Guia de leitura | África Vermelha | ADC#55

África Vermelha: resgatando a política negra revolucionária
Kevin Ochieng Okoth
Guia de leitura / Armas da crítica #55
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Qual o caminho para a emancipação dos povos — não brancos — do Sul global? Em África Vermelha: resgatando a política negra revolucionária, o pesquisador Kevin Ochieng Okoth propõe uma análise rigorosa das experiências de emancipação do século XX, e sustenta que as discussões contemporâneas sobre radicalismo negro perderam de vista as principais preocupações dos militantes e intelectuais de então.
Em uma crítica contundente das abordagens teóricas hoje predominantes — como o afropessimismo e a decolonialidade — que, segundo ele, descartam a crítica da economia política e reduzem o marxismo a uma ciência eurocêntrica e obsoleta, o autor propõe um resgate da tradição intelectual marxista anticolonial que inspirou os movimentos de libertação africanos como chave para pensar o presente e construir o futuro.
Além do livro em edição física e versão e-book, os assinantes do Armas da Crítica de maio de 2025 receberão um cartaz em formato A3, com arte de Mateus Rodrigues, além de adesivo e marcador de páginas.
autor Kevin Ochieng Okoth
prefácio à edição brasileira Kevin Ochieng Okoth
tradução Heci Regina Candiani
orelha Marcos Queiroz
edição Pedro Davoglio
coordenação editorial Thais Rimkus
coordenação de produção Juliana Brandt
assistência editorial Marcela Sayuri
assistência de produção Livia Viganó
preparação Mariana Echalar
revisão Clara Altenfelder
capa Mateus Rodrigues
diagramação Antonio Kehl
páginas 192


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Quem é
Kevin Ochieg Okoth?
Kevin Ochieg Okoth é escritor e pesquisador. Vive em Londres, onde integra o coletivo editorial Salvage, e colabora regularmente com a London Review of Books. É mestre em teoria política pela Universidade de Oxford e estuda temas relacionados ao anti-imperialismo e aos movimentos anticoloniais. É um dos editores fundadores da revista Nommo.
O real sentido de uma política negra revolucionária
O século XX foi celeiro da práxis revolucionária anticolonial, em que as lutas por libertação africana se associavam ao antirracismo nas Américas e às reivindicações de soberania política de outros povos ao redor do mundo. No entanto, a repressão sistematizada pelas potências ocidentais, o assassinato de lideranças, a capitulação de políticos do Sul global e a emergência da ordem neoliberal enterraram o sopro transformador vindo da Conferência de Bandung em 1955. Para concretizar sua vitória, a lógica neocolonial do capital silenciou essa tradição rebelde, seja pelo apagamento das suas bases marxistas, seja pela bajulação da descolonização de gabinete, descolada do destino das maiorias planetárias.
Para enfrentar o rebaixamento teórico e estratégico, Kevin Okoth resgata a tradição socialista e comunista da libertação nacional africana. Amílcar Cabral, Andrée Blouin, Mario Pinto de Andrade, Maryse Condé, Eduardo Mondlane e outros formam um legado afromarxista que nos ajuda a lidar com os becos sem saída contemporâneos, em especial quando a crítica anticolonial é reduzida a reflexões solipsistas, atrativas a um mercado editorial mais preocupado com os lucros da “pedagogia branca” do que com a destruição dos fundamentos racistas do capitalismo.
Marcos Queiroz
Membro do Instituo Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP)


“Num momento em que o antirracismo se encontra em uma encruzilhada entre sua acomodação liberal e a perseguição aberta do fascismo, o passado-presente da África Vermelha ilumina os reais sentidos da política revolucionária negra — e por que ela ainda é e deve ser temida pelo imperialismo. “
MARCOS QUEIROZ
Resgatar a história revolucionária da luta antirracista
Acredito que as histórias de resistência anticolonial ainda têm muito a nos ensinar.
Há muito valor a ser encontrado, por exemplo, na perspectiva ecológica anticolonial de Amílcar Cabral; na defesa inabalável do marxismo como ideologia do Terceiro Mundo por Walter Rodney; na advertência de Andrée Blouin de que a libertação nacional não precisa estar vinculada às ideias estreitas de Estado-nação e à sua inclinação masculinista; ou na insistência de Eduardo Mondlane de que “raça” e racialização devem ser estudadas em relação a contextos históricos e sociais específicos.
À medida que a luta contra o imperialismo se intensifica — e enquanto testemunhamos as formas mais graves de violência imperialista no genocídio de palestinos por Israel em Gaza — devemos nos lembrar e nos inspirar nos movimentos anticoloniais e de libertação nacional que idealizaram um mundo mais justo.”
[ÁFRICA VERMELHA, p. 18]


