Mais um avião caiu: somos todos Chape, Rafael Braga não é ninguém

rafaelbraga

Crédito da foto: Mídia NINJA

Por Mauro Luis Iasi.

(Para Rafael Braga, porque é sobre ele, e para Rafinha, porque a ideia é dela)

Lamentamos informar que neste terrível ano que parece não acabar nunca, tivemos a notícia de mais um terrível acidente envolvendo uma aeronave. As informações ainda são muito desencontradas uma vez que grandes redes de televisão insistem em dizer que o acidente não ocorreu, destorcem e ocultam os fatos, prejudicando muito a compreensão do ocorrido.

Ainda não sabemos ao certo o número de vítimas e sobreviventes. O avião caiu em um lugar de difícil acesso. As equipes de salvamento tiveram que pegar vários ônibus, fazer baldeação para pegar o trem e se demoram a chegar ao local que ainda sofre, nesta época do ano, com inundações frequentes.

Sabe-se, entretanto, que a maioria das vitimas é jovem e negra. As causas da morte são estranhamente bizarras: muitos morreram porque foram atingidos por balas perdidas, outros tem marcas de tiro pelas costas ou na nuca, numa evidência que pode ter havido execuções. Uma mulher parece ter sido arrastada ao ser presa no compartimento de bagagem quando ainda estava viva. Muitos corpos estão desaparecidos e outros aparecem com claros sinais de tortura.

A polícia que investiga o estranho ocorrido afirma que há fortes indícios de que todas as vitimas resistiram ao acidente o que acabou levando-as à morte.

Outro aspecto que nos chama a atenção é a quantidade de mulheres entre as vítimas. Apesar de serem um pouco mais da metade do número de passageiros, foram elas que ficaram mais machucadas com a violência da queda. Apresentam hematomas, braços quebrados, marcas de queimadura pelo corpo e, em muitos casos, a alma partida e o coração despedaçado. Estranhamente, entre as sobreviventes, muitas negam que tenham se machucado no acidente, alegando que caíram da escada ou outro motivo improvável.

Para agravar ainda mais este terrível sinistro, o avião parece ter caído em várias escolas e hospitais. As autoridades alegam que não poderão investir recursos para a reconstrução dos serviços nos próximos vinte anos uma vez que o dinheiro está comprometido com o pagamento dos juros da dívida pública, com altos salários do judiciário, subsídios vultuosos para empresários, o perdão da dívida do agronegócio e para um suntuoso jantar que o presidente vai dar em homenagem a si mesmo no final do ano.

Além da evidente dor das famílias com a perda de seus entes queridos, há muita preocupação, também, entre os sobreviventes e seus familiares. As viúvas não receberão mais sua pensões integrais e só as terão por um tempo bem menor. Sobreviventes, por vezes mutilados pelo acidente, terão que continuar trabalhando até a idade mínima de 65 anos e contribuir por 49 anos o que, em muitos casos, os forçará a trabalhar até depois dos 70 anos.

O Ministério Público investiga as denuncias que alguns setores se beneficiaram com o acidente e que esperam ganhar fortunas com o ocorrido. As suspeitas recaem não apenas sobre a companhia aérea, mas nos fornecedores, bancos, empresas de seguro e uma infinidade de políticos. As investigações vão durar anos até que se apure tudo, mas a polícia já prendeu uma pessoa que passava pelo local do acidente portando um recipiente plástico contento um suspeito produto de limpeza. Apesar de não haver nenhuma relação plausível entre o desinfetante líquido e a queda do avião, o moço negro e pobre foi condenado e já se encontra preso.

Diferente de um recente acidente aéreo envolvendo uma equipe de futebol, a respeito do qual nos solidarizamos com as vítimas e seus familiares, este parece ter provocado reações dispares. Ao contrário daquele que motivou uma intensa solidariedade e consternação geral, levando a atos inusitados de equipes abrindo mão de títulos, adversários emprestando jogadores e recursos, cartolas fazendo de conta que se preocupam com jogadores, este acidente não gerou uma empatia unânime.

Muitos foram às ruas protestar e demonstrar seu inconformismo com tudo isso, mas outros, estranhamente festejam a catástrofe. Alguns dos passageiros, mesmo entre os mortos destroçados por partes do avião que lhe atravessavam o corpo, vestem camisas da seleção brasileira e batem panelas afirmando que apesar da dureza da queda, alguma coisa precisava ser feita. O avião não podia continuar voando daquele jeito, alegam, pois poderia acabar pousando na Bolívia, na Venezuela ou, pior ainda, em Cuba.

