Guia de leitura | Vozes da terra | ADC#37

Vozes da terra
Antonio Gramsci
Guia de leitura / Armas da crítica #37
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Vozes da terra, nova obra da coleção Escritos Gramscianos, reúne vinte textos de Antonio Gramsci publicados entre 1919 e 1926. Os artigos abordam, essencialmente, a relação entre o Sul e o Norte da Itália, que vivia, desde o século XIX, com uma disparidade social e econômica: o Norte em situação razoável de industrialização e o Sul estagnado em uma economia agrária com resquícios feudais.
Com dezessete dos artigos publicados pela primeira vez em português, o livro traz um retrato da Itália nos anos pré-fascismo, como a relação entre os operários do Norte e os camponeses do Sul. A ebulição da política local, os embates entre os partidos de esquerda italianos da época e o fascínio com a revolução que se avistava na Rússia também são temas que perpassam os textos.
Além do livro, marcador e adesivo, nossos assinantes recebem um conjunto de ímãs Dicionário gramsciano.
autor Antonio Gramsci
tradução Rita Coitinho e Carlos Nelson Coutinho
apresentação e organização Marcos Del Roio
orelha Giovanni Semeraro
notas da edição Rita Coitinho e Marília Gabriella Borges Machado
edição Thais Rimkus
preparação Mariana Zanini
revisão Gabriela Rocha
diagramação Antonio Kehl
capa Maikon Nery
coordenação de produção Livia Campos
páginas 192


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Quem foi Antonio Gramsci?
Antonio Gramsci, teórico e ativista político marxista, nasceu na Sardenha, Itália, em janeiro de 1891. Estudou na Universidade de Turim e, em 1913, filiou-se ao Partido Socialista Italiano. Foi o principal mentor do semanário L’Ordine Nuovo, porta voz dos Conselhos de Fábrica de Turim, em 1919-1920. Em 1921, participou da fundação do Partido Comunista da Itália. Eleito deputado em 1924, tornou-se o principal dirigente da agremiação. Foi preso em novembro de 1926 e, em seguida, condenado pelo Tribunal de exceção do regime fascista. Permaneceu preso até abril 1937 e morreu poucos dias depois de ser colocado em liberdade vigiada. Enquanto preso, redigiu vasta quantidade de anotações em 33 cadernos, que vieram a conformar uma obra extraordinária de filosofia e interpretação em interlocução crítica com os mais diferentes autores.
Pela coleção Escritos gramscianos, a Boitempo publicou Odeio os indiferentes, Homens ou máquinas?, e Os líderes e as massas. Para saber mais sobre a vida do autor da caixa de novembro, confira Antonio Gramsci, o homem filósofo, biografia intelectual escrita por Gianni Fresu.
“Inéditos em sua grande maioria para o público brasileiro, os textos de Vozes da terra reservam muitas surpresas. O leitor se depara com uma realidade em ebulição, permeada de desafiadores problemas sociais, de uma intensa trama de atores e candentes embates políticos.”
GIOVANNI SEMERARO


Gramsci e a aliança operário-camponesa
A perspicácia por trás da organização deste volume fica evidente desde a seleção dos textos – em torno da temática da terra e dos conflitos entre os grandes proprietários agrários e os camponeses em condições feudais, marginalizados pelo fosso que se alargava entre o Norte e o Sul da Itália; isto é, entre as regiões ricas do capitalismo industrial e financeiro, impulsionado pela “modernização burguesa”, e o Mezzogiorno colonizado e deixado no atraso.
Ao longo destas páginas, acompanhamos a trajetória de Gramsci naqueles anos marcados pela ascensão do fascismo. Engajado numa atividade política frenética, o marxista sardo encara a complexa e crucial “questão meridional”, opondo-se ao “banditismo” e às revoltas intempestivas e isoladas, esgrimindo suas armas com a verve mordaz do jornalismo de combate e envolvido na construção da aliança operário-camponesa, decisiva não só para dar lastro efetivo à Itália recém-unificada, mas, principalmente, para organizar a revolução, como acabara de ocorrer na Rússia, em resposta à crise do capitalismo da Europa ocidental sustentada na exploração do trabalho e no colonialismo.
Giovanni Semeraro
Professor titular na Universidade Federal Fluminense onde leciona Filosofia da Educação na Graduação e no Programa de Pós-Graduação (PPGE).
“Da questão sarda e da questão camponesa, articulada à luta operária dos grandes centros industriais e às observações interessadas sobre os desenvolvimentos na Rússia revolucionária, Gramsci produz sua própria versão da teoria revolucionária inspirada em Marx e Engels.”
RITA COITINHO


