Intelectuais e política

Por Emir Sader.

A primeira geração de intelectuais marxistas foi de dirigentes políticos. Coerentes com a ideia de que a teoria serve para desvendar e transformar a realidade, se valiam das suas análises em função de estratégias concretas de ação.[i]

A separação entre a teoria e a prática política foi, nas gerações seguintes, um fator que afetou profundamente a capacidade de compreensão e de intervenção na realidade.[ii] A esquerda passou a estar marcada por uma teoria sem prática e por uma prática sem teoria. Enquanto a teoria se fechava nos muros das universidades, com formulações intranscendentes do ponto de vista da realidade concreta, a prática ficou presa a itinerários institucionais, a agendas eleitorais, sem horizontes estratégicos e programáticos. 

Mais recentemente, Álvaro García Linera, intelectual boliviano e vice-presidente de Evo Morales, assim como Rafael Correa, sociólogo e presidente do Equador, vieram a destoar desse panorama. É sempre necessário mencionar também Tarso Genro, que no Brasil sempre buscou articular teoria e prática. Mas ainda são minoria.

Nas eleições atuais – e, em particular nesta sua reta final – dois intelectuais brasileiros protagonizam segundos turnos em duas cidades importantes – São Paulo e Campinas – permitindo que assumam cargos em que sua capacidade teórica pode se articular com as responsabilidades de governo que possam assumir.

Não por acaso Fernando Haddad e Marcio Pochman militam em São Paulo – o centro intelectual mais importante do país –, na esquerda e no PT. Foram lançados por Lula, que se dá conta não apenas da necessidade de renovação da esquerda e, em particular, do PT, mas da necessidade de buscar em quadros com capacidade de articular a reflexão com a prática politica, para oxigenar essa renovação.

São Paulo tem, esta semana, a oportunidade única de promover dois importantes intelectuais brasileiros a cargos de governo que podem ajudar a promover as profundas transformações que essas cidades necessitam, mas também contribuir a promover uma renovação da esquerda, que recomponha a articulação essencial entre teoria e prática, entre intelectuais e política.


[i] Ver: SADER, Emir. & JINKINGS, Ivana (orgs.). As armas da critica, Antologia do pensamento da esquerda. Volume I: os clássicos. São Paulo, Boitempo: 2012.

[ii] Ver: ANDERSON, Perry. Considerações sobre o marxismo ocidental. São Paulo, Boitempo: 2004.

***

Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quartas.

1 comentário em Intelectuais e política

  1. professor, sou estrangeiro e estudante emm ciênciais sociais…concordo com você sobre a necessidade de uma articulação entre a prática e a teoria. por falar neles, rafael correa, tarsio genro têm me surpreendido muito com a qualidade de suas intervenções na França isso já se faz há tempo, exemplo: Luc ferry, moscovisci, etc…aliás, me parece que Tarsio genro representa a futura liderança do PT, muito mais do que Haddad por exemplo…

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