Guia de leitura | Trabalho intelectual e manual | ADC#50

Trabalho intelectual e manual
Alfred Sohn-Rethel

Guia de leitura / Armas da crítica #50

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Quem foi
Alfred Sohn-Rethel?

Alfred Sohn-Rethel (1899-1990) foi um economista e filósofo alemão. Nascido em Neuilly-sur-Seine, passou a infância entre a França e a Alemanha. Formou-se na Universidade de Heidelberg, concluindo seu doutorado em 1928.

Seus escritos exerceram grande influência sobre Adorno e Benjamin dada sua proximidade com o círculo de Frankfurt. Envolvido em atividades antinazistas, foi preso pela Gestapo nos anos 1930. Forçado a se exilar, passou mais de três décadas na Inglaterra, onde se filiou ao Partido Comunista da Grã-Bretanha. Em 1978 assumiu a cadeira de professor de filosofia social na Universidade de Bremen, onde permaneceu até o fim da vida.

Trabalho intelectual e manual, publicada pela primeira vez no Brasil pela Boitempo em 2024, é sua principal obra.

Alfred Sohn-Rethel foi o primeiro a chamar a atenção para o fato de que na atividade universal e necessária do espírito, se esconde incondicionadamente trabalho social

THEODOR W. ADORNO


Um materialista rigoroso e consequente

Este livro veio tarde. Seu autor tinha 71 anos quando foi publicado. Por isso, como uma espécie de coruja de Minerva que só levanta voo ao entardecer, Trabalho intelectual e manual apareceu como essas obras que conseguem sintetizar o esforço de toda uma geração. Alfred Sohn-Rethel foi muitas vezes uma espécie de eminência parda da primeira geração da escola de Frankfurt, em especial para Adorno, Benjamin e Kracauer. Seu materialismo consequente e rigoroso lhe permitiu realizar uma das mais impressionantes gêneses materiais do sistema filosófico de ideias da filosofia moderna que conhecemos. Tal reflexão genealógica serve de chave de interpretação para a crítica da razão presente nos momentos mais vigorosos da primeira geração da teoria crítica.

Vladimir Safatle

Professor titular dos Departamentos de Filosofia e de Psicologia da USP. Pela Boitempo, publicou Cinismo e falência da crítica e organizou O que resta da ditadura, com Edson Teles.

A história de Alfred Sohn-Rethel desafia a linearidade com que frequentemente narramos a trajetória de ideias na filosofia e na teoria crítica. Sua marginalização inicial e subsequente redescoberta sugerem que a relevância de um pensamento não depende apenas de sua acomodação institucional imediata, mas também de sua capacidade de ressoar em determinados momentos históricos e políticos.”

BRUNA DELLA TORRE

Coordenadora científica e pesquisadora no Centro Käte Hamburger de Estudos Apocalípticos e Pós-apocalípticos da Universidade de Heidelberg, editora da revista Apocalyptica. Escreve mensalmente no Blog da Boitempo.

O projeto de uma vida inteira

Resultado de quase sete décadas de pesquisa e sujeita a sucessivas revisões, seu início data dos anos 1920, período em que Sohn-Rethel esteve próximo ao círculo dos frankfurtianos, como Theodor Adorno, Walter Benjamin, Siegfried Kracauer e Ernst Bloch, entre os que examinavam questões de dominação política e de exploração econômica, tendo por eixo Marx e o “marxismo ocidental” de György Lukács e Karl Korsch.

Porque só apresentado em livro em 1970, Sohn-Rethel foi lhe acrescentando reflexões que abrangem de Althusser a Habermas. As reedições de 1973 e 1989, por sua vez, trazem alterações que dão ciência dos novos estudos que vinham sendo realizados sobre epistemologia e o pensamento de Marx. Assim, o trabalho de Sohn-Rethel historiciza a si mesmo em meio às transformações econômicas, tecnológicas e sociais da contemporaneidade. É a versão mais recente, consolidada em 1989, que foi traduzida e agora publicada pela Boitempo.

Olgária Matos

Professora titular aposentada da Universidade de São Paulo e professora titular no Departamento de Filosofia da EFLCH-Unifesp, onde coordena a Cátedra Edward Saïd.

“A presente investigação baseia-se na convicção de que a compreensão da nossa época exige uma ampliação da teoria marxista. Essa ampliação não deve se afastar, mas, sim, apronfundar-se no marxismo. Se as questões essenciais da nossa época geram tantas dificuldades, é porque nosso pensamento não é suficientemente marxista e muitas áreas permanecem inexploradas

ALFRED SOHN-RETHEL

Uma questão vital para a teoria e prática

Se as formas de pensamento científico e o aspecto tecnológico das forças produtivas estiverem essencialmente excluídos da perspectiva materialista histórica, (…) então a humanidade de hoje não caminhará para o socialismo, mas para a tecnocracia, para um futuro em que não se controla a técnica, mas somos controlados por ela.