A importância da terra e da luta anticolonial
Da questão sarda e da questão camponesa, articulada à luta operária dos grandes centros industriais e às observações interessadas sobre os desenvolvimentos na Rússia revolucionária, Gramsci produz sua própria versão da teoria revolucionária inspirada em Marx e Engels, também estes dois teóricos profundamente preocupados com a subjugação dos povos nas colônias.
Uma teoria pujante que até os dias de hoje inspira estudiosos e militantes revolucionários do mundo – especialmente na América Latina, região onde Gramsci vem despertando o interesse de muitos daqueles estimulados por suas formulações sobre as relações entre áreas mais desenvolvidas economicamente e áreas a elas subjugadas, muito importantes para se compreender o problema do imperialismo e das opressões de nossos dias.
Rita Coitinho
Socióloga, doutora em Geografia Humana pelo Programa de Pós Graduação em Geografia na Universidade Federal de Santa Catarina, escritora e tradutora.
“Os operários fabris e os camponeses pobres são as duas energias da revolução proletária. Para eles, em particular, o comunismo representa uma necessidade existencial: seu advento significa a vida e a liberdade, enquanto a permanência da propriedade privada significa o perigo iminente do esmagamento, da perda de tudo, até mesmo da vida física.“
ANTONIO GRAMSCI
[VOZES DA TERRA, p. 64]


A questão meridional
Ainda que se possa dizer que uma questão meridional exista desde a Antiguidade, quando a República Romana extrapolou seu território peninsular nas guerras contra o Épiro e contra Cartago, foi a invasão longobarda, no século VI d.C., a cindir em duas a trajetória histórica da Itália. Apenas com o Risorgimento do século XIX, que culminou na fundação do reino da Itália, logo após a anexação (manu militari) do reino de Nápoles pelo Piemonte, em 1861, a península voltou a se unificar.
Em meados do século XIX, o Norte assistia a um processo de industrialização razoável, mas o Sul se mantinha estagnado numa economia agrária de muito baixa produtividade, com característica feudais persistentes. O Risorgimento foi a realização da revolução burguesa na Itália, uma revolução pelo alto ou uma revolução passiva, como Gramsci identificaria nos Cadernos do cárcere. Desde logo, o problema que se apresentou foram as péssimas condições de vida do campesinato meridional.
Marcos Del Roio
na apresentação de Vozes da terra.
“A experiência daqueles anos – em particular a dos últimos três anos – de fascismo proporcionou a todos nós e ao proletariado e aos camponeses italianos um amadurecimento político do qual é impensável que não tiremos lições.”
ANTONIO GRAMSCI
[VOZES DA TERRA, p. 111]


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Operários e camponeses
Nos países ainda atrasados do ponto de vista capitalista, como a Rússia, a Itália, a França e a Espanha, existe uma nítida separação entre a cidade e o campo, entre os operários e os camponeses. Na agricultura, sobrevivem formas econômicas puramente feudais, bem como a mentalidade que lhes corresponde. A ideia do Estado moderno liberal-capitalista ainda é ignorada; as instituições econômicas e políticas não são concebidas como categorias históricas, que tiveram um início, sofreram um processo de desenvolvimento e podem dissolver-se depois de terem criado as condições para formas superiores de convivência social. São concebidas, ao contrário, como categorias naturais, perpétuas, imutáveis. Na realidade, a grande propriedade agrária se manteve fora da livre concorrência; o Estado moderno respeitou sua essência feudal, inventando fórmulas jurídicas como a do fideicomisso, que conservam de fato as investiduras e os privilégios do regime feudal.
Por isso, a mentalidade do camponês continuou a ser a do servo da gleba, que se revolta com violência contra os “senhores” em determinadas ocasiões, mas é incapaz de conceber a si mesmo como membro de uma comunidade (a nação para os proprietários, a classe para os proletários) e de desenvolver uma ação sistemática e permanente no sentido de modificar as relações econômicas e políticas da convivência social.
[VOZES DA TERRA, p. 60 ]
“O problema dos camponeses coloca-se como um problema político. É por isso que os comunistas devem interessar-se especialmente nisso.”
ANTONIO GRAMSCI
[VOZES DA TERRA, p. 113]


