Edyr Augusto e os retratos da selva de concreto dentro da maior selva do mundo

Edyr Augusto na FLIP, 2025. Imagem: Netflix

Por Alysson Oliveira

Quem abre, ao acaso, um livro do paraense Edyr Augusto e lê, novamente ao acaso, a primeira página, dificilmente, irá resistir a continuar lendo. “Era um dia normal de aula. Mas Janalice percebeu algo diferente ao entrar”, começa Pssica, um dos seus romances mais conhecidos, publicado em 2015, e que acaba de ser adaptado para uma minissérie pela Netflix, com direção de Fernando Meirelles e seu filho Quico Meirelles, com estreia apontada para o próximo dia 20 de agosto. 

Esse início já nos catapulta para um mundo em stacatto, numa prosa direta de frases curtas à maneira de Hemigway, mas, é claro, com particularidade brasileira. Nada disso é por acaso. Edyr conta que “é preciso fisgar o leitor nas primeiras 15 linhas”. Outro exemplo? O começo do conto “Domingo”, da coletânea Eu já morri: “Não gosto de ir à missa. Pior se for em um domingo. Pior ainda se for de manhã, cedo. Sete horas. Uma tortura. Mas o Max merecia. Foi um bom amigo. Sua morte chocou muitas pessoas.” 

O universo ficcional de Edyr é marcado pelo seu quintal, que ele transforma em universal. É um mundo de matadores, mulheres oprimidas, e violência — enfim, um mundo brasileiro. Mas há espaço para a poesia e para a luta.  

Sua carreira como escritor já começou marcada por um olhar muito crítico à violência endêmica brasileira. Edyr escreveu sua primeira peça aos 16 anos, pouco depois foi chamado pelo irmão para escrever uma radionovela. “Eu pensei numa cena de crime, uma secretária eletrônica”, conta divertindo-se. A estreia em romances viria só nos anos de 1990, com Os Éguas, publicado pela Boitempo, que lançou todos os livros do escritor. 

“Eu conhecia a família da Ivana [Jinkings, diretora geral da Boitempo] lá de Belém, e quando a editora ganhou um Jabuti fui falar com ela, mas ela me disse que nunca tinham publicado ficção. Acabamos conversando, e deu certo. Estou com a Boitempo até hoje, desde 1998.” 

Nesses quase 30 anos, Edyr publicou sete obras de ficção, além de ter sido traduzido para países como a França, onde ganhou o Prêmio Caméléon da Universidade de Lyon, conferido ao seu primeiro romance (lançado por lá em 2013, com o título Belém). “Foi só depois desse prêmio que passei a ser mais conhecido no Brasil. A gente precisa primeiro de um reconhecimento fora do nosso país para ser descoberto em São Paulo e Rio de Janeiro. O Sudeste e o Sul acham que são tão poderosos que se bastam, mas a produção daqui é também importante, e tem muito a dizer sobre o Brasil. Escrevo sobre uma selva de concreto fincada na maior selva do mundo”, explica.  

Casado com a atriz Zê Charone, Edyr mora no centro de Belém, cenário de muitos de seus romances e contos, e de onde tira o material para suas histórias. “Conheço todo mundo ali, tenho uma relação de amizade com o pessoal há muito tempo. Metade do elenco de nossa primeira peça era formado pelas prostitutas. Converso muito com o pessoal, eles e elas têm muito a contar.” 

A origem do próprio Pssica é uma história ouvida nas ruas, sobre uma adolescente cuja vida foi destruída depois que vazaram imagens dela numa relação sexual com o namorado. “A partir disso conto uma trama envolvendo tráfico de mulheres e Ratos d’água, como são conhecidos os piratas que roubam cargas nos rios aqui no Norte.” 

Seu método é pautado pela observação, “vivemos numa sociedade de imagens”, explica. “Eu tenho uma coleção de imagens brutas e o vocabulário que apendi nas ruas.” Edyr escreve de forma direta, não há tempo para marcar diálogos, tudo vai num fluxo no mesmo parágrafo. O conto “Motel Firenze”, também de Eu já morri, é inteiro construído na base dos diálogos em parágrafos longos dessa troca entre pessoas, marcado pela cadência das conversas.  

