A trajetória política de Caio Prado Júnior

Foto de Caio Prado Júnior em 11 de junho de 1978 (arquivo IEB-USP), usada na capa de Caio Prado Júnior: uma biografia política, de Luiz Bernardo Pericás
Por Bernardo Ricupero
A trajetória de Caio Prado Júnior se confunde com a do Brasil do século XX. Como importante personagem de nosso país, muito já se escreveu sobre ele. Ainda assim, vários aspectos de sua vida e de seu pensamento foram pouco explorados ou discutidos. Detalhes de suas relações políticas, leituras, viagens aos países socialistas e avaliações sobre alguns temas candentes de sua época permanecem desconhecidos do grande público. A biografia política escrita por Luiz Bernardo Pericás, um estudo de fôlego sobre o intelectual paulista, vem a suprir essa lacuna.
Quando Caio Prado Júnior morreu, em 1990, não houve grande impacto. O que talvez não fosse de estranhar: devido ao mal de Alzheimer, estava, havia algum tempo, recolhido. Mais importante, faleceu quando o curso do mundo parecia desmentir suas teses. O muro de Berlim caíra apenas um ano antes e o neoliberalismo não era efetivamente questionado naqueles tempos. Desde então, muito mudou; a América Latina passou pelo que foi chamado de uma “onda vermelha”; viveu-se o boom das commodities e seu ocaso; o capitalismo enfrenta, há alguns anos, uma grave crise. Ironicamente, as voltas que a história dá dotaram a obra do historiador marxista de uma surpreendente atualidade, contribuindo para o grande interesse demonstrado por ela nos últimos tempos. Até porque o maior motivo de sua inquietação continua a nos atormentar: se o Brasil se constituiu como colônia para produzir bens demandados pelo mercado externo, em completa desconsideração por aqueles que os produzem, esse ainda é o principal problema que enfrentamos hoje.
O grande mérito da biografia política que nos apresenta Luiz Bernardo Pericás é precisamente demonstrar que o Caio Prado Júnior historiador é indissociável do Caio Prado Júnior militante político. Em outras palavras, a opção que o jovem de família aristocrática tomou, decepcionado com os rumos da Revolução de 1930, de aderir ao Partido Comunista do Brasil (PCB) norteou o restante de sua vida e obra, sendo significativamente esse o momento que Pericás escolheu para abrir o capítulo 1 de seu livro, sugerindo que o que veio antes foi para Caio uma espécie de prólogo. A partir daí, já como marxista, buscou unir teoria e prática, sendo exemplos disso a Editora Brasiliense e a Revista Brasiliense, empreendimentos práticos embasados na teoria, e, principalmente, seus livros, trabalhos teóricos voltados para a prática política. Neles soube, como ainda é incomum, usar o marxismo como método para interpretar as vicissitudes de uma formação social particular, a brasileira.
Assim, mesmo que o mundo do historiador marxista não seja mais o nosso, o impressionante trabalho de pesquisa de Caio Prado Júnior: uma biografia política – em que seu biógrafo consultou uma vasta bibliografia, pesquisou em inúmeros arquivos e realizou diversas entrevistas – é capaz de trazer seu personagem mais próximo de nós.
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Caio Prado Júnior: uma biografia política, de Luiz Bernardo Pericás
Resultado de extensa pesquisa documental, este livro ilumina a trajetória de um dos maiores intérpretes da realidade brasileira. Figura emblemática no desenvolvimento do marxismo nas Américas, Caio Prado Júnior se tornou conhecido tanto pela originalidade de seu pensamento quanto pela militância política, que o levou a uma intensa atuação na Aliança Nacional Libertadora (ANL) e no Partido Comunista do Brasil (PCB). Seu esforço para entender a condição periférica do país em relação a outras economias e sua preocupação constante com a elevação material, cultural e de consciência política das massas fez com que escrevesse livros como Formação do Brasil contemporâneo, cuja tese “Sentido da colonização” consta como marco na historiografia nacional. Baseado na leitura minuciosa de centenas de documentos (muitos deles inéditos), Pericás mostra como o ativismo repercutiu na vida e na obra de Caio Prado Júnior, indo das primeiras leituras às viagens para o exterior (inclusive para os países socialistas), do golpe de 1964 aos debates sobre a revolução brasileira, do breve exílio no Chile ao retorno seguido de encarceramento, chegando por fim ao legado de seu ideário para a esfera pública. O autor ainda discute aspectos teóricos da obra caiopradiana e elementos de seu pensamento.
“O livro de Luiz Bernardo Pericás sobre a trajetória do Caio Prado Júnior traz novas e surpreendentes perspectivas para a compreensão da vida e do papel desse grande intelectual, o mais importante historiador brasileiro do século XX. Marxista, filho de família oligárquica paulista (com a qual rompeu), tornou-se conhecido pelas obras-chave que escreveu para o deciframento de nossa sociedade. Nesta densa biografia, baseada em documentos (em sua maioria inéditos), entrevistas e vasta bibliografia, surge um outro Caio Prado, em suas relações com o PCB e com outros intelectuais marxistas (ou não). Suas leituras, viagens (para União Soviética, China e Cuba, por exemplo), prisões e sua visão sobre temas como reforma, revolução, socialismo, questão agrária e o Brasil em perspectiva histórica constituem referência decisiva para a esquerda neste país tão desencontrado. ‘Muito atrasado…’, segundo Caio.”
— Carlos Guilherme Mota
“Este livro é o tipo de história que, depois das lutas e derrotas de seu personagem, consola o historiador por sua investigação em ampla bibliografia e em fontes inéditas. Mas brinda o leitor com a narrativa da trajetória de alguém que emerge por inteiro através de suas relações políticas e intelectuais. Eis a biografia de uma época!”
— Lincoln Secco

Luiz Bernardo Pericás é professor de História Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP), formado em História pela George Washington University, doutor em História Econômica pela USP e pós-doutor em Ciência Política pela Flacso (Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales/México), onde foi professor convidado, e pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP). Foi também visiting scholar na University of Texas at Austin e visiting fellow na Australian National University em Camberra. É autor de vários livros, como Mystery Train (São Paulo, Brasiliense, 2007); Che Guevara y el debate económico en Cuba (Nova York, Atropos Press, 2009; Buenos Aires, Corregidor, 2011; Havana, Fondo Editorial Casa de las Américas, 2014), pelo qual recebeu o prêmio Ezequiel Martínez Estrada, da Casa de las Américas (2014); Cansaço, a longa estação (São Paulo, Boitempo, 2012; adaptado recentemente para o teatro); e Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica (São Paulo, Boitempo, 2010/ Havana, Editorial Ciencias Sociales, 2014), o qual recebeu a menção honrosa do Prêmio Casa de las Américas em 2012; assim como de diversos artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais. Organizou também, em conjunto com Lincoln Secco o volume Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados (Boitempo, 2014). Integra o comitê de redação da revista Margem Esquerda, publicação semestral da Boitempo.
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Num momento em que o Brasil se debate com uma crise fenomenal e em que a maioria das propostas para a saída dela e pela busca de alternativas giram em torno do imediatismo, de atalhos circunstanciais, de caráter mercadológico, nada mais do que oportuno um estudo biográfico de um pensador que, independente de divergências, sempre procurou dar uma explicação de conjunto do Brasil, articulado com o sistema capitalista mundial, do qual sempre fez parte. Além disso, formulou um esboço de possível saída para um desenvolvimento estratégico que, na sua radicalidade significava o rompimento com esse sistema.
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