“Desde Fanon”: reivindicar o intelectual-revolucionário que lutou contra as correntes coloniais e capitalistas

Cartaz deixado em frente ao departamento de polícia de Minneapolis, Minnesota, durante protesto contra o assassinato de Jamar Clark. Imagem: Tony Webster via Wikimedia Commons

Por Cristiane Sabino

Vivemos em um tempo de leituras fragmentas, apressadas e “algoritmizadas”, muitas vezes a critério dos desejos mais imediatos do/a leitor/a, mas, sobretudo em decorrência de uma lógica acadêmica e mercantil que descarta a capacidade crítica e a postura ética em nome de “papers” e “posts”. O resultado são interpretações, não raro, longínquas das proposições originais de um/a autor/a, alheias a seu percurso teórico e político, às suas intencionalidades e ao contexto em que determinada obra foi produzida. Nisso a totalidade de uma contribuição intelectual com seus acertos e equívocos, então, torna-se preferível ignorar sob o risco de a citação contradizer a alegação.

É em oposição a essa tendência que, em Desde Fanon, Deivison Faustino e Murytan Barbosa encaram a obra de Frantz Fanon, um autor incontornável na árdua tarefa de desvendarmos e transformarmos o mundo corroído pelo complexo colonialismo-capitalismo.

Temos em mãos um livro de leitura fluída e provocativa, que contemplará tanto a iniciantes quanto a estudiosos mais avançados da obra do martinicano. E ir à tal obra junto a Faustino e Barbosa é seguirmos a trilha do que é inegociável para ambos: a concepção de que o estudo da obra-vida fanoniana na sua totalidade é o que possibilita a apreensão das suas assertivas e atuais contribuições. As interlocuções trazidas pelos autores vão do tão diversamente interpretado Pele negra, máscaras brancas até o muitas vezes esquecido Os Condenados da Terra. E lhes são substanciais, ainda, os muitos escritos políticos redigidos desde o front pelo psiquiatra, além do diálogo crítico com outros intérpretes da obra de Fanon.

Pelos insights, críticas e destaques presentes nos seis artigos que compõem este livro, os autores recusam o Fanon dilacerado pelos anseios essencialistas que agrilhoam muitos dos bem-intencionados e sérios críticos do colonialismo e da modernidade eurocêntrica; recusam o desespero e o pessimismo que enredam muitos intelectuais e militantes nas próprias tramas coloniais que buscam negar. Assim, reivindicam e dão frescor ao Fanon que se faz ainda mais necessário em nossos dias: o que que acreditava na possibilidade da ação do oprimido pela ruptura com o estranhamento e com a interdição do ser resultantes da exploração; o intelectual-revolucionário cuja práxis foi efetivada na luta contra as correntes coloniais e capitalistas; o Fanon que levou às últimas consequências sua convicção na possibilidade de emergência de um ser humano novo.

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Cristiane Sabino é atualmente professora da Universidade Federal de Santa Catarina, e atua no Programa de Pós Graduação em Serviço Social da mesma instituição. Possui graduação em Serviço Social pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (2012), mestrado em Política Social pela Universidade Federal do Espírito Santo (2016) e doutorado em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (2019).


O psiquiatra e revolucionário martinicano Frantz Fanon (1925-1961) é o objeto desta coletânea de ensaios escritos por Deivison Faustino e Muryatan Barbosa. Desde Fanon reúne seis artigos sobre o revolucionário e busca analisar e atualizar questões colocadas por ele e ainda latentes em nosso tempo, como a relação entre capitalismo, racismo e colonialismo

Com uma escrita fluida e provocativa, os autores “reivindicam e dão frescor ao Fanon que se faz ainda mais necessário em nossos dias: o intelectual-revolucionário cuja práxis foi efetivada na luta contra as correntes coloniais e capitalistas; o Fanon que levou às últimas consequências sua convicção na possibilidade de emergência de um ser humano novo”, escreve Cristiane Sabino na orelha do livro.

Apesar da possibilidade de leitura em separado, a organização dos capítulos feita pelos autores ganha lógica e continuidade. Os dois primeiros textos — “Fanon e a configuração colonialista” (Muryatan) e “Hegel, Fanon e a (suposta) interdição da dialética” (Deivison) — buscam explorar interpretações possíveis do pensamento de Fanon, destacando questões de suas formulações intelectuais. Os artigos três e quatro aplicam algumas dessas interpretações e analisam diferentes temáticas: “Tortura e configuração colonialista: uma leitura fanoniana do livro Tortura na colônia de Moçambique (1963-1974)” (Muryatan); e “Freud, Fanon e o mal-estar colonial” (Deivison, em parceria com a psicanalista e professora Miriam Debieux). Os dois últimos textos, “Homi Bhabha leitor de Frantz Fanon: acerca da ‘prerrogativa pós-colonial’ e do Fanon ‘pós-colonial’” (Muryatan) e “Frantz Fanon teórico da tecnologia digital” (Deivison, escrito em parceria com o historiador Walter Lippold), apresentam um diálogo com outros estudiosos de Fanon e que revisitam seu pensamento por perspectivas distintas.   

“Acontecimentos recentes como o genocídio e a limpeza étnica na Palestina, as ameaças de anexação do Canadá e da Groenlândia e, sobretudo, a intensificação dos conflitos armados em torno do cobalto na República Democrática do Congo, entre outros, explicitam a atualidade da teoria fanoniana e a necessidade de retomar alguns trabalhos que sistematizam sua teoria”, escrevem os autores na apresentação. 

“Ao contrário do que se supõe, em Fanon a dialética do reconhecimento é um traço humano fundamental à nossa constituição como sujeitos, não isento de conflitos e contradições com o outro e consigo. É na relação contraditória com o (outro) exterior que se produz o Sujeito, ele próprio produto e ao mesmo tempo produtor desta mesma relação. Por essa razão, não há servo sem senhor nem senhor sem servo, ou seja, o Sujeito não existe sem seu objeto e, de certa forma, é subordinado à medida em que é transformado por ele”.
Deivison Faustino em “Hegel, Fanon e a (suposta) interdição da dialética”

Preocupado com o futuro que se delineava às novas nações africanas, Fanon tornou-se concomitantemente um agudo observador das relações coloniais, independentemente de sua manutenção como uma estrutura de poder, em sociedades coloniais ou neocoloniais, enquanto configuração colonialista, na América ou na Europa. Nesse sentido, cabe, por exemplo, revalorizar a leitura fanoniana sobre o racismo, ou sobre as dicotomias entre o “mundo colonial” e o “mundo colonizado”, como espaços diferentes de vivência nas “cidades coloniais”. O próprio autor projeta que a continuidade das relações coloniais se colocaria também nas sociedades neocoloniais, para além da relação de dominação colonial entre países, metrópole e colônia
Muryatan Barbosa em “Homi Bhabha leitor de Frantz Fanon: acerca da ‘prerrogativa pós-colonial’ e do Fanon ‘pós-colonial’”


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