O que esperar da COP 30?
Indígenas na Área Verde (Green Zone), espaço aberto ao público, da COP30. A programação principal do evento e tomada de decisões ocorre na Blue Zone, área restrita a credenciados. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil
Por Eduardo Sá Barreto
O que esperar da COP 30, que começou na segunda-feira, 10 de novembro, em Belém do Pará? A resposta curta é: nada.
No entanto, a resposta curta corre o risco de parecer controversa. Em parte, isso talvez se deva ao fato de haver um esforço variado de crítica que, ao mesmo tempo que aponta lacunas e fragilidades evidentes a cada nova edição da Conferência das Partes, não deixa também de supor (nem sempre de maneira velada) que as coisas poderiam ser diferentes. Para quem conserva a expectativa de que eventualmente alguma COP enfim entregará o que não tem sido entregue nem mesmo na forma de promessas, vaticinar a inevitável impotência deste evento certamente parecerá absurdo.
Para que não reste dúvidas, a crítica do óbvio é, em geral, pertinente. Realmente, uma baixa presença de chefes de Estado é sintoma do desprestígio desta edição e mina as pretensões de resultados expressivos, mesmo no campo estritamente performático/diplomático. A participação cada vez maior e mais explícita dos representantes do capital fóssil revela a garantia de sabotagem de qualquer ambição descarbonizante. Também é uma incoerência política insolúvel que o governo brasileiro faça um chamado à ampliação dos esforços ao mesmo tempo que patrocina a abertura de novas frentes de exploração de petróleo. Além disso, as Partes estão distantes do cumprimento de suas próprias promessas. Tudo isso é verdade, mas quem cata pulgas deixa passar os elefantes. E embora essas sejam pulgas grandes e incômodas, vejamos os elefantes.
Tanto o discurso de abertura do Presidente Lula quanto o documento intitulado Chamado de Belém pelo clima mencionam um certo papel inaugural da Cúpula da Terra (ocorrida no Rio de Janeiro, em 1992) nos esforços globais de política climática. O legado da cúpula, afirma-se no documento, teria sido demonstrar a possibilidade de encontrar soluções pela negociação. Claro! Como discordar? Assim, em abstrato, é ponto pacífico. Mas olhemos com um pouco mais de cuidado. Apoiando-se na proposição anterior, segue o documento: “Avançamos, mas não o bastante”. Não há dúvida de que, fora do negacionismo mais aguerrido, esse lamento ressoa no senso comum: avanço insuficiente! Mas avançamos mesmo?
Se quisermos tentar responder generosamente, poderíamos lembrar da expansão de políticas de estímulo aos ganhos de eficiência energética, visando uma contenção no consumo de energia. Poderíamos lembrar da expansão de políticas de estímulo às fontes renováveis, visando uma matriz energética de menor intensidade em emissões. Os dois conjuntos de políticas existiram e foram exitosos, contribuindo para ganhos expressivos tanto de eficiência energética quanto de oferta primária de energia a partir de fontes renováveis. Foram, contudo, vitórias de Pirro, porque o consumo de energia continuou crescendo fortemente, assim como a escala do consumo de combustíveis fósseis. Não avançamos.
Ainda na veia generosa, poderíamos lembrar que nesse período, importantes protocolos e acordos foram redigidos, sendo os de Quioto e Paris os mais emblemáticos e conhecidos. Reduções sustentadas nos níveis globais de emissões de gases de efeito estufa foram recomendadas, projetadas e acordadas. Anualmente, a diplomacia mundial se reúne em algum canto do mundo e as revisa, reafirma e, por vezes, as aumenta. No entanto, quase metade de todo o volume de emissões dos últimos 175 anos aconteceu após 1990!1 As emissões globais de gases de efeito estufa em 2023 foram 44% maiores que as de 1992. Talvez mais impactante que isso, consideradas todas as fontes de emissão antrópicas, o nível de emissões cresceu em quase todos os anos desde então. As exceções foram 2012, com as crises da dívida em várias nações europeias, e 2020, o primeiro ano da pandemia de covid-19.
Em outras palavras, dizer que não avançamos é dizer pouco. Foram poucas promessas diante de tudo que era necessário, e embora muito tenha sido feito, ficou-se bastante aquém do prometido. E o que se fez não foi sequer capaz de interromper nossa caminhada a passos largos na direção errada.
