Feminismo ou barbárie

Na pena de Fraser, o feminismo marxista atravessa décadas. Seu conselho para nós: "este é o momento no qual as feministas devem pensar grande". É preciso aproveitar a crise do neoliberalismo para decidir a direção da próxima grande transformação."

Por Bruna Della Torre

Marxismo ou feminismo? Nancy Fraser é uma autora que nunca aceitou escolher entre um ou o outro. “Para as feministas socialistas, feministas anti-imperialistas e feministas não brancas”, argumenta, “a dificuldade era combater o machismo no interior da esquerda, ao mesmo tempo em que continuavam parte dela”. Talvez esse ainda seja um dos principais desafios do feminismo marxista.

Destinos do feminismo: do capitalismo administrado pelo Estado à crise neoliberal reúne ensaios escritos pela filósofa entre 1985 e 2010. O conjunto funciona como uma espécie de prisma, fazendo divergir o que incide de maneira unívoca e partindo a luz em múltiplas direções. Para além da apresentação da terceira dimensão que compõe sua proposta de uma teoria emancipatória – combinando “distribuição”, “reconhecimento” e “representação” –, Fraser critica a teoria da justiça e o marxismo clássico; confronta o dualismo presente na teoria de Habermas (atingindo também parte de seus antecessores da Escola de Frankfurt); faz a genealogia do conceito de “dependência”; reflete sobre a mobilização da psicanálise de Jacques Lacan por feministas como Julia Kristeva; analisa o capitalismo do Welfare State no Norte global e sua decomposição; associa a teoria de Karl Polanyi e a teoria feminista; e responde às críticas de Judith Butler, com quem travou um diálogo que permanece um dos maiores acontecimentos da teoria crítica atual. Um debate clássico, que deveria ser obrigatório nos cursos de graduação das ciências humanas e discutido em toda coletiva feminista, bem como em todo partido de esquerda digno do nome.

Na pena de Fraser, o feminismo marxista atravessa décadas. Seu conselho para nós: “este é o momento no qual as feministas devem pensar grande”. É preciso aproveitar a crise do neoliberalismo para decidir a direção da próxima grande transformação. Ao socialismo (e aos socialistas), cabe escolher: feminismo ou barbárie.

“Nancy Fraser está entre os pouquíssimos pensadores da tradição da teoria crítica capazes de resgatar o seu legado no século XXI.”
Axel Honneth

“Nancy Fraser nos desafia a reativar o espírito audacioso do feminismo da segunda onda. Analisando um imaginário que busca erradicar a exploração e a subjugação, oferece uma conclusão estimulante sobre como podemos mobilizar as melhores energias do feminismo contra os perigos do presente neoliberal.”
Lynne Segal


A segunda onda do feminismo surgiu como uma luta pela libertação das mulheres e ocupou seu lugar ao lado de outros movimentos radicais. Mas a subsequente imersão do feminismo na política de identidade coincidiu com um declínio de suas utopias e com a ascensão do neoliberalismo. Em Destinos do feminismo, a filósofa Nancy Fraser defende um feminismo radical revigorado capaz de enfrentar os desafios atuais e a crise econômica global.
 
Os ensaios reunidos na obra foram escritos ao longo das últimas décadas e documentam as mudanças no imaginário feminista desde a década de 1970. O livro tem três partes. A primeira parte apresenta textos que situam o feminismo da segunda onda num campo mais amplo de lutas democratizantes e anticapitalistas. A segunda parte traça alterações subsequentes no imaginário feminista, como o deslizamento cultural mais amplo da política de igualdade para a política de identidade. São capítulos que diagnosticam os dilemas enfrentados pelos movimentos feministas em um período de neoliberalismo ascendente. A terceira e última parte contempla as perspectivas de um renascimento do radicalismo feminista em tempos de crise neoliberal.

***
Bruna Della Torre é Horkheimer Fellow no Institut für Sozialforschung em Frankfurt (Otto Brenner Stiftung), pós-doutoranda no Departamento de Sociologia da Unicamp sob supervisão de Marcelo Ridenti (bolsista Fapesp) e membra do comitê editorial da revista Crítica Marxista, da qual foi editora executiva entre 2018 e 2023. Foi pesquisadora visitante no Centro Käte Hamburger de Estudos Apocalípticos e Pós-apocalípticos da Universidade de Heidelberg/Alemanha e realizou pós-doutorado no Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP sob a supervisão de Jorge de Almeida, com estágio de pesquisa na Universidade Humboldt (anfitriã: Rahel Jaeggi) e no Arquivo Walter Benjamin/Theodor W. Adorno da Akademie der Künste, em Berlim, com apoio do DAAD. Doutora em Sociologia (bolsista Capes), mestra em Antropologia Social sob a orientação de Lilia Katri Moritz Schwarcz (bolsista Fapesp) e bacharel em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo. Durante o doutorado, realizou estágio de pesquisa na Goethe Universität em Frankfurt am Main (anfitrião: Thomas Lemke) e no Arquivo Arquivo Walter Benjamin/Theodor W. Adorno da Akademie der Künste, em Berlim (bolsista DAAD). Em 2016, realizou um doutorado sanduíche de duração de um ano no Departamento de Literatura da Duke University (EUA) (anfitrião: Fredric Jameson), com bolsa da Capes. Foi, entre 2017 e 2018 e em 2021, professora substituta no Departamento de Sociologia da UnB. É autora do livro “Vanguarda do atraso ou atraso da vanguarda? Oswald de Andrade e os teimosos destinos do Brasil”, colunista mensal do Blog da Boitempo, pesquisadora associada ao Laboratório de Estudos de Teoria e Mudança Social (Labemus) e membra da coletiva “marxismo feminista“. Tem experiência em pesquisa e docência no ensino superior nas áreas de teoria literária, teoria social e filosofia. Suas pesquisas concentram-se, principalmente, nos estudos da relação entre estética e política, cultura, literatura e sociedade, na obra de Theodor W. Adorno e da Escola de Frankfurt e nos debates relativos à teoria crítica e ao ao marxismo contemporâneos.

Deixe um comentário