O retorno do afropessimismo
Por décadas o afropessimismo se referiu à cobertura negativa dada à África nos meios de comunicação ocidentais, em especial às reportagens sobre o desenvolvimento interrompido da região. O novo afropessimismo (designado no livro como AP 2.0) não tem nada a ver com as espinhosas questões relativas à política africana pós-colonial.
O AP 2.0 é um discurso altamente teórico que tenta dar sentido à violência e à discriminação persistentes contra as pessoas negras, apesar das conquistas da Era dos Direitos Civis.
Para o AP 2.0, o racismo antinegro não é histórico ou contingente; em outras palavras, não pode ser superado com respostas às preocupações das pessoas negras na esfera política. Esse discurso, supostamente radical, impossibilita a ideia de uma política que nos permita transformar as relações sociais e imaginar um mundo diferente, um mundo melhor. Portanto, o que está em jogo no debate é a própria possibilidade de uma política revolucionária negra.
[ÁFRICA VERMELHA, p. 20 e 22-23]
“Havia também a questão do apagamento de uma tradição política do marxismo da libertação nacional que produziu parte do pensamento político mais radical do século XX.”
KEVIN OCHIENG OKOTH


Olhar para o passado e imaginar o futuro
A expressão “África Vermelha” é usada para distinguir uma tradição revolucionária anticolonial da política reformista do socialismo africano. Enquanto os socialistas africanos tentavam se distanciar do marxismo e defendiam um socialismo de “terceira via”, enraizado na “cultura africana tradicional”, a tradição intelectual e política discutida aqui mostrava que o marxismo e o radicalismo
negro não eram incompatíveis.
“África Vermelha” designa uma tradição cujo ativismo vislumbrava um futuro pós-colonial diferente daquele que veio a se concretizar.
Espero mostrar que as políticas da África Vermelha não se esgotaram e que futuros anticoloniais ainda podem ser imaginados.
[ÁFRICA VERMELHA, p. 25]
“Ainda podemos construir algo novo a partir desse pensamento político, algo que se apegue à promessa utópica de liberdade e se recuse a desistir.”
KEVIN OCHIENG OKOTH


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Um espectro ronda o Sul global…
Em abril de 1955, representantes de 29 países asiáticos e africanos se reuniram em Bandung, na Indonésia, para a primeira Conferência Afro-Asiática.
A Conferência de Bandung foi mais do que apenas uma celebração da recém-conquistada independência da Indonésia. Pela primeira vez, nações do Sul global puderam se reunir e discutir visões em comum de uma ordem mundial pós-imperial sem a interferência do Ocidente.
O “espírito de Bandung”, que expressava um sentimento de solidariedade entre o Terceiro Mundo e um dever de apoio mútuo, preparou o terreno para uma união cada vez mais estreita entre as nações africanas e asiáticas. E embora as conclusões políticas anunciadas no comunicado da conferência fossem vagas, Bandung inscreveu a ideia de Terceiro Mundo no imaginário político global.
[ÁFRICA VERMELHA, p. 27-28]
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Terceiro mundo na mira do neoliberalismo
A ascensão do Terceiro Mundo coincidiu com o florescimento do pan-africanismo e da política internacionalista negra. A Conferência dos Povos Africanos, realizada em Acra (Gana) em dezembro de 1958, estava em consonância com o espírito de Bandung, mas sua agenda se dirigia diretamente às preocupações do ativismo anticolonial e negro da África e de sua diáspora.
Em 1975, porém, a era de Bandung chegava ao fim. Washington passou a “promover” — inclusive através de golpes de Estado — a implementação da doutrina econômica neoliberal em todo o Sul global. A economia das nações mais pobres foi reestruturada de acordo com os ditames das instituições “internacionais” controladas pelos Estados Unidos, como o FMI e o Banco Mundial.
O triunfo do neoliberalismo sinalizou também o
fim de um período frutífero do internacionalismo negro.
[ÁFRICA VERMELHA, p. 30-34]