Com razão, ficamos abalados com o acidente que vitimou toda uma equipe de jovens esportistas que, saindo das divisões inferiores, estavam bem perto de um titulo inédito. Mas, por que esta indiferença com as vitimas desta catástrofe que se abate cotidianamente sobre nós? Talvez porque sejam pessoas que nunca sairiam das divisões inferiores, porque são muitas, porque são pobres, porque são negros, porque nunca iriam ganhar nada mesmo. Sei lá.

Quem se importa com esta gente, se é que gente mesmo isso aí? Quem se importa com um filho de marceneiro, com uma mãe doida que está grávida e acha que é virgem? Quem se importa com uma família perdida no deserto ou a deriva num mar de indiferença, fugindo de governos que matam crianças? Quem se importa? Que morram…

Os sobreviventes tentam racionalizar com aquelas coisas de costume, dizendo que se atrasaram para aquele vôo, podiam estar mortos, mas escaparam. Outros falam de sua sorte porque estavam na única cadeira de toda uma fila que foi dizimada, ou porque entraram na regra de transição e vão se aposentar assim mesmo, ou porque não são líbios, nem sírios, não moram em Mariana nem na baixada fluminense. Conversamos a respeito deste comportamento com Mario Benedetti, que escapou de um acidente similar no Uruguai, porque os poetas nunca morrem, e ele nos disse o seguinte:

“cuando en un accidente

una explosión

un terremoto

un atentado

se salvan cuatro o cinco

creemos

insensatos

que derrotamos a la muerte
pero la muerte nunca
se impacienta

seguramente
porque
sabe
mejor que nadie

que los sobrevivientes

también mueren.”

***

Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002) e colabora com os livros Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil e György Lukács e a emancipação humana (Boitempo, 2013), organizado por Marcos Del Roio. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

18 comentários em Mais um avião caiu: somos todos Chape, Rafael Braga não é ninguém

  1. Hugo Pequeno Monteiro // 21/12/2016 às 1:58 pm // Responder

    Prezado Mauro,

    De forma brilhante e utilizando as metáforas apropriadas, você descreve a triste realidade que vivemos neste paraíso do rentismo mundial. Este ACIDENTE GEOGRÁFICO que atende pela alcunha de brasil.
    Um “país” cujas “elites” têm ódio de seu próprio povo trabalhador e fazem o possível e o impossível para tornar a vida deste povo um inferno.
    Até quando conviveremos com tal ignomínia?
    Até quando toleraremos tanta iniquidade ?

    A ESQUERDA tem que acordar para a necessidade urgente de elaboração de uma agenda comum. Chega de divisões sem sentido. Existem pontos de convergência e eles devem ser valorizados.

    Grande abraço e a esperança compartilhada de um 2017 de muita luta e (não custa sonhar)
    VITÓRIAS!!

    Hugo P. Monteiro
    Professor Titular
    Departamento de Bioquímica – Centro de Terapia Celular e Molecular
    Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo

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  2. Antonio Elias Sobrinho // 21/12/2016 às 4:21 pm // Responder

    Mauro Iasi sempre descreveu, de forma cada vez mais clara, algo que parece elementar: a sensibilidade das pessoas não é uniforme e nem natural: é uma produção ideológica que se fortalece cada vez mais com as circunstâncias e os interesses. As grandes notícias emocionais, sobretudo as tragédias envolvendo personalidades ou grupos significativos, são exaltadas de tal maneira que comovem. Um acidente como aquele, uma violência com uma menininha de Ipanema, com turista ilustre, etc., com todo respeito rendem muito. Agora, quem vai se importar com a prisão ou assassinato de negros pobres, prostitutas, etc. e, quando noticiados é sobre eles que cai a culpa.

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  3. Joao Luiz Pereira Tavares // 21/12/2016 às 7:05 pm // Responder

    Bom…, mais grave, mas grave mesmo!, é o seguinte:
    O PT é fraudador; trapaceiro; escroque; velhaco; enrolador; biltre; inescrupuloso; astuto; dissimulado; impostor; fingido; patife; porra-louca; charlatão; caluniador; falsários; vitimista; hipócrita; enganador; mau-caráter; cábula; explorador; chicaneiro; truculento; malfeitor; ardiloso; tratante; nocivo; esquerdalha; difamador; picareta; embusteiro; burlão, choramingas e VIGARISTA. Tudo ao mesmo tempo. Ponto final.

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    • Feliz Natal e um próspero ano novo!