Acelerar a luta contra o aquecimento global, conforme propõe o Chamado de Belém, é obviamente imperativo. Como não poderia deixar de ser, contudo, o chamado (feito no documento e enfatizado pelos discursos de Lula e do presidente da COP30, André Corrêa do Lago) nos convoca a uma forma de luta que, embora proporcione possibilidades de pequenas vitórias aqui e acolá, castra pela raiz qualquer capacidade de intervenção realmente transformadora. Dobra-se a aposta no multilateralismo, palavra simpática, mas que esconde uma diplomacia climática subordinada a interesses econômicos. Dobra-se a aposta na cantilena da transição justa, como se fosse plausível supor que as grandes potências econômicas, políticas e militares do mundo fossem absorver voluntariamente a maior porção dos sacrifícios que seriam exigidos na suposta aceleração da luta. Dobra-se a aposta numa refundação pacífica dos padrões de governança global, em que nações formalmente independentes (inclusive aquelas com privilégios imperialistas) cederiam parte de sua soberania em favor da tal luta.
Em suma, o samba da COP é de uma nota só e não pode ser outro, porque ele representa o limite do que é possível enunciar em voz alta no capitalismo. A gravidade do contexto de colapso climático se impõe e a política da ordem se vê obrigada a mirar o mais alto que a política institucional pode pretender alcançar: a concertação global, a união de esforços em prol de um objetivo comum. O objetivo comum que realmente se impõe, no entanto, é o de mudar o que for possível mudar sem balançar demais os alicerces do sistema.
Não haverá concertação pelo decrescimento (muito menos um que contemple responsabilidades históricas diferenciadas); não haverá concertação pela contenção (muito menos pela aniquilação) do capital fóssil; não haverá concertação pela abertura de fronteiras ou pela relocalização de populações de regiões vulneráveis ou tornadas inabitáveis; não haverá concertação pela desconcentração urbana ou pela desglobalização da produção e do consumo.
Enfim, conforme venho afirmando em outros espaços, à medida que as condições climáticas desmoronam — e, com elas, condições básicas de suporte à vida e à vida em sociedade —, cada vez mais nações, classes, comunidades, organizações, pessoas serão levadas a situações de tudo ou nada. Num mundo em colapso, o que tende a acontecer é a multiplicação dos conflitos; é o aumento da frequência, abrangência e intensidade dos choques, não o apogeu da harmonia de interesses e de uma articulação eficaz, planejada, voluntária e pacífica de esforços.
Nesse quadro, a COP tende a cada vez mais aparecer como aquilo que ela realmente é: um teatro anacrônico. Como um espaço onde impera o cinismo, é verdade. Mas, além disso, como um espaço onde justas, legítimas e sinceras intenções frequentemente vão para morrer.
Disputar os rumos da COP? Não. Os rumos da COP são crônica e estruturalmente indisputáveis para a direção realmente necessária. Abandonar a COP? Não necessariamente. Não deixa de ser possível disputar na COP essas consciências sinceras, porque ali abundam evidências para que elas compreendam na prática que aquilo que almejam se encontra do lado de lá de um processo de ruptura revolucionária com a sociedade atual. O esverdeamento dos radicais é um processo já em curso. É imperioso radicalizar os verdes. Para tomarmos o que precisa ser salvo e para tomarmos o que pode nos salvar.
Notas
- IPCC. AR6 synthesis report: climate change 2023. Genebra: IPCC, 2023 ↩︎
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Eduardo Sá Barreto é professor associado da Faculdade de Economia (UFF) e membro do NIEP-Marx. É autor do capítulo “Terra de ninguém: entre o urgente e o prefigurado”, publicado em Tempo fechado: capitalismo e colapso ecológico (Boitempo, 2025).
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Tempo fechado: capitalismo e colapso ecológico, organizado por Laura Luedy
Não é de hoje que a ciência faz previsões alarmantes em relação ao cenário ecológico desenhado pelo modo de produção dominante ao redor do mundo. Só mais recentemente, porém, as evidências disso têm se imposto à nossa experiência sensível mais cotidiana. Tempo fechado: capitalismo e colapso ecológico, obra organizada pela socióloga marxista Laura Luedy, traz ao público dez textos inéditos de diferentes pensadoras e pensadores que tratam da questão indo à sua raiz. Suas reflexões vão além das abordagens do ambientalismo mainstream e colocam o dedo na ferida do capitalismo. Afinal, é possível evitar o colapso ecológico planetário sem desmontar o arranjo social que governa nossa relação com a natureza?
