Guia de leitura | Estudos sobre Fausto | ADC#45

Estudos sobre Fausto
György Lukács
Guia de leitura / Armas da crítica #45
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Estudos sobre Fausto traz um conjunto de textos do filósofo húngaro György Lukács dedicados a Fausto, obra-prima de Johann Wolfgang von Goethe e um dos pontos culminantes da literatura humanista burguesa e da literatura alemã do século XIX.
A obra reúne o mais completo ensaio sobre Goethe e sua obra maior entre as diversas produções de Lukács sobre o tema, publicados em 1940. Os Estudos sobre Fausto assinalam, segundo Lukács, a configuração dramática da dialética indivíduo e sociedade como um dos grandes êxitos de Goethe, uma conquista poética sobredeterminada pelo desenvolvimento histórico alemão.
Além do livro, marcador e adesivo, nossos assinantes recebem o livreto “O que é Goethe para nós hoje?“, de György Lukács e pôster com arte de Nelson Cruz para O aprendiz de feiticeiro, de Goethe.
autor György Lukács
tradução Nélio Schneider
revisão da tradução Ronaldo Vielmi Fortes
apresentação Luiz Barros Montez
orelha Jorge de Almeida
edição Pedro Davoglio
coordenação de produção Livia Campos
assistência editorial Marcela Sayuri
preparação Mariana Echalar
capa Livia Viganó sobre projeto de David Amiel
diagramação Antonio Kehl e Livia Viganó
páginas 240


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Quem foi György Lukács?
György Lukács nasceu em Budapeste, Hungria, em 1885. Doutorou-se em ciências jurídicas e depois em filosofia pela Universidade de Budapeste. No fim de 1918, aderiu ao Partido Comunista e, no ano seguinte, foi designado vice-comissário do povo para a Cultura e a Educação Popular.
Em 1933, mudou-se para Moscou, onde desenvolveu intensa atividade intelectual. Em 1945, retornou à Hungria e assumiu a cátedra de Estética e Filosofia da Cultura na Universidade de Budapeste. Morreu em sua cidade natal, em 1971, em plena atividade e empenhado na organização de uma ação internacional de intelectuais para a libertação de Angela Davis.
Foi um dos mais influentes filósofos marxistas do século XX. Seus estudos no campo marxiano estiveram relacionados à estética e aos princípios humanizadores da atividade artística e literária, além da elaboração de uma ética marxista.
Dele, a Boitempo publicou Prolegômenos para uma ontologia do ser social (2010), O romance histórico (2011), Lênin e Para uma ontologia do ser social I (2012), Para uma ontologia do ser social II (2013), Reboquismo e dialética (2015), Marx e Engels como historiadores da literatura (2016), O jovem Hegel e os problemas da sociedade capitalista (2018) e Essenciais são os livros não escritos (2020), Goethe e seu tempo (2021), Estética: a peculiaridade do estético – Volume 1 (2023) e agora Ensaios sobre Fausto (2024).
“Com ímpeto polêmico, Lukács buscou ‘resgatar’ Goethe das habituais leituras nacionalistas e irracionalistas que glorificavam ‘de modo reacionário’ o grande poeta alemão.”
JORGE DE ALMEIDA


Lukács, Goethe e o fado da humanidade
Seduzido por Mefistófeles, o “espírito que nega sempre tudo”, Fausto oscila entre a reflexão e a ação, tornando-se um modelo da nova dialética entre indivíduo e sociedade e incorporando as contradições do intelectual burguês diante de um mundo em violenta transformação. Assim como na obra de Hegel, os movimentos concretos da sociedade adquirem representação “espiritual” nos desdobramentos desse embate. Ao expor o destino trágico de um homem particular, “o conteúdo do poema constitui o fado da humanidade inteira”.
O entusiasmo ambíguo de Goethe com a revolução leva o poeta a perceber, segundo Lukács, “que a contradição é o centro da vida e do conhecimento”. Os dilemas de Fausto demonstram que o “caráter diabólico do progresso”, sob a forma capitalista, gera ao mesmo tempo as condições para “o genuíno campo da práxis humana”. Essa ideia, que antecipa Marx, é exposta nos três apêndices incluídos em Estudos sobre Fausto: “Marx e Goethe”, “O nosso Goethe” e “Goethe e a dialética”. Ao recuperar o conteúdo histórico e político das tragédias de Goethe, Lukács mostra que, embora “as contradições complexas sejam objetivamente insolúveis”, as grandes obras literárias ainda podem iluminar os caminhos da necessária esperança.
Jorge de Almeida
Professor do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP.
“Até o fim de sua vida, Lukács considerou o resgate crítico do passado literário burguês uma tarefa ética irrenunciável, em sua busca ascética por valores humanistas fundamentais e essenciais. A publicação dos Estudos sobre Fausto traz à luz um dos momentos mais luminosos de sua trajetória crítico-filosófica.“
LUIZ MONTEZ
na apresentação de Estudos sobre Fausto


