Um Marx como você nunca viu

Rodnei Nascimento comenta a aguardada edição brasileira da tese de doutorado de Karl Marx sobre filosofia antiga que a Boitempo acaba de publicar.

O jovem Marx escrevendo ao lado dos bustos de Demócrito e Epicuro. Ilustração feita por Gilberto Maringoni especialmente para a capa de Diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito e a de Epicuro, de Karl Marx.

Por Rodnei Nascimento.

2018 é o ano do bicentenário do nascimento de Karl Marx. Para inaugurar as celebrações, anunciamos o lançamento da aguardada tese doutoral de Karl Marx! Traduzida diretamente do original em alemão a obra é o 24º título da coleção Marx-Engels. A tese apresentada pelo autor à Universidade de Jena em 1841 revela um Marx como você nunca viu: na direção oposta da cristalização histórica de sua imagem como teórico e militante da revolução comunista, o filósofo alemão busca tirar as consequências da ciência da natureza para pensar as condições da liberdade humana. A ilustração de capa foi feita especialmente para a obra por Gilberto Maringoni! Leia abaixo o texto de orelha do livro, escrito por Rodnei Nascimento.

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Seria o leitor capaz de imaginar Karl Marx como um erudito professor universitário de filosofia antiga, especializado no ciclo das filosofias helênicas? Creio que dificilmente, dada a cristalização histórica de sua imagem como o teórico e militante da revolução comunista. Mas é esse Marx que, ao menos em parte, vemos surgir neste volume, originalmente sua tese de doutorado sobre a Diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito e a de Epicuro, apresentada à Universidade de Jena em 1841.

De fato, o trabalho é uma peça típica de história da filosofia, na qual o autor reconstitui, a partir de textos originais em grego e latim e com respaldo na literatura especializada, as concepções de Demócrito e Epicuro sobre o átomo e a matéria, buscando tirar as consequências de cada uma delas para pensar as condições da liberdade humana. Com a obtenção do título de doutor, Marx almejava o posto de professor de filosofia na Universidade de Berlim, sob os auspícios do amigo e incentivador Bruno Bauer, que já lecionava em Bonn.

Se a circunstância imediata de elaboração da tese foi a perspectiva de uma carreira universitária, seu significado mais íntimo só se deixa compreender, contudo, no interior da disputa política e intelectual que Marx e seus amigos jovens hegelianos travavam contra a chamada “miséria alemã”, um conjunto de mazelas políticas e sociais que colocava o país numa condição de atraso histórico em relação à modernização liberal da Europa, somado a um ambiente de censura e perseguição a seus opositores mais radicais.

A defesa da filosofia da natureza de Epicuro contra a de Demócrito que o leitor testemunha aqui representa um ataque indireto a esse quadro de repressão e retrocesso político. Desfazendo o lugar-comum do determinismo materialista de Epicuro, Marx considera sua filosofia a realização da “autoconsciência humana como a divindade suprema”. E, na medida em que recusa toda autoridade acima do homem, faz da “liberdade da autoconsciência” o princípio de toda a realidade. Do mesmo modo, a negação da divindade não deixa de ser também uma tomada de posição em favor da filosofia (ou do pensamento livre) contra “o entendimento teologizador”. Nesse sentido, a tese promove uma defesa radical da liberdade da ação e do pensamento contra o materialismo mecanicista, mas também contra as “filosofias positivas” da natureza que alimentavam o conservadorismo político e cultural alemão.

As pretensões acadêmicas de Marx seriam, no entanto, inteiramente frustradas. Com o acirramento da repressão política, os jovens hegelianos seriam expulsos da universidade e proibidos de exercer a docência. Perdia-se assim um eminente professor de filosofia helenista, mas abria-se o caminho para o grande projeto de compreensão e crítica dos fundamentos da sociedade burguesa.

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Onde encontrar?

Ano Marx!

