O balanço da bossa do golpe

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Por Flávio Aguiar, de Berlim.

Conhecemos a máxima de Lincoln: é possível enganar todos por algum tempo; alguns o tempo todo; mas não todos por todo o tempo.

Mas no Brasil – também na Argentina – estamos diante de uma nova bossa. Para dar um golpe, basta enganar muitos por bastante tempo. E depois o resto – inclusive o bagaço dos enganados – que se virem.

É verdade que na Argentina, no ano passado, não houve um golpe. Mas a tática usada para garantir que Macri ganhasse a eleição e conseguisse instalar seu programa de governo foi a mesma usada no Brasil para montar o golpe que está em curso.

O esquema foi igual: pressão contínua e mentirosa da mídia oligárquica, mais abusos coordenados a partir de setores do judiciário, perseguição a líderes oposicionistas, plantação de noticiário diversionista para desviar a atenção quando denúncias surgiam sobre figuras da direita. Na Argentina isto aconteceu em relação às denúncias das operações offshore de Macri e familiares, quando da revelação dos “Panamá Papers”. Imediatamente juízes denunciaram Cristina Kirchner por irregularidades que passaram a ocupar as manchetes de La Nación e El Clarín, os conglomerados que querem comandar – e cercear – a informação no país vizinho.

No Brasil é evidente a agressão dos vazamentos da Lava-Jato ao ex-presidente Lula e à presidenta Dilma e o quanto eles e a mídia golpista poupam as figuras da oposição.

Fica evidente, através da comparação dos dois casos, que a tática, sendo a mesma, tem uma origem comum, provavelmente, e há muitos indícios nesta direção, provinda dos estados Unidos. Antigamente, logo depois da Segunda Guerra, o ex-presidente republicano e general Dwight Eisenhower alertou sobre a existência de um “complexo industrial-militar” que, na verdade, comandava os Estados Unidos. Hoje pode-se falar num complexo sistema de informação reunindo agencias como a National Security Agency, empresas de terceirização da espionagem e de inteligência, ONGs e Think Tanks que certamente forjaram este treinamento para elementos dos sistemas judiciários dos países da América Latina, além de órgãos de segurança, como as polícias federais respectivas e adjacências.

Junto com este esquema, é indispensável contar com a operação midiática que bombardeie com constância frases e manchetes que cativem as mentes e corações dos que querem ser cativados, é bom que se diga, convencendo as pessoas de platitudes vazias, como a de que “sim, sempre houve corrupção, mas o PT a institucionalizou”, quando não convencendo os mais afoitos em acreditar em qualquer coisa que proteja o que veem como seu direito a privilégios, que foi o PT que a inventou.

Fica claro o objetivo deste estupro da inteligência ao se considerar que o “futuro governo” de Michel Temer já acena com os corte dos direitos trabalhistas, da suspensão da obrigatoriedade de investimentos em educação e segurança e de cortes nos programas sociais, até com afirmações de que o Bolsa Família está “inchado”. Estes arautos da regressão histórica aos tempos da República Velha estão convencidos, e trabalham com o sentimento difuso em parcelas de nossas elites e classes medias de que o Brasil precisa mesmo ter um “exército de reserva miserável” para funcionar, para manter a percepção de que direitos são privilégios de classe. Este golpe armado precisa também desconstruir a narrativa de que os governos petistas melhoraram a condição de vida da população. Seu objetivo maior é “desconvencer” o povo de que ele tem direito a ter direitos.

Para tanto, estes golpistas dispersos em toda a parte, mas sobretudo concentrados em aparelhos de Estado não estão hesitando em dar um golpe que, além de cobrir o Brasil de descrédito em escala mundial, vai potenciar a corrupção, agora sim, como nunca se viu antes nesta uma vez chamada de Terra dos Papagaios, agora se transformando na República dos Bananas. Não que todos sejam bananas, porque é possível que alguns sejam bananas o tempo todo, mas é impossível que todos sejam bananas todo o tempo. Mas basta um bando de bananas por algum tempo, para abrir o bananal à sanha da direita.

***

Flávio Aguiar nasceu em Porto Alegre (RS), em 1947, e reside atualmente na Alemanha, onde atua como correspondente para publicações brasileiras. Pesquisador e professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tem mais de trinta livros de crítica literária, ficção e poesia publicados. Ganhou por três vezes o prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, sendo um deles com o romance Anita (1999), publicado pela Boitempo Editorial. Também pela Boitempo, publicou a coletânea de textos que tematizam a escola e o aprendizado, A escola e a letra (2009), finalista do Prêmio Jabuti, Crônicas do mundo ao revés (2011) e o recente lançamento A Bíblia segundo Beliel (2012). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.

9 comentários em O balanço da bossa do golpe

  1. Antonio Tadeu Meneses // 27/04/2016 às 1:04 pm // Responder

    Por falar na máxima do Lincoln sobre enganar as pessoas:

    Mas nenhum partido, prometeu tanto aos trabalhadores e fez tão pouco, com uma qualidade tão ruim por um custo tão caro, em doze anos de poder, quanto o PT. Basta ver o que foi feito para salvar o capitalismo de sua crise que começou lá em 2008, os seguintes fatos e dados não se pode negar:

