Cultura inútil: Sobre mentiras e mentirosos

mouzar benedito mentira palinPor Mouzar Benedito.

Cuide da memória!
Mentiroso não pode errar
Ao recontar a mesma estória

Numa “aula espetáculo” de Ariano Suassuna, a que assisti no Memorial da América Latina, ele fez um discurso a favor da mentira. Não a mentira agressiva, mas aquela que abranda a verdade ou diverte. E disse que ele mesmo mentia: por que falar a uma pessoa uma verdade que a ofende? Melhor mentir e deixá-la feliz.

Tempos depois, numa outra “aula espetáculo”, ouvi de novo seu elogio à mentira e aos mentirosos divertidos. Contou sobre um deles, do agreste pernambucano, que tinha um apiário e vendia mel. Um dia, segundo ele, esse sujeito disse que estava conseguindo produzir o dobro de mel em cada colmeia. O segredo: tinha cruzado as abelhas com vaga-lume, assim elas trabalhavam dia e noite.

O certo é que a mentira e o mentiroso divertem, alegram a vida. Quanto mais absurda, mais divertida a mentira. E tem aquela história: todo escritor de ficção é na verdade um mentiroso, pois os romances são mentiras em forma de literatura, não é?

Mas voltemos aos mentirosos comuns.

Um médico amigo, o Renê, me contou de um mentiroso de uma cidade da região de São José do Rio Preto, no estado de São Paulo. Um dia, ele disse que, numa festa, ficou encarregado de “estourar” uma champagne e antes de tirar aqueles ferrinhos que protegem a rolha, chacoalhou bastante a garrafa, para que produzisse um “estouro” maior. Só que chacoalhou demais. A rolha bateu no teto, voltou e tampou a garrafa de novo.

Esta, pra mim que ouvi muitas mentiras por aí, foi novidade. Mas há mentiras repetitivas, que cada um diz que é do “mentiroso oficial” de sua cidade. Isso mesmo. Em tudo quanto é cidade pequena havia um sujeito que era considerado o maior mentiroso local, e todas as mentiras eram atribuídas a ele.

Uma mentira que se repete em todos os lugares é a do criador de porcos que ficavam cercados ao lado de um rio. Do outro lado do rio tinha uma roça de milho (ou outra coisa qualquer) e o dono disse a ele que seus porcos estavam invadindo a roça e acabando com ela. Ele foi apurar o que acontecia e viu: ele tinha uma plantação de mandiocas e uma dessas mandiocas era tão grande e grossa que passava por baixo do rio e ia até o lado do vizinho. Os porcos foram comendo a mandioca por dentro e acabaram cavando um túnel por ela até a roça do vizinho.

Falando do “mentiroso oficial da cidade”, na minha terra tinha um. Vamos dizer que o nome dele era Zeca. Mas quem inventava a maioria das mentiras e atribuía a ele era um dentista muito gozador. E qualquer mentira nova que aparecia por ali era atribuída a ele. Porém, mesmo sabendo disso, ele continuava com a fama.

E com ele acontecia aquilo de, quando falava a verdade, ninguém acreditava. Uma vez eu estava num bar e ele, recém-chegado de uma viagem ao Paraná, contou que na região em que esteve passava um caminho de índios que ia desde o litoral brasileiro até os Andes. Assim, os índios daqui mantinham contato com os incas. Ninguém riu, porque ele era bravo, mas quando saiu ficou aquela gozação: onde já se viu um caminho de índios do Atlântico até os Andes? Eu mesmo, molecão, achei o maior absurdo. Muito mais tarde, fiquei sabendo que o tal caminho existiu e se chamava Peabiru. O que o Zeca tinha contado era pura verdade.

E já que falei do Zeca, vou contar uma historinha dele. Ou atribuída a ele, que contei no meu livro de causos Santa Rita Velha Safada.

Depois desse causo, há uma seleção de ditados sobre o tema, e também o que falou um bando de gente famosa sobre ele.

Pescarias

A barbearia do Antônio era sempre cheia de gente. Funcionava como uma espécie de ponto de encontro de desocupados. Assim, às vezes tinha umas dez ou mais pessoas lá, mas só duas ou três na fila para cortar cabelo ou fazer barba. Os demais estavam ali para conversar e, comumente, falar da vida alheia.