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As populações coloniais
As insurreições que ocorrem, com amplitude e intensidade cada vez maiores, entre as populações submetidas ao regime colonial permitem hoje, depois das experiências históricas determinadas pela Revolução Russa, estabelecer com certa exatidão o significado e o alcance deste enunciado do marxismo: o proletariado, ao se emancipar, libertará consigo todas as demais classes oprimidas.
A sujeição das populações coloniais foi a condição do desenvolvimento que o sistema capitalista alcançou antes da guerra: o esforço dos Estados burgueses para levar a cabo essa obra de sujeição, um esforço de expansão imperialista, serve para caracterizar toda a fase da história do capitalismo que leva à conflagração mundial, no curso da qual as relações da luta de classes se subvertem e as forças geradas pelo capitalismo ganham a capacidade de derrubar seu opressor e libertar-se.
[VOZES DA TERRA, p. 75]
“Hoje a revolta arde no mundo colonial: é a luta de classes dos homens negros contra os exploradores e cains brancos. É um impulso imenso e irresistível de todo um mundo rico em espiritualidade em direção à autonomia e à independência.”
ANTONIO GRAMSCI
[VOZES DA TERRA, p. 56]


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Os intelectuais
Os intelectuais se desenvolvem lentamente, muito mais que qualquer outro grupo social, por causa de sua própria natureza e de sua função histórica. Eles representam toda a tradição cultural de um povo, desejam resumir e sintetizar toda a história. E isso vale, sobretudo, para o velho tipo de intelectual, aquele nascido no terreno camponês. Supor que ele possa, enquanto massa, romper com todo o passado para se pôr completamente no terreno de uma nova ideologia é absurdo.
É absurdo para os intelectuais enquanto conjunto; e talvez seja absurdo também para muitíssimos intelectuais tomados individualmente, apesar de todos os esforços honestos que eles fazem e desejam fazer nesse sentido. Ora, os intelectuais nos interessam enquanto massa, não só enquanto indivíduos.
Decerto, é importante e útil para o proletariado que um ou mais intelectuais adiram individualmente a seu programa e sua doutrina, confundam-se com o proletariado, tornem-se e se sintam partes dele. O proletariado, como classe, é pobre de elementos organizativos; não tem e não pode formar um estrato próprio de intelectuais a não ser bem lentamente, de modo trabalhoso e só depois da conquista do poder estatal.
[VOZES DA TERRA, p. 169]
“Agora sabemos que é essencial alcançar um entendimento entre operários e camponeses para que o proletariado avance vitoriosamente no ataque às posições fortes do poder capitalista.”
ANTONIO GRAMSCI
[VOZES DA TERRA, p. 112]


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Uma aliança vitoriosa
Pode-se pensar na possibilidade de conquistar o poder político para o proletariado e de manter a sua posse se os operários não se aliarem aos camponeses? Quantas vezes a revolução nas cidades não foi esmagada pelos camponeses armados pela reação? Marx e Engels já tinham mencionado a possibilidade de uma futura aliança entre operários e camponeses, mas ainda não com precisão.
O principal mérito de ter traduzido o princípio da aliança operário-camponesa numa fórmula prática de ação pertence a Lênin, grande teórico e líder da Revolução Russa. Esse conceito de aliança não é uma fórmula improvisada, não é uma invenção, uma manobra tática no sentido que um general de exército poderia dar a essa palavra. Lênin é um grande homem de ação porque é um grande teórico. Nos grandes homens da revolução comunista, essas duas qualidades não podem estar separadas, estão necessariamente integradas. Foi a experiência histórica que proporcionou a Lênin a tradução, em termos simples e até banais, dos problemas que as derrotas das revoluções anteriores tinham colocado.
[VOZES DA TERRA, p. 111]
Este mês trazemos dois escritos de Gramsci presentes em Homens ou máquinas e Os líderes e as massas e um capítulo da biografia política Antonio Gramsci, o homem filósofo, de Gianni Fresu.
Clique nos botões vermelhos abaixo para fazer o download!
Antonio Gramsci
Prosseguir na luta
Antonio Gramsci
Democracia operária
Gianni Fresu
Das contradições da Sardenha à questão meridional

Vídeos
Este mês trazemos o lançamento antecipado do livro com Marcos Del Roio, Giovanni Semeraro e Rita Coitinho, além de um vídeo com Marcos Del Roio comentando a vida de Gramsci e Rita Coitinho analisando a concepção de partido político para o autor da caixa do mês.