Estudos sobre Fausto
Púchkin chama Fausto de Ilíada da vida moderna. É uma expressão excelente, que, para ser corretamente concretizada, carece apenas da ênfase na palavra “moderna”. Porque na vida da atualidade não é mais possível fazer como na Antiguidade, a saber, desenvolver diretamente a partir do homem todas as determinações do pensamento e da configuração poética.
A profundidade intelectual, a totalidade das categorias sócio-humanas e a perfeição artística não são mais unidas por meio da evidência ingênua, mas encontram-se em disputa acirrada entre si. A unificação goethiana dessas tendências conflitantes fez surgir uma obra única na acepção mais verdadeira do termo. O próprio Goethe a chama de “produção incomensurável”. O que se faz é configurar o destino de um homem em particular e, não obstante, o conteúdo do poema constitui o fado da humanidade inteira.
[ESTUDOS SOBRE FAUSTO, p. 41]
“Goethe é uma ponte viva, o órgão de transição pessoal da ideologia do século XVIII para o século XIX.“
GYÖRGY LUKÁCS
[ESTUDOS SOBRE FAUSTO, p. 60]


O drama do gênero humano
Diante da proposição de uma tragédia no Fausto, juntam-se a “comédia divina” e a “comédia humana” – apesar de todos os antagonismos secularmente condicionados. Pois a odisseia de Fausto da perdição à salvação pretende ser, assim como está, uma abreviação do desenvolvimento da própria humanidade, sem suprimir nesse processo a individualidade, a concretude histórica e humana do herói, sem volatilizar as etapas singulares de seu percurso em uma universalidade intelectualmente abstrata.
Essa concepção destaca o Fausto da série de outras grandes obras-primas épicas e dramáticas e faz dele uma “produção incomensurável”. Porém – de modo aparentemente paradoxal, mas de fato bastante natural –, só a partir daqui chegamos à compreensão dos nexos ocultos de sua composição, só a partir daqui logramos pôr a descoberto as raízes históricas da poesia.
[ESTUDOS SOBRE FAUSTO, p. 62]
E o que a toda a humanidade é doado,
Quero gozá-lo no próprio Eu, a fundo,
Com a alma lhe colher o mais vil e o mais perfeito,
Juntar-lhe a dor e o bem-estar no peito,
E, destarte, ao seu Ser ampliar meu próprio Ser,
E com ela, afinal, também eu perecer
Fausto I


Fausto e Mefistófeles
A luta pelo núcleo interior do homem é o objeto da ação propriamente dita do Fausto, cujo quadro histórico-social esboçamos até agora. Essa luta se concentra no duelo entre Fausto e Mefistófeles. Qual é seu objeto? Quais são suas etapas principais? […]
Muito mais importante é determinar seu raio de ação, seu campo de força. Seu objetivo, como na saga, é conquistar a alma de Fausto. Porém, na execução concreta, mostra-se como é profundo o afastamento ideológico de Goethe em relação à saga. […]
Em Goethe, o duelo passa a ser totalmente interior. Mefistófeles só tem poder na medida em que sua essência constitui um fator do desenvolvimento histórico-psíquico do próprio Fausto. E a grande realização poética de Goethe consiste justamente em que, apesar disso, Mefistófeles não se converte em um simples componente da interioridade de Fausto, mas torna-se um personagem com um perfil bem delineado e autônomo.
[ESTUDOS SOBRE FAUSTO, p. 82-83]
Se eu me estirar jamais num leito de lazer,
Acabe-se comigo, já!
Se me lograres com deleite,
E adulação falsa e sonora,
Para que o próprio Eu preze e aceite:
Seja-me aquela a última hora!
Aposto! E tu?
Fausto I


