Guia de leitura | Repensar Marx | ADC#25

Repensar Marx e os marxismos
Marcello Musto

Guia de leitura / Armas da crítica #25

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Desde o fim dos anos 1980 e após a dissolução da União Soviética, Karl Marx vem sendo considerado por uma parcela da intelectualidade um pensador ultrapassado, condenado ao esquecimento. A crise econômica internacional de 2008, no entanto, trouxe de volta à discussão seu extenso trabalho e sua análise do capitalismo.

Em Repensar Marx e os marxismosMarcello Musto reconstrói, com rigor textual e historiográfico, etapas da biografia intelectual de Marx ainda pouco conhecidas ou mal compreendidas, como sua formação cultural durante a juventude, os estudos de economia política, os primeiros esboços do que viriam a ser os escritos de O capital, assim como a divulgação e a recepção de alguns de seus principais trabalhos como os Manuscritos econômico-filosóficos, o Manifesto comunista e os Grundrisse. O trabalho crítico e inovador realizado por Musto nos apresenta um pensador muito diferente daquele retratado durante todo o século XX por muitos de seus críticos e seguidores.

Além do livro, os assinantes do Armas da crítica recebem neste mês o calendário Boitempo 2023.

autor Marcello Musto
tradução Diego Silveira Coelho Ferreira e outros
orelha Michael Löwy
edição Pedro Davoglio
capa Daniel Justi
diagramação Antonio Kehl
coordenação de produção Livia Campos
páginas 320

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Quem é Marcello Musto?

Marcello Musto nasceu em Nápoles, na Itália, em 1976 e vive em Toronto, no Canadá, onde leciona sociologia na York University. Doutorou-se em filosofia e política pela Universidade de Nápoles (L’Orientale) e em filosofia pela Universidade de Nice (Sophia Antipolis).

É autor de O velho Marx: uma biografia de seus últimos anos (Boitempo, 2018), Another Marx: Early Manuscripts to the International (Bloomsbury, 2018) e Karl Marx. Biografia intelectual e política (Einaudi, 2018). Entre os livros organizados por ele estão Karl Marx’s Grundrisse (Routledge, 2008); Marx for Today (Routledge 2012); Trabalhadores, uni-vos! Antologia política da I Internacional (Boitempo, 2014); Marx’s Capital after 150 Years (Routledge, 2019); The Marx Revival (Cambridge University Press, 2020) e Karl Marx’s Writings on Alienation (Palgrave, 2021); Rethinking Alternatives with Marx (Palgrave, 2021) e Marx and Le Capital (Routledge, 2022). A sua obra foi traduzida mundialmente em vinte e cinco idiomas.

“Marcello Musto é um dos mais importantes estudiosos da obra de Karl Marx, tema sobre o qual publicou diversos livros, traduzidos para inúmeras línguas.”

MICHAEL LÖWY

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Um instrumento precioso na batalha das ideias

Repensar Marx e os marxismos: guia para novas leituras, publicado agora pela Boitempo, contém uma análise da obra marxiana – desde sua tese de doutorado até o encontro com os populistas russos nos seus últimos anos de vida –, bem como ensaios sobre a recepção do marxismo, das polêmicas sobre o “jovem Marx” até o grande debate sobre a questão da alienação, entre outros.

Uma das qualidades deste conjunto é que ele se apoia sobre os recentes volumes da nova edição das obras completas de Marx e Engels, a segunda Marx-Engels-Gesamtausgabe (MEGA²). Musto integra em suas reflexões vários materiais até há pouco inéditos, o que é uma evidente vantagem em relação a trabalhos biográficos anteriores e outras análises críticas dos marxismos. Outra qualidade do método do autor é analisar a obra marxiana como um pensamento em movimento, que se desenvolve por meio de conflitos, polêmicas, contradições e saltos qualitativos. Livros como este são instrumentos preciosos na “batalha das ideias”, que está mais do que nunca na ordem do dia, no Brasil, na América Latina e no mundo.

Michael Löwy

Sociólogo, diretor emérito de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique.

“A cada mil socialistas, talvez apenas um tenha lido alguma obra econômica de Marx; a cada mil antimarxistas, nem sequer um leu Marx.”

BORIS NIKOLAEVSKI e OTTO MAENCHEN-HELFEN

Karl Marx: Man and Fighter

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Aprofundar a biografia de Marx e fornecer um guia

Repensar Marx e os marxismos: guia para novas leituras inclui dez ensaios sobre Marx e os marxismos publicados entre 2005 e 2020. A realização desses textos foi guiada pela convicção adquirida durante o estudo dos materiais, recentemente publicados ou ainda inéditos, da Marx-Engels-Gesamtausgabe (MEGA²) – a nova edição histórico-crítica das obras de Marx e Engels –, de que a pesquisa sobre Marx ainda apresenta muitos caminhos inexplorados e que ele, ao contrário do que normalmente se afirma, não é de fato um autor sobre o qual já se tenha dito ou escrito tudo.

Os textos incluídos neste volume, inicialmente concebidos como capítulos de um livro futuro, respondem à dupla necessidade de aprofundar algumas etapas da biografia intelectual de Marx e evidenciar os limites interpretativos de alguns dos principais comentadores de sua obra e de supostos seguidores de seu pensamento. Conforme indicado no subtítulo, estas páginas também visam fornecer um guia para novas leituras sobre o pensamento de Marx e para as pesquisas que continuam a se desenvolver em torno de suas teorias.