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    • A Cultura é tão importante quanto a “vida material” do dia-a-dia. Pois está vinculada à Educação e ao “gôsto”…

      “Os Comitês petistas & a Rede Globo:
      sedes de cultura do mesmo estilo.”

      Tudo a ver com a truculência do Petismo [e seus satélites como o PCdoB], somado com toda a breguice do PT.

      Falo é de uma contradição. O GÔSTO da Globo é o GÔSTO do PT, são iguais. Semelhantes.

      A Globo é o PT. O PT é a GLOBO (gôsto e estilo).

      O PT odeia a Globo. Mas são um a cara do outro.

      
O problema é que, sem a Globo, sempre vai sobrar os COMITÊS PETISTAS, com sua doutrinação cultural tão decadente e bregaça como a Globo. Criando distorções publicitárias — através da Linguagem — como a «Coração Valente©», a deusa brega do Petismo, via o demiurgo João-o-Milionário-Santana [este agora preso pelo Juiz Sergio Moro]. ¿Será por que está preso?…

      
O PT detesta o elitismo (Shakespeare, Truffaut, Beethoven, Machado de Assis, Villa-Lobos, Bach).


      O PT é a Globo. A Globo é o PT. Estilo Globo.

      Gostam é de cancioneiro. De Chico Buarque. Musiquinha. Jamais Buxtehude.


      Pixação (em Sampa, petistas afirmam que é “”arte””. rsss), funk, oba-oba, Anitta etc., cinema estilo a cineasta petista Anna MUYLAERT com filminho brega. Enormemente brega.

      Procure OUVIR Buxtehude.

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  4. Zenio Silva // 21/12/2016 às 7:25 pm // Responder

    Para oportuna e necessária reflexão neste ano que é o fim!

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  5. Mari Santos // 21/12/2016 às 9:45 pm // Responder

    Mauro Iasi, quando será que nosso povo irá acordar deste terrível pesadelo que nos foi empurrado garganta abaixo por um grupo de políticos da pior espécie, pela mídia brasileira inescrupulosa e por pessoas deste mesmo povo que pensam (e escrevem o que pensam) de forma tão absolutamente distante da realidade? Estes últimos , muitos deles inocentes úteis, vestiram-se de verde-amarelo e saíram às ruas conduzidos,nem sabiam por quem, para depor a presidente .Estes inocentes úteis , na melhor das hipóteses sofrerão na pele dia mais dia menos, as consequências de sua extrema ignorância. E terá sido tarde demais para arrependimentos. Caso não sejam inocentes úteis e estejam a servico de si mesmos, de obterem alguma forma de vantagem com o golpe , devem ser considerados como os mais detestáveis malfeitores dentre os muitos que vivem neste país.E estes últimos , é bom que saibam, como disse o poeta: os sobreviventes tambem morrem…

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    • Oi Mari,
      O que ocorre é que ninguém é mais inocente depois de ser útil num esquema de desmonte como este que está sendo imposto. As pessoas que foram as ruas exigir a queda do governo do PT, ainda que iludidas ou manipuladas, tem a dura tarefa de assumir a responsabiidade pela catástrofe. Poucos o farão. Quando a ditadura caiu em desgraça era impossível encontrar alguém que esteve numa famosa marcha contra o comunismo e pela moralidade.

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  6. Emanuela PCB // 22/12/2016 às 1:34 pm // Responder

    Brilhante, claro e cirúrgico!

    Grande camarada!

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  7. Muito bom! Fez uma reflexão clara da nossa realidade. Mesmo assim continuamos: ” só observando, a luminosidade um tiro”

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  8. Paulo Roberto Gaiotto // 22/12/2016 às 9:00 pm // Responder

    numa palavra: brilhante texto. parabéns Mauro

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  9. Roberto Renon // 24/12/2016 às 12:24 pm // Responder

    Muito agadecido por ter tido o privilégio de ler uma das narrativas mais reais que possam existir por essa nossa tão”comprometida”imprensa.Narrativa essa que ninguém da”ala nobre”ousaria publicar,vai que desperta alguns sentimentos adormecidos de um certo filho que não foge a luta.Parabéns e obrigado.

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  10. Mari Santos // 25/12/2016 às 2:32 am // Responder

    É verdade Mauro Iasi, poucos o farão.Mas certamente muitos deles sentirão na carne as consequências de terem errado o caminho.

