Teorias do totalitarismo e Guerra Fria

13.07.23_Emir Sader_Teorias do totalitarismo e Guerra FriaPor Emir Sader.

A palavra “totalitarismo” e suas distintas – mas sempre aparentadas – concepções são parte indissolúvel da “guerra fria”. Surgidas conforme proliferavam regimes ditatoriais na Europa – do fascismo na Itália ao nazismo na Alemanha, do franquismo na Espanha ao salazarismo em Portugal, entre outros –, se estenderam à União Soviética, no mecanismo essencial de igualar nazismo e comunismo, todos amalgamados sob o conceito de regimes totalitários.

Conceitualmente a categoria não se sustenta. Busca passar a ideia da existência de regimes não permeados por contradições, de tal maneira que fechariam-se todos os espaços sociais e políticos para conflitos. Era uma forma de exacerbar o vocabulário, diante de fenômenos para os quais o pensamento social ainda não tinha formas de compreensão.

O surgimento de regimes radicais de direita, com ativo apoio popular, surpreendia escolas de pensamento ancoradas na Revolução Francesa e nos movimentos populares que a sucederam – especialmente 1848 e a Comuna de 1871 –, em que a direita estava representada pelo velho regime, com pensamento conservador, de restauração e contra as ideias novas e radicais de democratização que surgiam. As bases sociais da direita eram oligárquicas, aristocráticas, enquanto os novos movimentos se apoiavam diretamente nas novas camadas populares, surgidas com a emergência do capitalismo, a expansão do comercio e o surgimento da industrialização.

Esses estereótipos foram surpreendidos com a aparição de regimes de direita com forte apoio popular. Ao não conseguirem dar conta da sua natureza, radicalizaram as palavras, chegando à ideia hiperbólica do totalitarismo.

Uma função essencial das teorias do totalitarismo foi a de identificar o nazismo e o comunismo como tipos similares de regimes, suposto essencial da Guerra Fria. Na concepção ocidental, o inimigo fundamental do mundo seria o totalitarismo. Primeiro se teria derrotado o totalitarismo nazista, em seguida o combate se daria contra o totalitarismo comunista (vencido este, a luta se voltou contra o totalitarismo islâmico).

O requinte dessa assimilação entre regimes de extrema direita e de extrema esquerda chegou ao calculo demográfico segundo o qual o nazismo e o comunismo teriam matado a mesma quantidade de milhões de pessoas.

O campo teórico proposto pelas teorias do totalitarismo teria, como desdobramento, a exaltação da “democracia”, no seu modelo liberal, como exemplo de liberdade – categoria à qual se opõe o totalitarismo.

As teorias do totalitarismo revelaram seu caráter estritamente ideológico, incapaz de dar conta dos fenômenos concretos, com o termino da URSS como resultado de suas próprias contradições internas – mesmo que aguçadas do exterior –, confirmando que não há sociedades sem espaços de contradições internas.

A incapacidade de compreender as formas de regimes ditatoriais com apoio de massas surgidos na Europa a partir da década de 1920 , como produto da própria crise do capitalismo – intensificada pela crise de 1929 – é que levou ao apelo às teorias do totalitarismo, que funcionaram como peças de propaganda do bloco imperialista durante a Guerra Fria.

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As armas da crítica: antologia do pensamento de esquerda, organizado por Emir Sader e Ivana Jinkings, já está disponível por apenas R$18 na Gato Sabido, Livraria da Travessa, iba e muitas outras!

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Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quartas.