Se 2017 foi o ano do centenário da Revolução Russa, marcado pela Boitempo com uma série de publicações (incluindo o lançamento de uma nova coleção editorial) e atividades em torno do legado da experiência soviética, em 2018 completa-se o bicentenário de nascimento de Karl Marx. Ao longo do ano, enquanto principal casa editorial das obras de Marx e de Engels no Brasil e referência internacional por suas edições, organizaremos uma série de atividades em todo o país em torno desse marco histórico. A publicação da tese doutoral de Marx e da apaixonante HQ Marx, uma biografia em quadrinhos, marcam o início de uma extensa programação, que será chamada de Ano Marx e contará com cursos, ciclo de debates e mostras de filmes, além de apoio a eventos acadêmicos e peças teatrais. Como não poderia deixar de ser, para 2018 a Boitempo planeja a edição de livros inéditos de Marx e outros sobre sua vida e obra, incluindo três biografias e até livros infanto-juvenis…

7 comentários em Um Marx como você nunca viu

  1. José Ramos Sobrinho // 16/02/2018 às 7:01 pm // Responder

    TODOS NAS RUAS ! JÁ ! FORA, VAMPIRO ENTREGUISTA !

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  2. Hector Benoit (Professor Livre-Docente da Unicamp, Deptº de Filosofia. // 16/02/2018 às 7:28 pm // Responder

    Cumprimento vivamente a Rodnei Nascimento por realizar a tradução dessa obra de Marx em português. Não me recordo se existe outra tradução dessa obra publicada no Brasil. Observo, porém, que lendo a obra de Marx, mesmo aquele da maturidade, o autor de Das Kapital, a presença de sua forte formação clássica, nos textos gregos e latinos é permanente e visível, nunca tendo abandonado a sua formação na cultura clássica antiga. Por exemplo, nas notas de Das Kapital, cita com frequência e segurança autores que a maioria dos marxistas contemporâneos jamais ouviram falar como, Diodorus Siculus, historiador grego, fora as lembranças constantes de obras tais como aquelas de Tucídides, Isócrates, Demóstenes, assim como, outros autores mais conhecidos, Aristóteles e Platão. Contam alguns biógrafos que, anualmente, para conservar o grego clássico, relia tragédias gregas no original, particularmente, aquela que mais admirava, “Prometeu acorrentado” de Ésquilo. Nas cartas, também, constantemente, comenta questões filológicas do grego e do latim, sobretudo, para observar aspectos ideológicos, e criticar traduções equívocas dos filólogos e historiadores burgueses seus contemporâneos. Assim, Marx não foi só o crítico da Economia Política burguesa, como também, o crítico de grande parte da produção intelectual burguesa de sua época.

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  3. Chega ao extremo ridículo, uma pessoa ainda acreditar que Marx foi um grande filósofo. Boa pessoa ele, idéias macabras, irrealizáveis, filhos suicidas, viveu de favores, nunca trabalhou. Ideólogo de todo mal existente na terra sim, tudo que vemos hoje foi baseado em suas ideais. Gente. Vamos acordar, ler coisas sérias, tentar recuperar a sanidade. Maldita revolução de 17.

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    • Sim vamos ler coisas sérias como Arthur Giannotti: Origens da dialética do trabalho. Nessa obra o autor confronta o pensamento do jovem Marx com Hegel e Feurbach. Não é uma leitura fácil…

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  4. Graças a esse pilantra que queria resolver o problema do mundo inteiro em busca de um paraíso terrestre, mas, que não resolveu o problema da sua própria casa, inspirou os maiores genocídios do mundo, na Alemanha nazista, na URSS, na China, na Coréia do norte, Cuba e agora na Venezuela, e graças a Deus está caindo por terra o plano de domínio aqui no Brasil.

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  5. Vicente The Thinker // 21/02/2018 às 1:57 pm // Responder

    Aguardo os lançamentos de 2018, vou comprar todos referentes ao comunismo, a revolucao russa e ao Grande Comunista – KARL MARX.

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