Já na Crítica do programa de Gotha, Marx menciona, entre os pressupostos de uma “fase superior da sociedade comunista”, o desaparecimento da “subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, [d]a oposição entre trabalho intelectual e manual”. No entanto, não será possível entender as condições das quais depende o desaparecimento dessa oposição, sem antes descobrir as origens de sua formação histórica.

Essa oposição é uma das manifestações da alienação, da qual vive a exploração, como a planta vive do nitrogênio.

[TRABALHO INTELECTUAL E MANUAL, p.24-25]

A divisão entre cabeça e mão está intimamente conectada à divisão de classes na sociedade. O modo de produção capitalista seria uma coisa impossível se a fonte da técnica de produção estivesse com os trabalhadores.”

ALFRED SOHN-RETHEL

[TRABALHO INTELECTUAL E MANUAL, p.30]

Quem fala hoje em revolução ou da simples possibilidade de uma ordem comunista poderá ser acusado de absurdo, se não souber de que modo ciência e técnica científica se inserem na história, de onde provêm, qual a origem e a natureza de sua forma conceitual; se não souber, portanto, como a sociedade deve dominar o desenvolvimento da ciência, ao invés de ser dominada e subjugada por ele.”

ALFRED SOHN-RETHEL

[TRABALHO INTELECTUAL E MANUAL, p.47]

Pensamento abstrato tem sua gênese na abstração do valor

A forma mercadoria é abstrata, e em tudo ao seu redor reina a abstração. Em primeiro lugar, o próprio valor de troca é valor abstrato, em contraposição ao valor de uso das mercadorias.

A forma sensível em que aparece o valor da mercadoria, isto é, o dinheiro – seja em moedas de ouro, seja em cédulas –, é uma coisa abstrata e, assim tomada, uma contradição em si. No dinheiro, a riqueza se torna riqueza abstrata, à qual já não se colocam mais limites. Como possuidor de tal riqueza, o próprio homem torna-se homem abstrato, e sua individualidade, a essência abstrata do proprietário privado. Uma sociedade na qual a circulação de mercadorias forma o nexus rerum é, por fim, uma rede de conexões puramente abstrata, na qual todo concreto se encontra em mãos privadas.

Onde o nexus rerum social se reduz à troca de mercadorias, é preciso que as atividades vitais físicas e espirituais sejam esvaziadas, para que nesse vácuo ela crie sua própria rede de socialização.

[TRABALHO INTELECTUAL E MANUAL, p.52 E 59]

“O descuido de Marx com a teoria
do conhecimento resultou na ausência de uma teoria da relação entre trabalho intelectual e trabalho manual, ou seja, num descuido teórico para com uma precondição reconhecida pelo próprio Marx como essencial para a socialização sem classes

ALFRED SOHN-RETHEL

[TRABALHO INTELECTUAL E MANUAL, p.55]

O significado vital da efetividade da abstração do valor

O efeito fundamental da rede de abstrações da troca para a economia na sociedade burguesa é permitir a equiparação entre o trabalho empregado para produzir a mercadoria e o trabalho “morto” nela objetivado. Como fundamento da determinação da grandeza do valor ou como “substância do valor”, o trabalho é propriamente abstrato, é “trabalho humano abstrato” ou trabalho de caráter formal imediatamente social.

Esse é o significado vital da abstração real efetivada na troca para a produção e reprodução da sociedade burguesa, verdadeiramente o ponto central “em torno do qual gira o entendimento da economia política”

Apenas quando essa forma básica de trabalho, que produz mercadorias, for substituída por uma de outro tipo, entrará também em ação outro tipo de economia, independentemente de os homens terem ou não consciência disso.

[TRABALHO INTELECTUAL E MANUAL, p.67-68]

“Não faz parte dos objetivos dessa separação e de sua institucionalização jurídica conferir às ações de troca seu caráter abstrato, mas isso é seu efeito inevitável (…). A consumação da troca põe a abstração em funcionamento, sem que os atores tenham qualquer consciência desse efeito.”

ALFRED SOHN-RETHEL

[TRABALHO INTELECTUAL E MANUAL, p.69]

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A moderna divisão entre cabeça e mão só pode ser superada coletivamente

De antemão, é preciso dizer que a rigor não pode haver nenhum trabalho humano sem que cabeça e mãos operem juntos. O trabalho não é um ato instintivo, animalesco, mas uma ação intencional. Para nós, no entanto, a questão essencial é saber na cabeça de quem já existia idealmente o resultado pretendido do processo de trabalho.