4 propostas para o anti-imperialismo
no século XXI
Para estabelecer uma nova forma de política anti-imperialista, Kevin Okoth propõe:
1) reavaliar as vitórias e os fracassos do marxismo da libertação nacional;
2) retornar à crítica da economia política para determinar como as nações mais pobres do Sul global podem superar sua integração periférica na economia mundial capitalista;
3) resistir à tentação de nos refugiar em
um particularismo romântico; ao contrário, devemos abraçar o materialismo histórico como um método para compreender melhor como o capitalismo governa por meio da hierarquia e da diferença;
4) criar novamente solidariedades anti-imperialistas cruciais entre as lutas revolucionárias do Norte e do Sul globais.
[ÁFRICA VERMELHA, p. 46]
“Existe uma tradição do pensamento marxista que leva a sério o papel exercido pela raça na estruturação do mundo moderno e que reconhece que tanto o comércio escravista transatlântico como o racismo foram centrais para o desenvolvimento do capitalismo.”
KEVIN OCHIENG OKOTH


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Marxismo negro e novas análises sobre o desenvolvimento capitalista
O primeiro uso da expressão “capitalismo racial” se dá em um panfleto de 1976, escrito pelos marxistas sul-africanos Martin Legassick e David Hemson.
No fim da década de 1970, a posição oficial da Organização Internacional do Trabalho (OIT) era a de que existia um conflito entre o objetivo do crescimento econômico e a política de apartheid, e que o primeiro acabaria por minar e abolir a segunda. De acordo com a OIT, não havia necessidade de uma luta antirracista de massa — o próprio capital faria o trabalho necessário.
Legassick e Hemson discordavam. Eles mostraram que o racismo na África do Sul havia se intensificado à medida que a economia capitalista do país se tornava mais avançada.
O racismo do apartheid, portanto, não era um preconceito pré-moderno alheio ao capitalismo; era parte fundamental da lógica de acumulação do capital no país.
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Para Cedric J. Robinson, autor de Marxismo negro (1983), o caso da África do Sul não era uma exceção, mas a regra; todo capitalismo, argumentou ele, era racial.
Ao enfatizar o caráter combinado e desigual do desenvolvimento — ou, dito de outra forma, a coexistência de formas sociais, culturais e econômicas arcaicas e contemporâneas em uma formação social —, ele queria mostrar que o capitalismo tendia a preservar hierarquias arcaicas, em vez de erradicá-las.
O valor da obra de Robinson reside na capacidade de desvelar historicamente a relação contingente entre negritude e escravidão. Em Marxismo negro, a supremacia branca se mascara de lógica econômica, que, por sua vez, organiza a hierarquia racial, tendo em seu centro o trabalho racializado nas grandes propriedades monocultoras
[ÁFRICA VERMELHA, p. 81-82]


“Como força material, portanto, era esperado que o racismo permearia inevitavelmente as estruturas sociais emergentes do capitalismo.”
CEDRIC ROBINSON
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Por um Fanon revolucionário!
Embora a maior parte dos estudos sobre Frantz Fanon nos ajude a compreender melhor essa figura complexa que morreu jovem demais — ele sucumbiu à leucemia quando tinha apenas 36 anos —, os estudos fanonianos também deram origem a algumas interpretações estranhas, ou melhor, erradas de sua obra.
Há, por exemplo, a afirmação absurda do AP 2.0 de que devemos estabelecer uma clara distinção entre o Fanon pensador da negritude e o Fanon pós-colonial, ou que apenas o primeiro é o verdadeiro e, portanto, devemos ignorar seus escritos anticoloniais posteriores.
Em um ensaio de 1993, “A apropriação de Frantz Fanon“, Cedric J. Robinson já lamentava a utilização pequeno-burguesa de Fanon para justificar projetos intelectuais “pós ou antirrevolucionários”. Esses acadêmicos, leem de maneira seletiva partes das primeiras obras de Fanon, desconsideram seus escritos posteriores e ignoram completamente sua biografia.
Ao jovem Fanon, destacado e isolado de qualquer outro pensamento anticolonial, foi concedido um lugar confortável na torre de marfim.
[ÁFRICA VERMELHA, p. 123, 127-128 e 130]


“Fanon dedicou a maior parte de seus últimos anos à causa argelina. Para ele, era o início de um projeto universal de libertação dos povos colonizados que lhes permitiria passar por um processo de ‘desalienação‘ para que finalmente fossem livres.
A independência, esperava ele, produziria as condições mentais e materiais para a emergência de um novo sujeito descolonizado. Mas Fanon nunca chegou a testemunhar o resultado da guerra de libertação (que não foi exatamente o que ele esperava).”
[ÁFRICA VERMELHA, p. 135]
“Este livro serve como um lembrete de que nossas lutas estão sempre interligadas e que qualquer movimento socialista ou antifascista no centro imperialista deve tornar a libertação dos oprimidos no Sul global parte fundamental de seu projeto político.”
KEVIN OCHIENG OKOTH