Um dia, a barbearia cheia, chegou o Zeca. O pessoal já se assanhou: lá vem mentira das boas. Para puxar assunto um sujeito puxou assunto com ele:

— Ô, Zeca, cê tá sumido…

— Passei uns dias na roça, pescando… Foi lá no açude do Necreto.

— Pegou muitos peixes?

— De quantidade foi pouca, só alguns lambaris. Mas cada baita lambari! Um deles pesava três quilos.

Ficou aquele clima… Quanto pesa um lambari? Quinze gramas? Vinte gramas? E o Zeca vem com a história de lambari de três quilos. Um freguês arriscou:

— Ô, Zeca, lambari de três quilos?…

Antes que ele ficasse bravo, o Zé Luís, outro cara que tinha fama de mentiroso, sapecou:

— Pode ser… Pode ser… Aquele açude é muito esquisito. Um dia eu estava pescando nele, fisgou alguma coisa e eu pensei: é um peixe bem grande, porque estava difícil tirar o baita. Fiz bastante força e puxei, e sabe o que saiu do rio?

— Hum… hum…

— Um lampião aceso!

Aí o Zeca ficou bravo mesmo:

— Cê tá me gozando, Zé Luís? Onde já se viu tirar um lampião aceso do fundo do açude!

O Zé Luís deu um sorrisinho maroto e falou:

— Diminui um pouco o seu lambari que eu apago o meu lampião.

O QUE DIZ O POVO (DITADOS POPULARES)

“A mentira é tanto mais saborosa, quanto mais verdadeira se afigura”

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“O dinheiro cala a verdade e compra a mentira”.

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“Tempo de guerra, mentira por mar e por terra”.

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“Nada enfurece tanto o homem como a verdade”.

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“A mentira é o tempero da verdade”

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“Atrás da mentira, mentira vem”

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“A verdade, só a diz um homem forte ou um tolo”

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“A verdade amarga, a mentira é doce”

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“A verdade é manca, mas chega sempre a tempo”

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“A mentira corre mais que a verdade”

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“A mentira é como uma bola de neve; quanto mais rola, mais engrossa”

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“Mente bem quem de longe vem”

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“A mentira não tem pés, mas anda veloz”

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“A mentira dá flores, mas não frutos”

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“A fruta e a mentira, quanto maior, melhor”

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“Quem fala a verdade não merece castigo”

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“Ao mentiroso convém ter boa memória”

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“Só dura a mentira enquanto a verdade não chega”

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“São necessárias muitas mentiras para sustentar uma”.

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“É bom mentir, mas não tanto”.

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Provérbio chinês: “Meia verdade é sempre uma mentira inteira”.

hitler mouzar benedito[Adolf Hitler, de frente ao espelho, ensaiando a gesticulação de seus discursos]

E O QUE ELES (E ELAS) DISSERAM:

Napoleão Bonaparte: “A História é um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo”.

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Millôr Fernandes: “Jamais diga uma mentira que não possa provar”.

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Millôr Fernandes, de novo: “As pessoas que falam muito, mentem sempre, porque acabam esgotando seu estoque de verdades”.

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Hilda Roxo: “Não acredito que o homem goste das pieguices e mentiras da mulher: ele está, coitado, se tornando estéril pela luta e combate à mesma”.

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Federico Fellini: “Cinema-verdade? Prefiro o cinema-mentira. A mentira é sempre mais interessante do que a verdade”.

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Espínola Veiga: “Mentira, que importa? No amor, a mentira é como o sal: demais, salga; às pitadas, tempera”.

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Mark Twain: “Algumas pessoas nunca dizem uma mentira – se souberem que a verdade pode magoar mais”.

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Xiquote: “O amor à verdade é, em última análise, o amor às nossas próprias opiniões”.

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Xiquote, de novo: “Não é difícil dizer sempre a verdade; difícil é conseguir que sempre nos acreditem”.

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Bernardo Pereira de Vasconcellos: “A verdade é a mentira muitas vezes repetidas”.

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Adolf Hitler: “As grandes massas cairão mais facilmente numa grande mentira do que numa mentirinha”.

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Lucille Ball: “O segredo para permanecer jovem é viver honestamente, comer devagar e mentir a idade”.