Para aprofundar…
Compilação de textos, podcasts e vídeos que dialogam com a obra do mês.

Os líderes e as massas, de Antonio Gramsci
Homens ou máquinas, de Antonio Gramsci
Odeio os indiferentes: escritos de 1917, de Antonio Gramsci
O rato e a montanha, de Antonio Gramsci
Antonio Gramsci, o homem filósofo: uma biografia intelectual, de Gianni Fresu
Dicionário gramsciano (1926-1937), organização de Guido Liguori e Pasquale Voza
Os prismas de Gramsci: a fórmula política da frente única (1919-1926), de Marcos Del Roio
De Rousseau a Gramsci: ensaios de teoria política, de Carlos Nelson Coutinho
As armas da crítica: antologia do pensamento de esquerda, de Karl Marx, Leon Trótski, Rosa Luxemburgo, Antonio Gramsci, entre outros.

Rádio Boitempo: Megafone #5: Hiago Soares lê “Homens ou máquinas?”, de Antonio Gramsci, out. 2022.
Rádio Boitempo: Acervo Boitempo #12: O marxismo de Antonio Gramsci, com Daniela Mussi, nov. 2023.
Filosofia Pop: Gramsciando, com Daniela Mussi, maio 2023.
Salvo Melhor Juizo: #98 Antonio Gramsci, com Daniela Mussi e Moisés Alves Soares, set. 2020.
Jones Manoel: Antonio Gramsci: política e questão nacional, com Jones Manoel, out. 2020.
Em Movimento: #26 Quem foi Antonio Gramsci?, com Daniela Mussi, nov. 2021.
Rádio Carta Maior: Gramsci e a mãe de todas as crises políticas: a crise de hegemonia, com Alvaro Bianchi.
Ontocast: #64 – Classe e partido em Gramsci, com Hian Sousa e Gabriel Carvalho, jun.2022.

Série “Dicionário gramsciano”, TV Boitempo, 2020.
Quem tem medo de Gramsci?, com Virgínia Fontes, TV Boitempo, 2021.
Antonio Gramsci, o homem filósofo, com Gianni Fresu e Marcos Del Roio, TV Boitempo, 2020.
Quem foi o pensador marxista Antonio Gramsci e como ele refletiu sobre o fascismo?, com Daniela Mussi, Rede TVT, 2020.
Por um Gramsci revolucionário, com Ruy Braga, TV Boitempo, 2019.
Filologia e política em Gramsci, com Alvaro Bianchi, HISTRAEB (História, Trabalho e Educação no Brasil), 2020.
Sociedade Civil e luta de classes em Gramsci, com Virgínia Fontes, Grupo de Pesquisa Historia e Poder, 2020.
Por que ler Gramsci hoje?, com Alvaro Bianchi, Daniela Mussi e Ruy Braga, TV Revista CULT, 2018.

“A importância da terra e da luta anticolonial para Gramsci“, por Rita Coitinho, Blog da Boitempo, nov. 2023.
“Gramsci e a relação entre governantes e governados“, por Luciana Aliaga, Blog da Boitempo, jan. 2023.
“Gramsci e o idealismo radicalmente crítico“, por Marcos Del Roio, Blog da Boitempo, jan. 2022.
“Pequeno glossário gramsciano“, por Alvaro Bianchi e Daniela Mussi, Revista Cult, abril 2021.
“Gramsci, um revolucionário de carne e osso“, por Lorenzo Alfano, Jacobin, jan. 2020.
“Gramsci: Cultura e revolução“, por Guido Liguori, Revista Cult, abril 2017.
“Um sardo no mundo grande e terrível“, por Alvaro Bianchi, Revista Cult, abril 2017.
A edição de conteúdo deste guia é de Isabella Meucci e as artes são de Victoria Lobo.


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