Cultura inútil | Ama-se a traição e aborrece-se o traidor

Imagem: YouTube / reprodução.
Por Mouzar Benedito
Pensando um pouco nos políticos brasileiros, e na prática de muitos deles, um tema me veio à cabeça: traição. E aí me lembrei de umas traições famosas, a mais falada de todas talvez seja a de Judas Iscariotes. Há controvérsias, dizem alguns, segundo os quais Jesus teria combinado com Judas que ele fizesse isso, fingisse trair por dinheiro, esperando que com a prisão e condenação do Cristo, a população se revoltaria e derrubaria o governo e o domínio romano. Como a estratégia não deu certo, Judas se suicidou.
Onde hoje é Alagoas, Domingos Calabar se aliou aos holandeses e foi determinante para a conquista do território por eles. Mas uma versão do episódio defende Calabar: ele teria percebido que os holandeses trariam mais progresso para a região e seriam melhores que os portugueses. Chico Buarque e Ruy Guerra escreveram sobre ele a peça Calabar, o elogio à traição.
O símbolo nacional dos traidores é Joaquim Silvério dos Reis, que aderiu à Inconfidência Mineira e acabou entregando os inconfidentes em troca do perdão das suas dívidas. Daí, não só os inconfidentes, mas suas famílias e outros moradores de Vila Rica sofreram uma perseguição feroz por parte dos portugueses. Silvério dos Reis teve medo de ser assassinado e conseguiu que o rei lhe desse uma fazenda enorme no Nordeste do Brasil. Já li que essa fazenda ficava no Piauí; segundo outras fontes, no Maranhão. De todo modo, foi com a família para lá, escapou de ser justiçado, então sua irmã se casou e daria à luz — acreditem! — o futuro Duque de Caxias. Um adendo aqui: ser sobrinho de traidor não significa necessariamente que o sujeito está fadado a ser traidor também.
Traidor que tentou não só conseguir perdão como ganhar uma grana como vítima da ditadura foi o famigerado Cabo Anselmo, um dos líderes da revolta de marinheiros que acabou sendo um dos motivos para o golpe de 1964, que derrubou o governo João Goulart e implantou uma ditadura que durou até 1985. Ele foi preso, mas solto pouco depois, o que levou algumas pessoas a desconfiarem que era um provocador a serviço do golpe, mas não levaram muito a sério. Mais tarde, contratado pelos organismos de repressão, ele se infiltrou na VPR – Vanguarda Popular Revolucionária, para entregar os militantes à polícia. Acabou entregando uma reunião em Pernambuco, da qual participava a sua companheira Soledad Viedma, grávida dele mesmo. Todo o grupo foi assassinado, após muita tortura. Alguns relatos contam do corpo de Soledad estraçalhado ao lado do feto morto. Anselmo disse mais tarde não ter se arrependido.
Na Frabla, o general Henry-Philippe Pétain, francês, herói da I Guerra Mundial, mudou de comportamento na II Guerra: colaborou com os invasores alemães, atuando como chefe de Estado da República de Vichy, de 1940 a 1944. Vichy era um balneário francês, e lá se instalaram as tropas do III Reich. Pétain quis “conviver com Hitler” — o governo de Vichy acabou com o direito de greve, criou milícias para caçar opositores dos alemães e foi acusado de ajudar a Alemanha no extermínio nazista. Considerado traidor, em 1951 Pétain foi condenado à prisão perpétua.
A lista é longa, quem quiser que lembre dos traidores que já morreram e dos que estão vivos por aqui, alegres e saltitantes, uns até badalados, aplaudidos e atuantes. Aliás, como diz um provérbio que virou peça de teatro, trair e coçar é só começar.