A tragédia de Gretchen
A tragédia de Gretchen une as duas sequências de motivos no patamar mais elevado próprio de Goethe: Fausto ama Gretchen até o fim e, ao mesmo tempo, é-lhe interiormente infiel – tanto mais quanto mais aumenta sua paixão –, na medida em que os momentos de seu desenvolvimento levam a transcendê-la, na medida em que eles ficam mais fortes com a intensificação de sua paixão e com a sua realização. E Gretchen não só sacrifica honra e existência, a mãe e o irmão por seu amor mas – na cena do cárcere –, apesar de toda a atração ardente por Fausto enquanto amante e redentor que realmente aparece na hora da maior aflição, ela sente simultaneamente o fim do amor dele […]
Nesse alto e baixo trágico de onipotente atração mútua e seus abismos intransponíveis a separá-los, nesse desenvolvimento psíquico-espiritual do amor, entra em cena, dilacerando-o, Mefistófeles, que pressiona por um desfecho da salvação imanente e prática de Gretchen. Aqui Gretchen toma sua decisão definitiva: ela não quer ser salva por um Fausto que não pode dispensar Mefistófeles.
[ESTUDOS SOBRE FAUSTO, p. 116]
Teu amor, onde
Se esconde?
Roubou-mo quem?
[…]
E julgo ter de impor-me a ti,
Que me repeles, para trás;
E és tu, contudo, e tão bom és, tão brando
Fausto I


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Questões de estilo
Não está correto falar de uma força criativa declinante de Goethe na segunda parte do Fausto ou mesmo derivar disso toda a sua peculiaridade. Porém, é inquestionável que a segunda parte possui um caráter bem mais problemático. Essa problemática, à qual já se aludiu, reside na concepção, reside na relação paradoxal-dissonante entre matéria vital e estilo poético.
Mesmo que Goethe não esteja propenso a trilhar o caminho da retórica, uma tipificação decorativa, uma pintura decorativa do pano de fundo com palavras é imprescindível. A generidade como tema e elemento estilístico centrais muitas vezes exige transições que, vistas da perspectiva do humano individual, necessariamente têm um efeito brusco e abstrato, sendo impossível que Goethe pudesse sempre ser bem-sucedido em sua concretização humana completa. […]
Todas essas dissonâncias mostram que a segunda parte do Fausto realmente é o fechamento de uma grande época. Muitos chamam seu modo de representação “estilo da velhice”. Com relativa razão. Porém, trata-se mais da velhice de um mundo do que da de um homem. Trata-se da última realização artística plena do que não se pode realizar plenamente. Na alta arte, é a autossuperação do “período da arte”. É realmente uma “produção incomensurável”.
[ESTUDOS SOBRE FAUSTO, p. 146]
“O Fausto é uma produção ‘incomensurável’ também esteticamente. Ele não é dramático nem épico, embora reúna em si as qualidades mais elevadas dos dois gêneros.”
GYÖRGY LUKÁCS
[ESTUDOS SOBRE FAUSTO, p. 60]


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Marx e Goethe
Na minha Estética, a grande arte foi denominada a memória da humanidade de seu caminho. Sem generalizar a questão teoricamente até esse ponto, Marx, que aliás tentou apreender historicamente, sobretudo nesse campo, o modo específico de surgimento dessa ideologia mediante a suposição de um desenvolvimento desigual, tentou aclarar fenômenos individuais também nesse sentido. […]
Para Marx, a influência de Homero, que se estende até o presente, baseia-se no fato de ele ter encontrado uma expressão adequada para a essência da “infância normal” da humanidade. Acredito – com Marx – que essa infância também desperte um interesse atual, porque a realização da generidade da humanidade consiste em um complexo de problemas, cuja solução até abriga muita coisa aparentemente fracassada como elemento do próprio desenvolvimento: que o “reino da liberdade” é um produto da história da autoatividade dos homens, do mesmo modo que vivenciamos isso ininterruptamente no tocante ao “reino da necessidade”. Se esse desenvolvimento não pudesse aprofundar-se e expandir-se para se tornar um fator subjetivo do “reino da liberdade”, este permaneceria uma utopia abstrata.
[ESTUDOS SOBRE FAUSTO, p. 157-158]
“Acredito que não só esteja no caminho certo para chegar à compreensão de Goethe, mas também que busquei isso por uma via demarcada por Marx, na medida em que vejo Goethe como um daqueles ideólogos que identificaram e trouxeram à consciência uma determinada etapa do desenvolvimento do gênero humano em suas determinações essenciais e normais.“
GYÖRGY LUKÁCS
[ESTUDOS SOBRE FAUSTO, p. 158]