Leituras complementares
Baixe os conteúdos complementares do mês em PDF!
Este mês trazemos o prefácio de Deivison Faustino aos Escritos políticos de Frantz Fanon; um discurso de Angela Davis, publicado em O sentido da liberdade, sobre as lutas antirracistas do século XX; além de um capítulo de Raça, nação, classe: as identidades ambíguas, em que Étienne Balibar comenta a formação das ideologias nacionais e a noção de etnicidade.
Clique nos botões vermelhos abaixo para fazer o download!
Deivison Faustino
A política dos “escritos políticos” de Frantz Fanon
Angela Davis
Relato do Harlem
Étienne Balibar
A forma nação: história e ideologia

Vídeos
Este mês trazemos o lançamento antecipado do livro com Matheus Gato de Jesus, Rosane Borges e Marcos Queiroz; um vídeo inédito em que Douglas Barros discute a importância de África Vermelha, apresentando em primeira mão aos assinantes do Armas da Crítica os principais argumentos do livro; o debate “O que pensava Marx sobre raça, gênero e colonialismo?”, com Michael Löwy, Jones Manoel e Gabrielle Nascimento; além da playlist Marx nas margens, em que Kevin B. Anderson explora temas pouco abordados na obra do filósofo alemão.

Para aprofundar…
Compilação de textos, podcasts e vídeos que dialogam com a obra do mês.

Como a Europa subdesenvolveu a África, de Walter Rodney
Escritos políticos, de Frantz Fanon
Raça, nação, classe: as identidades ambíguas, de Étienne Balibar e Immanuel Wallerstein
O essencial de Marx e Engels, organizado por Marcello Musto
A guerra civil dos Estados Unidos, de Karl Marx e Friedrich Engels
O sentido da liberdade, de Angela Davis
O que é identitarismo?, de Douglas Barros
Colonialismo e luta anticolonial: desafios da revolução no século XXI, de Domenico Losurdo
Marx nas margens: nacionalismo, etnias e sociedades não ocidentais, de Kevin B. Anderson
Margem esquerda #27 | Marxismo e questão racial

Rádio Boitempo: Conversas camaradas #12: Luta anticolonial e democracia, com Juliana Borges e Walter Lippold, nov. 2023.
Rádio Boitempo: Megafone #6: Deivison Faustino lê O CAPITAL, de Karl Marx, com Deivison Faustino, nov. 2022.
Rádio Boitempo: Coleção Marx-Engels #6: A GUERRA CIVIL DOS ESTADOS UNIDOS, com Agnus Lauriano, dez. 2023.
Novara FM: In search of Red Africa [em inglês], com Kevin Okoth, nov. 2023.
London Review Bookshop: The Rebel’s Clinic [sobre as ideias psicanalíticas e trajetória biográfico-política de Frantz Fanon, em inglês], com Adam Shatz e Kevin Okoth, nov. 2023.

Capitalismo e racismo: uma análise estrutural, com Douglas Barros, TV Boitempo.
Os comunistas e a revolução anticolonial mundial, com Domenico Losurdo, TV Boitempo.
O marxismo é eurocêntrico?, com Jones Manoel, TV Boitempo.
Como a Europa subdesenvolveu a África, com Douglas Rodrigues Barros, Marjorie Chaves e Matheus Gato, TV Boitempo.
Imigração, racismo e resistência, com Angela Davis, TV Boitempo.
Playlist: Introdução ao pensamento feminista negro, com Raquel Barreto, Rosane Borges, Juliana Borges, Evilânia Santos, Stephanie Borges e Nubia Regina Moreira, TV Boitempo.

“Nem afropessimismo, nem decolonialismo“, por Douglas Barros, Blog da Boitempo, mai. 2025.
“Resgatar história da política negra revolucionária: 4 pensadores que você precisa conhecer“, por Blog da Boitempo, mai. 2025.
“O real sentido da política revolucionária negra“, por Marcos Queiroz, Blog da Boitempo, abr. 2025.
“Tomar para si a própria história: os escritos políticos de Fanon“, por Talíria Petrone, Blog da Boitempo, jun. 2021.
“O lugar de Marx e Engels na modernidade: raça, colonialismo e eurocentrismo“, por Jones Manoel, Blog da Boitempo, jul. 2020.
“Marx das margens ao centro“, por Marcelo Guimarães Lima, Blog da Boitempo, jun. 2020.
“The Actuality of Red Africa” [em inglês], por Vijay Prashad e Mikaela Nhondo Erskog, Monthly Review, jun. 2024.
A edição de conteúdo deste guia é de Carolina Peters e as artes são de Mateus Rodrigues.


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