Ah… Para terminar, vou contar uma historinha que parece tão comum de uns tempos para cá e há quem nem considere traição. Hoje em dia, há um vale tudo para “subir na vida”, atropelar amigos, dar rasteiras neles, talvez considerem absurdo eu citar isso como traição. Mas pra mim, é. E braba. Eu trabalhava numa emissora de TV. “Chefe de reportagem” (eu não era) tinha como função básica distribuir as pautas (feitas por pauteiros, não por eles) aos repórteres, dar algumas orientações quando fosse o caso e acompanhar o trabalho desses repórteres. Cada telejornal tinha vários chefes de reportagem, para cobrir o dia inteiro. Ganhavam muito mais do que os pauteiros, claro, mas menos do que eu que tinha outra função. Pauteiro, apesar da importância do trabalho, ganha pouco. Um dia, um dos chefes de reportagem foi demitido por motivo fútil. Eu nem gostava muito dele, mas achei injusto demais e fui falar com o diretor de jornalismo, para tentar reverter a injustiça. Passei pela secretária dele sem pedir licença, ela tentando me impedir. Abri a porta da sala e entrei, com ela desesperada atrás de mim. Já dentro da sala, senti um alívio: um pauteiro, considerado o melhor amigo do demitido, já estava lá, conversando com o diretor. Pensei: “Um aliado…” O diretor de jornalismo, com ar irônico, pediu pra eu sentar e ouvir o pauteiro. Ele estava se oferecendo para substituir o grande amigo demitido. Falou na minha frente: “Eu sei fazer todo o trabalho dele e topo ganhar a metade do que ele ganhava.” Levantei puto da vida, exclamei alto na cara dele: “Puta que o pariu”, e saí.
Bem… Andei vendo umas frases sobre o assunto e transcrevo a seguir.
François Mauriac: “Judas deveria ser um santo, padroeiro de todos nós, que não deixamos de trair”.
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George Clemenceau: “Um traidor é um homem que deixou o nosso partido para filiar-se a outro. Um convertido é um homem que deixa o outro partido para filiar-se ao nosso”.
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Confúcio: “O silencio é um amigo que nunca trai”.
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Voltaire: “Os desconfiados desafiam a traição”.
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Voltaire, de novo: “Quem revela o segredo dos outros passa por traidor; quem revela o próprio segredo passa por imbecil”.
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Henry de Montherlant: “Vivam os meus inimigos! Eles, ao menos, não podem me trair”.
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Nelson Rodrigues: “Só o inimigo não trai nunca”.
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Nelson Rodrigues, de novo: “Assim como há uma rua Voluntários da Pátria, podia haver uma outra que se chamasse, inversamente, rua Traidores da Pátria.”
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Miguel de Cervantes: “Ainda que a traição agrade, o traidor é sempre odiado”.
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Plutarco: “César declarou que amava as traições, mas odiava os traidores”.
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Carlos Heitor Cony: “A traição tem caminhos e todo mundo ajuda todo mundo nesta hora”.
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Antoine Bierce: “Trair: retribuir a confiança depositada”.
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Markus Keimel: “Onde a lealdade é reduzida a um vício, a traição é enobrecida como uma virtude”.
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Kin Hubbard: “O indivíduo que concorda com tudo o que você diz ou é um imbecil ou está se preparado para te passar a perna”.
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Ditado popular: “Ontem bajulador, hoje traidor”.
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Provérbio espanhol: “O que hoje te compra com sua adulação amanhã te venderá com sua traição.”
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Monika Kühn-Görg: “Aqueles que torcem por você hoje irão culpá-lo amanhã”.
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C. S. Lewis: “Fazemos homens sem peito e esperamos deles virtudes e empreendimento. Rimos da honra e ficamos chorando quando achamos traidores em nosso meio. Castramos o animal e exigimos que ele seja fecundo”.
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Mario Vargas Llosa: “Está chegando a época em que a honra é a exceção e a traição é a norma”.
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Fernando Pessoa: “A recordação é uma traição à natureza / Porque a natureza de ontem não é a natureza. / O que foi não é nada, e lembrar é não ver”.
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H. C. Mencken: “Nenhum homem merece uma confiança ilimitada — na melhor das hipóteses, a sua traição espera uma tentação suficiente”.
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Carlos Fuentes: “Não desconfie. O medo, a dúvida e a suspeita convidam à traição. Cuidado com quem te aconselha a tomar cuidado”.
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Elena Anays: “A traição é uma mancha que jamais envelhece”.
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Ditado popular: “Traíra, quando não tem o que comer, come os parentes”.
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Eduardo Galeano: “Hoje as torturas são chamadas de ‘procedimento legal’, a traição se chama ‘realismo’, o oportunismo se chama ‘pragmatismo’, o imperialismo se chama ‘globalização’ e as vítimas do imperialismo se chamam ‘países em desenvolvimento’. O dicionário também foi assassinado pela organização criminosa do mundo. As palavras já não dizem o que dizem ou não sabemos o que dizem”.