5 comentários em Teorias do totalitarismo e Guerra Fria

  1. Petição: Secretaria Nacional dos Povos Indígenas.
    No futuro os seus netos for pesquisar no GOOGLE. Eles vão lhes perguntar: – Oh! vovô, por que você não deu conta desse extermínio lento dos índios? E sua consciência vai sentir gosto amargo em saber que os índios por mais 500 anos sofreu injustiça, violência e opressão e outras brutalidades. O Brasil de hoje, se transformou num exemplo de democracia para a América Latina. Mas, persiste esta chaga concreta que nos denigrem como Nação Desenvolvida. Portanto, uma criação de uma Secretaria Nacional dos Povos Indígenas. http://www.avaaz.org/po/petition/Secretaria_Nacional_dos_Povos_Indigenas/?fgsJddb&pv

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  2. “O requinte dessa assimilação entre regimes de extrema direita e de extrema esquerda chegou ao calculo demográfico segundo o qual o nazismo e o comunismo teriam matado a mesma quantidade de milhões de pessoas.” hUSPaisjoak´spasjaisopjoaks Como assim, ele acha que nazismo matou mais que o comunismo?
    Como se os primeiros campos de concentração não tivessem sido criados por Lênin e imitados por Hitler. Como se a maioria dos nazistas não fossem ex-socialistas.

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  3. Resumo: nao existiu totalitarismo de esquerda, nao existiram gulags, nao teve dissidente russo sendo enviado a hospitais psiquiátricos, as ideias geneticas de Lysenko nao levaram ao caos a agricultura e nem dizimaram de fome um monte de gente (nem China e Coreia comunistas tiveram esse problema de caos na produção, devido ao sistema econômico), os impactos ambientais na China e Russia são mentiras (nao secaram lago de Ural ), nao se forçaram milhoes a morarem aonde nao queriam por impsição do Estado, Chernobyl nada tem a ver c/ burocracia, aliás, burocracia NÃO existe na esquerda e nem nunca teve em países comunistas !

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  4. Número de mortes causadas por ação de direta de governos “comunistas”:

    20 milhões na União Soviética
    65 milhões na República Popular da China
    1 milhão no Vietnames
    2 milhões na Coreia do norte
    2 milhões no Camboja
    1 milhão nos Estados Comunistas do Leste Europeu
    150 mil na América Latina
    1,7 milhões na África
    1,5 milhões no Afeganistão

    Devo confessar minha surpresa ao ver sua defesa aos regimes totalitários de esquerda. Qualquer tentativa de defesa de regimes sanguinários como os citados anteriormente, antes de gerar revolta, geram total perplexidade. Perplexidade esta que desaparece ao se vislumbrar que a defesa é feita por membro de partido que compartlha a mesma “cartilha” que Stalin e Mao Tse.

    O que o Partido Nacional SOCIALISTA dos TRABALHADORES Alemães fez nunca será esquecido e deve servir de exemplo para que nunca aconteça novamente. Todo e qualquer totalitarismo deve ser combatido. Não importa de onde venha. A maior lástima é a máxima usada por essas regimes, de que é permitido matar alguem por um ideal. Não apenas matar, mas usar de todos os meios para impor ideais.

    Digno de lástima a sua tentativa de defesa desses regimes

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  5. Impressionante, sr. Emir Sader, mas o senhor nunca me decepciona, porque parece nunca aprender nada, nem nunca esquecer nada!
    Vejam o que o que o senhor faz depois de acusar os que fazem oposição ao “submarxismo aprendido de orelhada” das esquerdas nacionais que parece permear seu texto: Eles não explicaram nada com suas “teorias do totalitarismo [apenas] revelaram seu caráter estritamente ideológico”.
    E vai ainda mais fundo quando parece repetir como achado sociológico a manjada “análise ideologicamente isenta” sobre o que chama de “Teorias do totalitarismo e Guerra Fria”: “A incapacidade de compreender as formas de regimes ditatoriais com apoio de massas surgidos na Europa a partir da década de 1920, como produto da própria crise do capitalismo – intensificada pela crise de 1929 – é que levou ao apelo às teorias do totalitarismo, que funcionaram como peças de propaganda do bloco imperialista durante a Guerra Fria”. Desculpe, mas tudo me parece coisa de autêntico “subsocialista” carente de leituras… até mesmo de textos sérios dentro do seu próprio espectro ideológico.

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