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Camilo Castello Branco: “A verdade é às vezes mais inverossímil que a ficção”.
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Camilo Castello Branco, de novo: “A verdade é algumas vezes o escolho de um romance”.

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Florbela Espanca: “Quem disser que pode amar alguém durante a vida inteira é porque mente”.

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Benjamin Disraeli: “Há três espécies de mentiras: mentiras, mentiras deslavadas e estatísticas”.

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Leon Kaseff: “Na conquista da verdade, não existem vencedores nem vencidos, mas, apenas, convencidos”.

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Humberto de Campos: “Em literatura, e em moral, repete-se o fenômeno: a verdade, nua, é, pela sua uniformidade, fatigante, enfadonha, fastidiosa”.

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José Américo: “Há muitas formas de dizer a verdade. E talvez a mais persuasiva seja a que tem a experiência da mentira”.

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Pereira da Silva: “As verdades de quase dois mil anos caducam como as senhoras respeitáveis de mais de cem”.

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Assis Chateaubriand: “Só o real é contraditório”.

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Vicente Avelino: “A verdade é o meu ponto de vista”

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Sabino de Campos: “A mentira repassada de comicidade e humor é um tônico do espírito”.

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Sabino de Campos, de novo: “A mentira que diverte é um bálsamo para os males crônicos da humanidade”.

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Medeiros e Albuquerque: “Os fracos e perseguidos precisam da mentira como de uma defesa”.

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Aristóteles Onassis: “Não ser descoberto numa mentira é o mesmo que dizer a verdade”.

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Ieda Graci: “A mentira é uma ilusão dos infelizes”.

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Machado de Assis: “A mentira é muita vezes tão involuntária como a respiração”.

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Mário Quintana: “A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer”.

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Mário Quintana, de novo: “Do bem e do mal / Todos têm seu encanto: os santos e os corruptos. / Não há coisa na vida inteiramente má. / Tu dizes que a verdade produz frutos… / Já viste as flores que a mentira dá?”.

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Paula Nei: “A mentira é um passo em falso – desequilibra; escorregando na primeira é depois um trabalho para um homem restabelecer o aprumo”.

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Galeão Coutinho: “Mentir demanda trabalho, esforço de imaginação, engenho agudo. Quem mente é obrigado a mentir mais, a mentir sempre”.

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Galeão Coutinho, de novo: “Toda mulher tem horror à mentira… pregada pelos homens”.

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Francisco de Bastos Cordeiro: “Não mentir é talvez a forma mais rara de heroísmo”.

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Aristóteles: ”Que vantagem têm os mentirosos? A de não serem acreditados quando dizem a verdade”.

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Henry Mencken: “É difícil acreditar que um homem está a dizer a verdade quando você sabe que mentiria se estivesse no lugar dele”.

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William Shakeaspeare: “As pequenas mentiras fazem o grande mentiroso”.

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Shakespeare, de novo: “Com o engodo de uma mentira, pesca-se uma carpa de verdade”.

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Nietzsche: “O sucesso tem sido sempre um grande mentiroso”.

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Nietzsche, de novo: “Há uma inocência na mentira que é o sinal da boa fé numa causa”.

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Nietzsche, mais uma vez: “O fantasioso nega a verdade para si mesmo; o mentiroso apenas para os outros”.

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Robert Stevenson: “As mentiras mais cruéis são frequentemente ditas em silêncio”.

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George Lord Byron: “E, afinal de contas, o que é uma mentira? É apenas a verdade mascarada”.* * *

Padre Sena de Freitas: “Não há nada tão despótico como uma verdade evidente”.

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Josué de Castro: “Nem todas verdades se podem dizer”.

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Bertolt Brecht: “Quem não conhece a verdade não passa de um tolo; mas quem a conhece e a chama de mentira é um criminoso!”.

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Martinho Lutero: “Todo o pecado é um tipo de mentira”.

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Santo Agostinho: “O dom da fala foi concedido aos homens não para que eles enganassem uns aos outros, mas sim para que expressassem seus pensamentos uns aos outros”.

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Dostoiéviski: “A mentira é o único privilégio do homem sobre todos os outros animais”.

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Ovídio: “A consciência tranquila ri-se das mentiras da fama”.

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Sófocles: “Não é bom dizer mentiras; / mas quando a verdade puder trazer uma terrível ruína, / então dizer o que não é bom também é perdoável”.

