“Uma bomba letrada” | Fausto Fawcett escreve sobre China Miéville

"Estação Perdido não é um livro, é uma bomba letrada. China Miéville tem mais é que ser exaltado, pois nos fornece um documento sobre a Volúpia Terrível que envolve a vida nos grandes centros urbanos."

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Por Fausto Fawcett.

Pois é, caro leitor, este não é apenas um comentário sobre certo livro ou escritor. Este texto é uma reza de ordem, uma conclamação, uma convocação irrecusável: Estação Perdido não é um livro, é uma bomba letrada que provocará infinitos efeitos colaterais na vida misteriosa da sua mente, nas engrenagens sinápticas dos seus primitivismos eternos, que atualmente são devidamente revigorados e escancaradamente excitados pelo tecnocentrismo, pela teologia tecnológica que transformou o planeta num quintal de próteses explícitas ou insinuantes nos enredando, vulgarizando, banalizando, esvaziando, portabilizando num backup de cotidianos e culturas cadastrados. Tudo é subcultura urbana fragmentada dentro da nossa mente.

Não é um livro, é um Exu das Mestiçagens Vorazes, das encruzilhadas orgânicas, animalescas, espirituais, mentais e mecânicas, maquínicas, encarnado num objeto literário prestes a se transformar em viral perturbador. É um mergulho na promiscuidade das três instâncias que determinam a vida humana e que, na visão de China Miéville, respondem pelos nomes de mundo oculto/taumatúrgico, mundo material e mundo social/sapiencial. Mundos espirituais se entremeando com mundos humanos cheios de integração/desintegração social e de psicologia em ruínas se entrelaçando, por sua vez, com criaturas que são mosaicos de vísceras, montagens orgânicas, anatomias cubistas inoculadas com alguma inteligência artificial, mas todos se comunicando, se fundindo, se fodendo num interminável e intenso cruzamento de tecnologias antigas e recentes, e tudo é gambiarra prodigiosa movida a vapor, com fiações desencapadas, gatilhos e disjuntores criando seres transpassados prosaicamente por raciocínios humanos, dimensões sobrenaturais e frequências invisíveis. Taumatúrgons, autoconsciência, elétrons e demônios. O básico. China nos conduz pela feérica balburdia atual onde mente e corpo são abduzidos pelas interações, proliferações, simbioses, sinestesias, sinergias e, principalmente, saturações sociais, todas elas apresentadas como Fúrias contemporâneas, e não como meros confortos de velocidade empreendedora.

China Miéville tem mais é que ser exaltado, pois nos fornece um documento sobre a Volúpia Terrível que envolve a vida nos grandes centros urbanos, apresentados por ele como gigantescos animais de temperamento hipercomercial mas vocação autofágica geradora de monstros de pântanos – transformers surgidos das sobras descomunais. Cidades como coliseus, arenas comerciais onde rolam festas sangrentas e patológicas de batalha pela sobrevivência e pelas rações desiguais de afetos. Territórios definitivamente experimentais onde as pessoas são mais ou menos humanas em inevitável interação com mutações sorrateiras, com inteligências inesperadas, criaturas cujos corpos são parafernálias de nervos e dínamos, fauna de quimeras de alta classe ou fracassadas e clandestinas. A Volúpia Terrível é que nos aquece o coração hoje em dia, e China toca no nervo dessa emoção com a mágica da sua escrita de alta voltagem rítmica e imaginativa. Ele faz as gambiarras certeiras entre linguagens e imaginários liquidificando Borges e Cronenberg, gerando um Cronenborges que segura como um Atlas monstruoso o magnífico peso do sublime. Horror e gozo. “Entrar em crise é a natureza das coisas, elas estão em crise pelo simples fato de existirem.”

– Fausto Fawcett

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Onde encontrar?

Estação Perdido já está à venda em versão impressa e versão eletrônica (e-book) nas principais livrarias do país. Aqui vão alguns links para te ajudar a encontrar o livro:

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