A liderança indígena Alessandra Korap Munduruku inicia o debate refletindo sobre a luta de sua comunidade contra as investidas de grandes empresas e do Estado sobre seus territórios. Michael Löwy nos apresenta o ecossocialismo como um movimento em construção, ao passo que a contribuição pioneira do feminismo socialista para esse movimento é representada pelo texto de Ariel Salleh. Na sequência, Sabrina Fernandes discorre sobre soberania alimentar e resiliência socioecológica, e Maikel da Silveira retrata uma da iniciativas que se aproximam desse paradigma no Brasil, a Teia dos Povos, a partir da perspectiva de uma de suas lideranças.
As continuidades entre as lavouras escravagistas do século XVII, a agroindústria contemporânea e os discursos e práticas nas áreas naturais de proteção integral são o objeto do texto de Guilherme Fagundes. Já João Telésforo escolhe tratar das armadilhas por trás dos chamados investimentos ESG, as finanças ambiental e socialmente sustentáveis, enquanto Jean Miguel se debruça sobre os sentidos do negacionismo climático hoje. Fechando as discussões com o retorno à contribuição de Marx no diagnóstico da relação entre capitalismo e colapso ecológico, Eduardo Sá Barreto defende que essa dinâmica econômica não se conterá ante limites ecológicos ou políticos, seguido pelo texto de Natan Oliveira, que nos apresenta os estudos que Marx fez das ciências naturais.
Com perspectivas que se complementam e partem de experiências das lutas indígenas, negra, feminista e socialista, os textos que compõem Tempo fechado vão além do diagnóstico e nos apontam caminhos possíveis para atravessar a nebulosa questão da emergência climática.


O capital no Antropoceno, de Kohei Saito
Qual é a relação entre capitalismo, sociedade e natureza? Em O capital no Antropoceno, o filósofo japonês Kohei Saito propõe uma interpretação dos estudos de Karl Marx frente aos problemas ambientais que enfrentamos no século XXI. A mensagem central da obra é que o sistema capitalista dominante, de alta financeirização e busca ilimitada do lucro, está destruindo o planeta, e só um novo sistema, pautado pelo decrescimento, com a produção social e a partilha da riqueza como objetivo central, é capaz de reparar os danos causados até aqui.
Do mesmo autor: O ecossocialismo de Karl Marx
Terra viva, de Vandana Shiva
Autora de importantes obras que discutem os ataques ao meio ambiente por grandes empresas e o efeito desastroso de um mau uso do solo, a doutora em física quântica e ativista ambiental Vandana Shiva faz nesse livro uma volta a suas raízes, revendo uma trajetória que acabaria por definir os movimentos em que se engajou. Assim, ela aborda fases como a infância rural vivida na Índia, sua criação na fazenda dos pais em meio às florestas, a educação libertária que recebeu deles, passando pela mudança de vida e de perspectiva que teve ao entrar na faculdade e viver em grandes centros urbanos na Índia e no exterior. Tudo isso culminando na descoberta dos movimentos de luta em defesa da natureza e dos povos nativos e de sua influência na política ambiental mundial.


Abundância e liberdade, de Pierre Charbonnier
Investigação filosófica sobre as raízes do pensamento político moderno e seu impacto na crise ecológica. O autor desafia o paradigma do progresso ilimitado e explora a relação entre a abundância material e a busca pela liberdade. Uma reflexão essencial para a compreensão do presente e do futuro.
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O livro apresenta as ideias mais importantes sobre agroecologia, produção associada, ecossocialismo e pedagogia socialista no Brasil e no mundo, juntamente com práticas de movimentos sociais, enfatizando o trabalho do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. Com uma visão abrangente, o autor explora diferentes práticas ecorrevolucionárias, aborda os cercamentos de terra ocorridos ao longo do século XX e XXI, traz como referência autores importantes como Karl Marx e István Mészáros e entrelaça a importância da educação agroecológica em um processo de transformação da sociedade: “A síntese resultante é única em sua fundamentação na luta pela própria terra, combinada com uma visão ampla da mudança ecológica e social revolucionária”, escreve John Bellamy Foster no prefácio da obra.
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