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  11. “pero la muerte nunca
se impacienta

    seguramente
    porque
sabe
    mejor que nadie

    que los sobrevivientes

    también mueren.”…Outro avião começa a decolar é o PSOL…esqueça os sobreviventes do PT…outro avião começa a decolar…embarcai…embarcai…Lasciate ogni speranza voi che entrate. “Deixai qualquer esperança, vós que entrais”: este famoso verso de Dante pode ser completado por “, Deixai qualquer esperança, vós que entrais pelo reformismo petista”…isto é, o PT e seu reformismo precisam ser enterrados…”Fora Tucanalhas e PeTralhas”…o PSOL já disse isso em 2004 (na fundação do PSOL)…mais de uma década se passou e valeu a aposta ética do Partido do Socialismo e Liberdade…viva o socialismo…viva a liberdade !

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    • Joao Luiz Pereira Tavares // 24/01/2017 às 8:48 pm // Responder

      Laureatti:

      Nunca daria meu dinheiro para outro partido, exceto o PT. Meu dinheiro é apenas para minha religião, o PT.

      Seja “crowdfunding” pra Nossa deusa baranga Coração Valente© viajar de avião (como no ano passado, 2016, em que eu contribui para Nossa Querida Mãe Coração Valente©, de acordo com o pedido e ordem de Nosso Amado Chefe barbudinho… Apelo feito pela TV).

      E nem posso ser louco nem alienado pelo que eu mesmo escrevo, pois sigo o PETISMO e seus dogmas verdadeiros, anti-alienação (a saber: «é gópi, é gópi, é gópi»; «ilegítimo [Temer]»; «midiota»; «LUZ para todos»; «20 milhões na classe média»; «fascista»; «sem crime de responsabilidade»; «casa grande e senzala»; «Pronatec»; «velha mídia»; «coxinha»; ; «mídia hegemônica» [espécie de demoninho ou capetinha muito danoso a minha religião]; «Rede Globo é golpista»; «PiG»; «Estados Unidos, o Império»; «mídia golpista» etc. etc. etc. etc. — esses são todos os nossos sábios dogmas, e OS MEUS!).

      Portanto devido a isso EU jamais posso ser alienado ou louco. Sou apenas petista, e amo minha deusa Mãe, — Mãe do PAC –, Coração Valente©, criada pelo João, o milionário, o Santana, mais conhecido no meio pelo apelido de O Feira. «O Feira» foi preso pela entidade do Mal, Sérgio MORO (de acordo com minha RELIGIÃO). Se minha religião falou que ele é do Mal, então ele é.
      ______

      P.S.:
Enfim, meu Amado Chefe é sim ilibado & inocente. Assim tem falado Minha deusa Coração Valente©. Vamos crer em Coração Valente©.

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  12. Joao Luiz Pereira Tavares // 31/12/2016 às 10:32 am // Responder

    ¯\_(ツ)_/¯
    2017: a todos do blog, que fiquem atentos à picaretagem em 2017 & que vossas mentes permaneçam rápidas perante ao ilusionismo do PT.
    Um sublime 2017!

    Viva 2016!

    Em 2016 houve fato fabuloso sim, apesar de Vanessa Grazziotin falar que não, dessa forma equivocada assim:
    “O ano de 2016 é, sem dúvida, daqueles que dificilmente será esquecido. Ficará marcado na história pelos acontecimentos negativos ocorridos no Brasil e no mundo. Esse é o sentimento das pessoas”, diz Grazziotin.

    Mas, por outro lado, nem que seja apenas 1 fato positivo houve sim! É claro! Mesmo que seja, somente e só, um ato notável, de êxito. Extraordinário. Onde a sociedade se mostrou. Divino. Que ficará na história para sempre, para o início de um horizonte progressista do Brasil, na vida cultural, na artística, na esfera política, e na econômica.

    Que jamais será esquecido tal nascer dos anos a partir de 2016, apontando para frente. Ano em orientação à alta-cultura. Acontecimento esse verdadeiramente um marco histórico prodigioso. Tal ação acorrida em 2016 ocasionou o triunfo sobre a incompetência. Incrementando sim o Brasil em direção a modernidade, a reformas e mudanças positivas e progressistas. Enfim: admirável.

    Qual foi, afinal, essa ação sui-generis?
    Tal fato luminoso foi o:

    — «Tchau querida!»*

    [ (*) a «Coração Valente©» do João Santana; criada, estimulada e consumida. Uma espécie de Danoninho© ‘vale por um bifinho’. ATENÇÃO: eu disse Jo-ã-o SAN-TA-NA].

    Eis aí um momento progressista, no ano de 2016. Sem PeTê. Sem baranguice. Sem política kitsch.

    A volta de decoro ao Brasil. Basta de porralouquice.
    Feliz 2017 a todos.

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