Novas pesquisas reiteram achados de “Cães de guarda”, de Beatriz Kushnir

Marcelo Ridenti destaca a importância do livro "Cães de guarda", de Beatriz Kushnir, para que as novas gerações compreendam as estreitas relações entre a Folha de São Paulo e o regime militar.

Por Marcelo Ridenti

A Agência Pública divulgou recentemente a matéria intitulada “Documentos indicam que aliança da Folha com a ditadura foi mais forte do que jornal admite”. O texto merece ser lido, pois resume bem os fatos da época, comprovando a cumplicidade do grupo Folha com os órgãos repressivos.

São impactantes os “documentos e testemunhos obtidos pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf), ligado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)”, e expostos na matéria referida. Complementam o que no essencial está presente no livro pioneiro Cães de guarda, de autoria de Beatriz Kushnir, publicado pela Boitempo em 2004, com base na tese de doutorado defendida na Unicamp. A pesquisa da historiadora demonstrou em detalhe, com farta documentação, a proximidade da Folha de S. Paulo com o sistema repressivo.

Em contexto posterior, a Folha teria papel relevante na redemocratização, especialmente a partir do momento em que Cláudio Abramo se tornou diretor de redação nos anos 1970. Como em muitas instituições da época, havia luta interna entre partidários e adversários da ditadura, sem contar os casos de ambiguidade entre colaborar e resistir. De qualquer modo, as pesquisas de Kushnir, do Caaf e outras comprovam episódios de colaboração ativa com o aparelho repressivo, como empregar jornalistas policiais e emprestar veículos da empresa a fim de prender opositores.

Matérias como a publicada pela Agência Pública ajudam a divulgar, especialmente para as novas gerações, o acúmulo de pesquisas a respeito do apoio civil ao regime militar. O livro citado de Beatriz Kushnir é leitura indispensável para quem se interessar pelo estudo aprofundado do tema.


Em Cães de guarda, Beatriz Kushnir explora a formação, as bases jurídicas e as diretrizes que orientavam o trabalho da censura, baseando-se em extensa pesquisa documental, além de entrevistas, inclusive com onze censores – aspecto inédito – cujo trabalho era “filtrar”, na imprensa e nas artes, o que incomodasse o regime não só no campo político, como também na cultura e até no campo da moral. Outro foco do trabalho é a cumplicidade da imprensa, especialmente da Folha da Tarde – veículo onde trabalhavam vários militantes de esquerda até a época em que o jornal ficou conhecido como Diário Oficial da Oban (Operação Bandeirantes) – com o regime militar e seu aparelho repressivo: os diretores do jornal eram ao mesmo tempo funcionários da polícia, reconhecidamente. Eles mesmos confirmam em entrevistas. O livro toca num tema delicado, e indiretamente critica historiadores de renome que fazem a história da imprensa ‘esquecendo’ o caso da FT. O livro explora os limites entre a censura, a autocensura dos jornalistas e a complicada convivência entre governo e imprensa durante a ditadura militar. Cães de guarda tem prefácio de Stella Bresciani, texto de orelha de Angela de Castro Gomes e quarta capa de Michael Hall.

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Marcelo Ridenti é Professor Titular de Sociologia na Unicamp, autor de livros como o romance histórico Arrigo (Boitempo,2023).

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