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Rainha Cristina da Suécia: “A ambição costuma gerar traidores”.
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Friedrich Nietzsche: “Fiquei magoado, não por me teres mentido, mas por não poder voltar a acreditar-te”.
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Eleanor Roosevelt: “Se alguém trai você uma vez, a culpa é dele. Se trai duas vezes, a culpa é sua”.
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Isaac Hayes: “Podes me trair uma vez. Uma única vez”.
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Ditado popular: “Quem trai uma vez, trai duas ou três”.
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René Descartes: “É prudente não confiar inteiramente em quem nos enganou uma vez”.
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Vassili Rozanov: “Das grandes traições iniciam-se as grandes renovações”.
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John Tolklen: “Os traiçoeiros são sempre desconfiados”.
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François La Rochefoucauld: “Cometem-se muito mais traições por fraqueza do que em consequência de um forte desejo de trair”.
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François Chateaubriand: “Os acontecimentos fazem mais traidores do que as opiniões”.
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Martin Luther King: “Chega um momento em que o silêncio é traição”.
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Christopher Morley: “Na minha opinião, qualquer pessoa que não dedique toda a sua energia para tentar evitar novas guerras é traidor da humanidade”.
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Beethoven: “Fazer todo o bem possível, amar a liberdade sobre todas as coisas e, ainda que vá para um trono, nunca trair a verdade”.
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Georg Wilhelm Exler: “Aqueles que estão em primeiro plano podem facilmente ser apunhalados pelas costas”.
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Júlio César: “Até tu, Brutus?”.
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Che Guevara: “São moderados todos os que têm medo ou todos os que pensam trair de alguma forma”.
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Emiliano Zapata: “Muitos deles, por perdoar tiranos, por um punhado de moedas, ou por suborno estão traindo e derramando sangue de seus irmãos”.
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Mario Benedetti: “A morte é uma traição de Deus”.
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Ditado popular: “Atrás da cruz se esconde o diabo”.
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José Luis Sampedro: “Este mundo é uma traição à vida”.
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Cesare Cantú: “Só pensar em trair já é uma traição consumada”.
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Barão de Holbach: “A traição supõe uma covardia e uma depravação detestáveis”.
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Francisco Petrarca: “Todo o mal que pode se desdobrar no mundo se esconde em um ninho de traidores”.
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Horst Bulla: “A traição é irmã da perfídia”.
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Jean Jacques Rousseau: “Os temores, as suspeita, a frieza, a reserva, o ódio, a traição, se escondem frequentemente debaixo desse véu uniforme e pérfido da cortesia”.
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Provérbio chinês: “É fácil se esquivar da lança, mas não do punhal oculto”.
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Martinho Lutero: “Cada traição começa com a confiança”.
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Jean Renoir: “É possível ter êxito sem nenhum ato de traição”.
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Lauren Conrad: “Algumas pessoas estão disposta a trair anos de amizade só para conseguir um pouco de protagonismo”.
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Taylor Swift: “Às vezes a pessoa por quem você receberia um tiro está atrás do gatilho”.
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Jill Blakeway: “Tenha cuidado com a pessoa que te apunhala e diz pra todo mundo que é ela que está sangrando”.
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Malcolm X: “Para mim, a traição é pior que a morte. Eu poderia imaginar a morte, mas não a traição”.
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Ziad K. Abdelnour: “A confiança se ganha, o respeito se dá e a lealdade se demonstra. Trair qualquer uma delas é perder as três”.
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Sherrilyn Kenyon: “Todo mundo sofre ao menos uma má traição em sua vida. É o que nos une. O truque está em não deixar que destrua tua confiança nos demais quando isso ocorre. Não deixe que a tirem”.
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Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord: “Traição, senhor, é apenas uma questão de data”.
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Confúcio: “É mais vergonhoso desconfiar de teus amigos do que ser enganado por eles”.
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Benjamin Franklin: “Em duzentos anos as pessoas vão se lembrar de nós como traidores ou heróis? Essa é a pergunta que devemos fazer”.
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Trótski: “Dos doze apóstolos de Cristo, apenas Judas foi um traidor. Mas se ele tivesse tomado o poder, teria declarado os outros onze traidores”.
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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em coautoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996), Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia) e Chegou a tua vez, moleque! (2021, Editora Limiar). Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente.
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