    1. Ampliação de crédito a pessoa física p/ aumentar o consumo, mas isto como sabemos tem limite e acabou por não ser suficiente.
    2. Usar dinheiro público para salvar empresas, através de desoneração de impostos e da folha de pagamento, empréstimos à juros generosos, provindo de dinheiro de impostos cobrados dos trabalhadores, isto também tem limites.
    3. 45% do orçamento da União corresponde a amortização de uma dívida que já foi paga diversas vezes, e nunca foi sequer discutida.
    4. Entrega do mercado financeiro aos especuladores, que elevaram os juros à estratosfera, p/ex os juros sobre cartão de crédito, etc.
    5. Enquanto isto, se faz corte de verbas da educação, saúde, moradia etc.
    6. Privatização (parceria público privada) de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias.
    7. Venda de ativos da Petrobras, tais como termoelétricas, distribuidoras de gás, BR distribuidora, corte de investimentos no mínimo em 40%, Este é o caminho da privatização da Petrobras, coisa que até agora ninguém tinha conseguido.
    8. Inflação, recessão, demissões, desemprego, etc.
    9. Corrupção do mensalão, do petrolão e da morte do prefeito Celso Daniel,
    10. Se comparamos a gestão PT com a gestão de uma empresa privada, ou ela teria falido ou estes dirigentes teriam sido demitidos muito antes. Simplesmente porque não se preocuparam com custos, qualidade, prazo, e desperdícios, etc.

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    • Esdras Mendes // 27/04/2016 às 3:45 pm // Responder

      Essa colocaçao é exatamente de uma cabeça formada pela midia familiar brasileira. Pontos positivos transformados em negativos. Calúnias em verdades absolutas.
      Cerebro bem lavado por essa midia partidária

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  2. Antonio Elias Sobrinho // 27/04/2016 às 1:10 pm // Responder

    A situação da Argentina não vou dar palpite. Não conheço bem. Porém, na daqui dá pra começar uma conversa. A primeira é com relação a truculência da mídia e da oposição. Isso é coisa recente. Enquanto o governo tinha prestígio e dinheiro para distribuir não havia reclamações. As coisas só se complicaram com a crise porque o dinheiro acabou. Isso devia ser sabido, desde o começo, principalmente porque o PT tinha convivido, durante muito tempo com essa gente quando foi oposição e, nesse período, já denunciava tudo com vigor. Porque quando subiu ao poder esqueceu a lição? Com isso não quero dizer que devesse ter abandonado a possibilidade de alianças num regime como este, isso é uma coisa. Outra coisa foi abrir o cofre pra mídia e dar carta branca e ressuscitar partidos e oligarcas no ocaso. Não deu outra. Isso não é um aviso oportunista meu depois que a vaca foi pro brejo. Esse alerta foi dado desde cedo, por pessoas com estatura maior mas não receberam eco. Zé Dirceu, por exemplo, sempre achou que a direita podia ser comprada pra sempre e, então, não precisava preocupações. Coitados dos que seguiram isso.

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  3. Agradeço os comentários, e concordo quanto ao fato de que os governos petistas não prestaram atenção ao problema da mídia golpista, achando que poderiam conviver com ela. Agora dizer que os governos petistas foram os que menos fizeram pelos mais pobres não é pertinente. E a arrolação dos “malfeitos” do PT em termos de corrupção é pura enrolação vendida por esta mesma mídia. Obrigado, Flavio.

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  4. mari santos // 27/04/2016 às 2:06 pm // Responder

    Seus artigos sao perfeitos .

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  5. Antonio Tadeu Meneses // 27/04/2016 às 3:25 pm // Responder

    Em 13 anos de poder do PT:
    A renda dos 10% mais pobres aumentou em 129%, em torno de R$ R$256,00/mês (v. IBGE).
    No entanto a renda dos 10% mais ricos aumento em 400% para mais, (para não falar dos 1% dos capitalistas mais ricos)
    A classe média teve um aumento bem menor que os 10% mais pobres.
    Já nas cidades aumentou o nº de moradores de rua a olhos vistos.
    Comparando no geral o IDH do Brasil está em 79ª posição entre 186 países.
    Para avaliarmos melhor a evolução do Brasil deveríamos levar em conta alguns referenciais: De fato a situação do Brasil melhorou, mas foi de acordo com o quanto deveria ou poderia?
    Qual foi o percentual de melhorias de acordo com as metas do governo?
    ficou abaixo ou acima das metas?
    As metas fixadas eram boas, ruins, razoáveis?

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  6. Republicou isso em luveredase comentado:
    Fica claro o objetivo deste estupro da inteligência ao se considerar que o “futuro governo” de Michel Temer já acena com os corte dos direitos trabalhistas, da suspensão da obrigatoriedade de investimentos em educação e segurança e de cortes nos programas sociais, até com afirmações de que o Bolsa Família está “inchado”. Estes arautos da regressão histórica aos tempos da República Velha estão convencidos, e trabalham com o sentimento difuso em parcelas de nossas elites e classes medias de que o Brasil precisa mesmo ter um “exército de reserva miserável” para funcionar, para manter a percepção de que direitos são privilégios de classe. Este golpe armado precisa também desconstruir a narrativa de que os governos petistas melhoraram a condição de vida da população. Seu objetivo maior é “desconvencer” o povo de que ele tem direito a ter direitos.

    Para tanto, estes golpistas dispersos em toda a parte, mas sobretudo concentrados em aparelhos de Estado não estão hesitando em dar um golpe que, além de cobrir o Brasil de descrédito em escala mundial, vai potenciar a corrupção, agora sim, como nunca se viu antes nesta uma vez chamada de Terra dos Papagaios, agora se transformando na República dos Bananas. Não que todos sejam bananas, porque é possível que alguns sejam bananas o tempo todo, mas é impossível que todos sejam bananas todo o tempo. Mas basta um bando de bananas por algum tempo, para abrir o bananal à sanha da direita.

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  7. Agradeço a todos. O pior que está acontecendo no Brasil é esta campanha de intolerância da direita, impendindo que a gente debata ideias…

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  8. Célia Mota // 28/04/2016 às 3:27 pm // Responder

    Conto com o espírito democrático dos senadores, contra o golpe. Nem todos se sentem confortáveis em votar pela saida de Dilma.

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