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Anatole France: “As mulheres e os médicos sabem bem como a mentira é necessária aos homens”.

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Berilo Neves: “A verdade é uma senhora inconveniente que produz escândalo toda vez que aparece em público”.

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Henrik Ibsen: “Se você tira a mentira vital a um homem vulgar, tira-lhe ao mesmo tempo a felicidade”.

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Chico Xavier: “A verdade que fere é pior do que a mentira que consola”.

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Cazuza: “Mentiras sinceras me interessam”.

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Clarice Lispector: “Não sei amar pela metade. Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma para sempre”.

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Clarice Lispector, de novo: “Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece”.

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Clarice Lispector, mais uma vez: “Minha maior mentira todos os dias: meu sorriso”.

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Denis Diderot: “Engolimos de um sorvo a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga”.

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Stephen King: “A confiança do ingênuo é a arma mais útil do mentiroso”.

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Stephen King de novo: “Crianças, ficção é a verdade dentro da mentira, e a verdade desta ficção é bastante simples: a magia existe”.

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Viana Moog: “Na vida, o que prejudica são as pequenas mentiras; as mentiras em grande, são formidáveis instrumentos de bom êxito”.

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Sócrates: “Quem melhor conhece a verdade é mais capaz de mentir”.

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Cícero: “Ninguém acredita em um mentiroso, mesmo quando ele diz a verdade”.

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Jules Renard: “Diga a verdade de vez em quando para que acreditem em você quando mentir”.

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Fabrício Carpinejar: “Gastei todas as minhas mentiras na paixão. Gastei todas as minhas verdades no amor. O que sobrou sou eu”.

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Fabrício Carpinejar, de novo: “Alguém dentro de mim mente para me proteger”.

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Umberto Eco: “Nem todas as verdades são para todos os ouvidos. Nem todas as mentiras podem ser suportadas”.

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Charles Bukowski: “Era isso que eles queriam: mentiras. Mentiras maravilhosas. Era disso que precisavam. As pessoas eram idiotas, seria fácil pra mim assim”.

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Pierre Corneille: “Um mentiroso é sempre pródigo em juramentos”.

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Júlio Dantas: “O que foi sempre o amor senão a mais dolorosa, a mais voluptuosa das mentiras?”.

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Henry Wells: “Publicidade é mentira legalizada”.

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Georges Bataille: “O orgulho é igual à humildade: é sempre mentira”.

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Adélia Prado: “Preciso mentir um pouco para que o ritmo aconteça e eu própria entenda o discurso”.

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Raul Seixas: “Mamãe, eu não quero ler jornais, mentir sozinho eu sou capaz…”.

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Ambrose Bierce: “Imaginação: um armazém de fatos gerido em parceria pelo poeta e pelo mentiroso”.

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Em Harry Porter e o Cálice de Fogo: “Não faça perguntas e não te direi mentiras”.

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Dr. House: “Há uma razão para a mentira: funciona”.

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Demi Lovato: “O espelho pode mentir, não mostra como você é por dentro”.

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Marilyn Manson: “Mas o que é real? Você não pode descobrir a verdade, você só escolhe a mentira da qual mais gosta”.

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Mahatma Gandhi: “Meu Senhor, ajude-me a dizer a verdade diante dos fortes e não dizer mentiras para ganhar o aplauso dos fracos”.

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Claude Debussy: “A arte é a mais bela das mentiras”.

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Theodore Adorno: “A arte é a magia libertada da mentira de ser verdadeira”.

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Pablo Picasso: “A arte é a mentira que nos permite conhecer a verdade”.

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Guerra Junqueiro: “A mentira só aos mentirosos prejudica”.

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George Orwell: “A linguagem política, destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade e o crime se torne respeitável, bem como a imprimir ao vento uma aparência de solidez”.

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George Orwell, de novo: “Numa época de mentiras universais, dizer a verdade é um ato revolucionário”.

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Caio Fernando Abreu: “O que você mentir eu acredito”.

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Abraham Lincoln: “Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo”.

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Oscar Wilde: “A finalidade do mentiroso é simplesmente fascinar, deliciar, proporcionar regozijo. Ele é o fundamento da sociedade civilizada”.

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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças. 

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