalhadores. Como o trabalho humano é a substância geradora de valor, sua expulsão do processo produtivo não é a causa da incapacidade de valorização do próprio capital, gerando a estagnação?
De toda maneira, o livro Automação e o futuro do emprego, de Aaron Benanav, é uma contribuição para o pensamento crítico essencial. É, sem dúvida, uma importante contribuição para compreender o mundo em que vivemos e certamente permanecerá atual enquanto o desenvolvimento contraditório do capital ainda determinar os modos de existência e de sociabilidade da humanidade.
* Para uma resenha que segue mais de perto o argumento do livro, expondo algumas outras facetas, confira “Automação, crise e desemprego“, de Thiago Canettieri, publicado na revista Estudos de Sociologia.
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Thiago Canettieri é professor do departamento de urbanismo da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
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Lançamento antecipado de Automação e o futuro do trabalho, de Aaron Benanav. Debate com Mariana Shinohara Roncato, Murillo van der Laan e Ricardo Antunes. Mediação de Renata Falavina.
Quarta-feira, 1º de outubro de 2025, às 16h. Ao vivo na TV Boitempo.
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O discurso da automação tecnológica tem sido amplamente mobilizado por empresários, políticos, jornalistas e formadores de opinião para sustentar prognósticos ora catastróficos, ora idílicos. Em Automação e o futuro do trabalho, Aaron Benanav, professor da Universidade Cornell, contrapõe-se a essas previsões ao argumentar que não é a tecnologia, mas o longo declínio da economia capitalista, o responsável pelo desemprego e, sobretudo, pelos subempregos contemporâneos.

A partir da análise de dados de diversas economias nacionais, o livro acompanha os processos de desindustrialização e de deslocamento dos empregos para o setor de serviços desde o último quarto do século XX. Mostra como a sobreacumulação de capitais na indústria resultou na desaceleração da produção, da produtividade e do crescimento econômico, afetando profundamente o mundo do trabalho – ainda que de modo heterogêneo entre os países. Sob tais condições, as ilusões da financeirização, frequentemente apoiadas em promessas de novas tecnologias para resolver crises econômicas e sociais, não se confirmam na prática. No prefácio à edição brasileira, Benanav afirma:
“As lições da última década devem moderar tanto nossas esperanças quanto nossos temores. A verdadeira ameaça representada pela IA generativa não é que ela eliminará o trabalho em grande escala, tornando o trabalho humano obsoleto. É o fato de que, se não for controlada, ela continuará a transformar o trabalho de forma a aprofundar a precariedade, intensificar a vigilância e ampliar as desigualdades existentes”.

O que fazer, então, diante do quadro desolador do capitalismo contemporâneo? Partindo do diagnóstico do longo declínio da economia capitalista, Automação e o futuro do trabalho critica tanto as soluções keynesianas quanto as propostas de renda básica e retoma uma tradição comunal, inspirada em autores como Karl Marx e Piotr Kropotkin, para esboçar um caminho rumo a um mundo pós-escassez. Esse horizonte não se ancora em compulsões tecnológicas nem no crescimento econômico desenfreado, mas na democratização substantiva de nossas capacidades, necessidades e liberdades.
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