Edyr confessa que conta com o leitor como cúmplice, precisa dessa participação ativa para que suas histórias funcionem. “Você faz o seu filme, na sua cabeça, constrói a cena junto comigo.” Não é de se surpreender, que alguns dos escritores favoritos dele sejam autores de romances policiais, como os brasileiros Raphael Montes e Rubem Fonseca, e os estadunidenses Dashiell Hammett e James Ellroy.

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Alysson Oliveira é jornalista e crítico de cinema no site Cineweb, membro da ABRACCINE – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, e escreve sobre livros na revista Carta Capital. Tem mestrado e doutorado em Letras, pela FFLCH-USP, nos quais estudou Cormac McCarthy e Ursula K. LeGuin, respectivamente. Realiza pesquisa de pós-doutorado, na mesma instituição, sobre a relação entre a literatura contemporânea dos EUA e o neoliberalismo, em autores como Don DeLillo, Rachel Kushner e Ben Lerner. 



Pssica, de Edyr Augusto
Novela vertiginosa do premiado autor paraense, que se desdobra em torno do tráfico de mulheres. Uma adolescente que foi raptada em Belém do Pará, um imigrante angolano buscando vingança e um assaltante são os protagonistas desta jornada alucinatória de sexo, roubo, garimpo, drogas e assassinatos.

Os Éguas, de Edyr Augusto
Um romance policial diferente, que conta uma história de sexo, drogas, corrupção policial e morte. Em seu centro, um delegado alcoólatra “de mediana inteligência e vastos sofrimentos”. O cenário é Belém do Pará, surpreendentemente violenta e decadente, retratada sem qualquer condescendência. Os éguas é um romance que não deixa nada da cidade de fora, indo da grã-finagem à patuleia, mostrando bares, botecos, restaurantes, delegacias, clubes e motéis. Sua linguagem é coloquial, típica da região, compondo um retrato perfeito da oralidade local. O Título da obra define com ironia a fauna humana que cafunga e geme na história de aterradora violência narrada.

Eu já morri, de Edyr Augusto
Este é o oitavo livro do paraense Edyr Augusto. Em 17 histórias, o autor mais uma vez retrata com olhar ferino personagens singulares da cidade de Belém. São moradores de rua, figuras humildes, prostitutas, viciados, compondo um caleidoscópio de um submundo descrito em relatos ágeis e diretos, que prendem a atenção do leitor de forma quase magnética.

BellHell, de Edyr Augusto
Belhell é Belém, capital paraense, que, mais uma vez, pelas mãos de Edyr Augusto, se vê transformada não em cenário, mas em verdadeiro personagem desse brevíssimo romance urbano. Suas ruas, avenidas, becos, lanchonetes, clubes, casas noturnas, prostíbulos e hospitais são redimensionados pelas ações de Gil, Paula, dr. Marollo, Paulo e Sérgio Aragão. Contudo, é no clandestino cassino Royal, entre dados, cartas, fichas, dinheiro, uísque, cocaína, sexo e regras precisas, declaradas ou não, que o destino dos protagonistas é fatalmente posto em jogo.

Moscow, de Edyr Augusto
A obra é como um punho que atinge o leitor secamente, sem lhe deixar tempo para recobrar a respiração. O personagem central do romance é um jovem marginal envolvido num mundo repleto de violência, gangues, sexo, drogas e crime. Ambientado na praia do Mosqueiro, no Pará, o livro retrata personagens extremamente cruéis, verdadeiros, sem culpa e que poderiam ser encontrados não só ali, mas em São Paulo, Rio de Janeiro ou em qualquer outro lugar.

Um sol para cada um, de Edyr Augusto
Contos brutais, personagens pungentes. O renomado escritor paraense mergulha nas sombras da metrópole, desafiando tabus, provocando reflexões profundas sobre a vida nas ruas e becos da cidade. Sua escrita é um soco no estômago, uma arte que te desafia.

Casa de Caba, de Edyr Augusto
Trama intensa de vingança, escândalos políticos e estrelas do rock na Amazônia. O romance desdobra-se em vozes e perspectivas únicas, revelando segredos, traições e o desejo de justiça. A história se tece entre Belém e Nova York, criando uma Casa de Caba, um ninho de intrigas e ressentimentos.

Selva concreta, de Edyr Augusto
Explorando as patologias e os vícios da vida urbana, personagens comuns se entrelaçam em tramas que revelam as sombras da sociedade contemporânea. Narrativa pulsante que reflete a realidade de qualquer metrópole brasileira, revelando o lado obscuro do poder, corrupção e violência.


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