Leituras complementares
Baixe os conteúdos complementares do mês em PDF!
Este mês trazemos um capítulo de Goethe e seu tempo, no qual Lukács comenta outra obra de Goethe: Os sofrimentos do jovem Werther. Além disso, também há um capítulo de Lukács, uma introdução, de José Paulo Netto e outro de Estética da resistência, de Arlenice Almeida.
Clique nos botões vermelhos abaixo para fazer o download!
György Lukács
Os sofrimentos do jovem Werther
José Paulo Netto
A recusa do mundo burguês
Arlenice Almeida
Historicidade da obra: a novidade atemporal

Vídeos
Este mês trazemos o lançamento antecipado do livro com Carolina Peters, Luiz Montez, Ronaldo Vielmi Fortes, mediação de Claudinei Rezende, além de três cursos completos sobre o autor da caixa do mês: Intodução a Lukács, com José Paulo Netto; Introdução ao jovem Lukács, com Arlenice Almeida e o Curso Livre Lukács, com dez aulas com grandes especialistas.

Para aprofundar…
Compilação de textos, podcasts e vídeos que dialogam com a obra do mês.

Lukács, uma introdução, de José Paulo Netto
Estética: a peculiaridade do estético – Volume 1, de György Lukács
O romance histórico, de György Lukács
Reboquismo e dialética, de György Lukács
Marx e Engels como historiadores da literatura, de György Lukács
O jovem Hegel, de György Lukács
Para uma ontologia do ser social I e II, de György Lukács
Essenciais são os livros não escritos, de György Lukács
Prolegômenos para uma ontologia do ser social, de György Lukács
Estética da resistência: a autonomia da arte no jovem Lukács, de Arlenice Almeida da Silva
O aprendiz de feiticeiro, de Johann Wolfgang von Goethe

Rádio Boitempo: Acervo Boitempo #11: O marxismo de Lukács, com Ana Cotrim, out. 2023.
20 minutos: Quem foi György Lukács?, com José Paulo Netto, set. 2023.
Ontocast: O Realismo Literário de György Lukács (parte 1), com Gabriel Carvalho, Ohana Meira e Anas Cotrim, nov. 2020.
Ontocast: O Realismo Literário de György Lukács (parte 2), com Gabriel Carvalho, Ohana Meira e Ana Cotrim, nov. 2020.
Ontocast: #19 – A Estética de György Lukács, com Elton Costa, Hian Sousa e Ranieri Carli, out. 2020.
Kátharsis Podcast: #3 – As ideias estéticas de Marx e Engels, com Bruno Bianchi, abril 2021.

A atualidade de György Lukács, seminário com José Paulo Netto, Antonio Carlos Mazzeo, Anderson Deo, Arlenice Almeida, Claudinei de Rezende, Jorge Almeida e Miguel Vedda, TV Boitempo.
Por que ler Lukács?, com José Paulo Netto, TV Boitempo.
Uma introdução a Lukács, com José Paulo Netto, TV Boitempo.
As últimas entrevistas, com Ester Vaisman e Ronaldo Vielmi Fortes, TV Boitempo.
O Goethe de Lukács, com Miguel Vedda, TV Boitempo.
O marxismo de Lukács, com Ana Cotrim, TV Boitempo.
As últimas entrevistas de Lukács, com Ester Vaisman e Ronaldo Vielmi Fortes, TV Boitempo.

“Como começar a ler Lukács?“, por Ronaldo Vielmi Fortes, Blog da Boitempo, 2024.
“Lukács, Goethe e o fado da humanidade inteira“, por Jorge de Almeida, Blog da Boitempo, 2024.
“A lenda de Fausto: de Chapolin a Lukács“, Blog da Boitempo, 2024.
“Um retrato fiel e respeitoso da vida e da obra de Lukács“, por João Leonardo Medeiros, Blog da Boitempo, 2023.
“O lirismo em György Lukács“, por Arlenice Almeida da Silva, A Terra é redonda, 2021.
“As últimas entrevistas de Lukács“, por Anderson Deo, Blog da Boitempo, 2020.
“Lukács e o papel da arte na dinâmica de autoconstrução humana“, por Ester Vaisman, Blog da Boitempo, 2023.
A edição de conteúdo deste guia é de Isabella Meucci e as artes são de Mateus Rodrigues.


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