É preciso distinguir se o fim pretendido de um processo de trabalho está idealmente na cabeça daquele que trabalha, ou na cabeça de vários que executam o trabalho conjuntamente, ou senão em uma cabeça estranha, que atribui aos trabalhadores meros fragmentos do processo, absolutamente sem nenhum significado para os executores, pois a finalidade do trabalho lhes foi imposta por outros. Nesse caso, mudam as relações entre cabeça e mão no trabalho.

[TRABALHO INTELECTUAL E MANUAL, p.117-118]

“A separação pessoal entre mão e cabeça ocorre em todo trabalho que tem seus fins determinados por outros. A unidade social de mão e cabeça, ao contrário, é característica da sociedade comunista, seja ela de
tipo primitivo, seja do tipo altamente desenvolvido tecnologicamente. Em oposição a ela está a separação social entre trabalho intelectual e manual, que se estende por toda a história da exploração e assume as mais distintas formas.”

ALFRED SOHN-RETHEL

[TRABALHO INTELECTUAL E MANUAL, p.119]

Leituras complementares

Baixe os conteúdos complementares do mês em PDF!

Este mês trazemos a apresentação de Michael Löwy à Crítica do Programa de Gotha, de Karl Marx, um capítulo de Profanações, de Giorgio Agamben, que fala sobre Sohn-Rethel, e um artigo de Ana Paula Pacheco sobre a figuração do dinheiro na literatura brasileira, publicado na revista Margem Esquerda #40.

Clique nos botões vermelhos abaixo para fazer o download!

Michael Löwy

Prefácio à edição brasileira


Giorgio Agamben

Os ajudantes


Ana Paula Pacheco

Macunaíma estuda o dinheiro

Vídeos

Este mês trazemos o lançamento antecipado do livro com Artur Renzo, Douglas Barros, Elvis Cesar Bonassa e Olgária Matos, um vídeo de Jorge Grespan sobre o fetichismo e outras ilusões reais produzidas pelo modo de promoção capitalista, além da playlist completa do 1° Seminário DE-BRücke de Filosofia Marxista, apresentando o pensamento de três autores contemporâneos a Sohn-Rethel, e com quem o filósofo dialogou.

Para aprofundar…

Compilação de textos, podcasts e vídeos que dialogam com a obra do mês.

Rádio Boitempo: A crítica da economia política em Marx, com Jorge Grespan, abr. 2019.

Class Unity: Reading Alfred Sohn-Rethel on Fascism, Today [em inglês], ago. 2023.

Rádio Boitempo: Megafone #3: Leda Paulani lê O capital, de Marx, com Leda Paulani, ago. 2022.

Rádio Boitempo: Léxico Marx #2: O que é alienação, com Ricardo Antunes, jul. 2022.

O que é valor para Marx, com Michael Heinrich,TV Boitempo.

Trabalho intelectual e manual, com Douglas Barros, Elvis Cesar Bonassa e Olgária Matos, TV Boitempo.

Tempo, trabalho e dominação social, com Moishe Postone, TV Boitempo.

Libros recomendados: A. Sohn-Rethel y lo roto, com Fernando Castro Flórez [em espanhol], Ojo con el arte.

O que é fetichismo da mercadoria?, com Douglas Barros, TV Boitempo.

Um materialista consequente e rigoroso“, por Vladimir Safatle, Blog da Boitempo, dez. 2024.

História da abstração: as maquinações da moeda“, por Olgária Matos, Blog da Boitempo, dez. 2024.

No funeral de Theodor W. Adorno: Alfred Sohn-Rethel e a Teoria Crítica“, por Bruna Della Torre, Blog da Boitempo, nov. 2024.

Trabalho intelectual e trabalho material: a propósito de Alfred Sohn-Rethel“, por Douglas Barros, Blog da Boitempo, mar. 2023.

Será que o dinheiro nos pensa?“, por Anselm Jappe, Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, fev. 2022.

Conceito, valor, imanência: Sohn-Rethel e a formação da ideia de crítica imanente em Adorno“, por Luiz Philipe De Caux, Kriterium, dez. 2021.

Alfred Sohn-Rethel e a técnica napolitana“, por Thiago Ferreira Lion, Cadernos de Filosofia Alemã, jul./dez. 2020.

A edição de conteúdo deste guia é de Carolina Peters e as artes são de Mateus Rodrigues.