A forma dialética da dependência

Ruy Mauro Marini

Por Emir Sader.

As análises sobre o Brasil, a América Latina e os países da periferia capitalista eram objeto de dois enfoques, ambos reais, mas ambos unilaterais. Um, privilegiando a inserção internacional dos países, acentuava seu caráter dependente, sua subordinação ao imperialismo e seu caráter subalterno. Tinha a dificuldade de não desenvolver uma análise de classe internas a cada país, tomando a categoria de nação como uma totalidade indiferenciada. O outro enfoque, centrado nas análises de classe internas a cada país, tinha a riqueza do enfoque concreto, mas perdia a dimensão da inserção internacional.

O primeiro enfoque privilegiava a questão nacional, o segundo a questão social. Mas os dois não articulavam as duas dimensões, o que nem permitia a existência de um campo comum de discussão entre os dois enfoques.

A novidade radical do enfoque de Ruy Mauro Marini – seu caráter dialético – é a capacidade de articular os dois planos, indissociáveis na realidade: as análises de classe e a inserção internacional dos nossos países, incompreensíveis uma sem a outra.

A inserção no capitalismo internacional de forma dependente faz com que, para melhorar suas condições de competitividade, as burguesias desses países, incapacitadas de se valer da produtividade, implementem a superexploração do trabalho. O que acentua o caráter deformado das condições de reprodução social na periferia, porque não pode contar com o mercado interno de consumo popular, concentrando a realização na esfera alta do consumo e na exportação.

Esse breve resumo do eixo da análise de Ruy Mauro Marini, leitura indispensável, presente no seu Dialética da dependência. Carlos Eduardo Martins, um dos seus tantos excelentes discípulos, publica agora pela Boitempo sua tese de doutorado, que faz uma atualização da teoria da dependência de Marini na era da globalização neoliberal.

Os mecanismos analizados por Marini e reatualizados por Martins são de uma surpreendente atualidade porque esses mecanismos não apenas se consolidaram nas sociedades periféricas, como se estenderam às do centro do capitalismo. Hoje a superexploração do trabalho é um fenômeno globalizado –da China aos EUA, da França à Alemanha, do Japão à Espanha.

Os governos progressistas latino-americanos, ao estender e aprofundar o mercado interno de consumo popular, buscam justamente fugir de um dos mecanismos mais cruéis da dependência, porém sofrem as consequências  da globalização neoliberal, da desindustrialização, da fragmentação social, entre outros.

Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina, de Carlos Eduardo Martins, se constitui assim numa das leituras essenciais para a compreensão do capitalismo contemporâneo, em particular das sociedades periféricas, as latinoamericanas e, em particular, a brasileira.

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Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quartas-feiras.

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Boitempo indica:

Leia entrevista de Carlos Eduardo Martins ao Blog da Boitempo publicada em setembro de 2009, quando do lançamento de A América Latina e os desafios da globalização: ensaios dedicados a Ruy Mauro Marini (Boitempo, 2009).

O livro novo de Carlos Eduardo Martins, Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina, tem noite de autógrafos hoje, quarta-feira 23 de novembro, a partir das 18h30 no Salão Nobre do IFCS (Largo de São Francisco, 01 – 2º andar – Centro – Rio de Janeiro/RJ). O evento integra a programação do II Colóquio de Política Nacional e Internacional da UFRJ e contará também com o lançamento do número 17 da revista Margem Esquerda.

1 comentário em A forma dialética da dependência

  1. Denis L P Santos // 11/03/2019 às 7:19 pm // Responder

    Excelente leitura

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