Marcello Musto

“Praticar a cirurgia dos cortes em Marx significa efetuar a ablação daquilo que em seu pensamento se opõe, paralelamente, a qualquer marxismo inquisitivo e a qualquer liberalismo conveniente.

MAXIMILIEN RUBEL

Marx, critique du marxisme

Estudos de formação

Depois de empreender, durante os anos de universidade, intensas pesquisas jurídicas, históricas, literárias e filosóficas – após ter abandonado o percurso delineado pelo pai para se tornar advogado –, e impossibilitado, depois de obter o título doutoral, de empreender a carreira acadêmica, Marx decidiu se dedicar ao jornalismo. Em maio de 1842, escreveu seu primeiro artigo para o diário Rheinische Zeitung [Gazeta Renana], de Colônia, e, de outubro do mesmo ano a março de 1843, tornou-se o jovialíssimo redator-chefe desse jornal.

A necessidade de lidar com a economia política, disciplina que naquela época apenas florescia na Prússia, e a opção por se envolver na política de modo mais direto, logo prevaleceriam em Marx.

Assim, em pouco mais de cinco anos, o estudante oriundo de uma família judia da província alemã se tornaria um jovem revolucionário em contato com os grupos mais radicais da capital francesa. Sua trajetória foi rápida e de longo alcance, mas ainda mais significativa seria aquela que Marx percorreria no futuro próximo.

[REPENSAR MARX E OS MARXISMOS, p.38-39]


Ainda há muito a se aprender com Marx. Hoje é possível fazê-lo não só pelas afirmações contidas nos livros que publicou, mas também pelas questões e dúvidas presentes nos seus manuscritos inacabados.”

[REPENSAR MARX E OS MARXISMOS, p.19]

O encontro com a economia política em Paris

A abertura teórica com que Marx chegou a Paris em 1843 – logo após a experiência jornalística na Rheinische Zeitung [Gazeta Renana] e o abandono do horizonte conceitual do Estado racional hegeliano e do radicalismo democrático do qual havia se aproximado – foi abalada pela visão concreta do proletariado. A incerteza gerada pela atmosfera problemática da época, que observava a rápida consolidação de uma nova realidade econômico-social, dissolveu-se logo no contato, tanto no plano teórico quanto no da experiência vivida, com a classe trabalhadora parisiense e suas condições de trabalho e de vida.

A descoberta do proletariado e, por meio dele, da revolução; a adesão, embora ainda de forma hesitante e um tanto utópica, ao comunismo; a crítica à filosofia especulativa de Hegel e à esquerda hegeliana; o primeiro esboço da concepção materialista da história e o pontapé inicial da crítica da economia política são o conjunto de temas fundamentais que Marx amadureceu durante esse período.

[REPENSAR MARX E OS MARXISMOS, p.42]


“É preciso reconstruir a gênese, as dívidas intelectuais e as conquistas teóricas dos trabalhos de Marx, destacando a complexidade e a riqueza de uma obra que ainda hoje dialoga com todo o pensamento crítico de nosso tempo.”

[REPENSAR MARX E OS MARXISMOS, p.56]

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O mito do “jovem Marx”

Ao contrário das interpretações que propuseram a existência e a especificidade de um Marx “jovem”, e daquelas que quiseram forçosamente ver uma ruptura teórica em sua obra, as leituras mais incisivas dos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 foram as que tiveram a capacidade de considerar esse texto como uma interessante, mas inicial, parcela de seu caminho crítico.

Se Marx não tivesse continuado suas pesquisas e se sua concepção tivesse permanecido presa aos conceitos dos manuscritos parisienses, ele provavelmente teria sido relegado, ao lado de Bauer e Feuerbach, aos parágrafos dedicados à esquerda hegeliana dos livros didáticos de história da filosofia. Décadas de militância política, estudos ininterruptos e reelaborações críticas contínuas de centenas de volumes de economia política, história e inúmeras outras disciplinas, fizeram do jovem estudioso de 1844 uma das mentes mais brilhantes da história da humanidade e também tornaram as primeiras etapas de seu progresso teórico, entre as quais se destacam os Manuscritos econômico-filosóficos de 1844, tão importantes para estimular gerações inteiras de leitores e estudiosos.

[REPENSAR MARX E OS MARXISMOS, p.97]

Sublinhar a indubitável importância dos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 para melhor compreender a elaboração do pensamento de Marx não pode levar a ignorar os enormes limites desse esboço inicial, no qual ele apenas começava a assimilar os conceitos básicos de economia política e em que sua concepção do comunismo nada mais era do que uma confusa síntese dos estudos filosóficos realizados até então.”

[REPENSAR MARX E OS MARXISMOS, p.96]

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Os Grundrisse

Em anos mais recentes, e em particular após a crise financeira de 2008, a capacidade contínua das obras de Marx de explicar e criticar o modo capitalista de produção tem renovado o interesse por parte de diversos especialistas internacionais. Deste ponto de vista, os Grundrisse estão certamente entre os seus textos mais densos e estimulantes.

Neles, de fato, o importante papel histórico atribuído ao capitalismo, a função que ele desempenha para o desenvolvimento das forças produtivas, para a socialização da produção e para a criação de uma sociedade cosmopolita, é delineado de modo perspicaz e junto com uma crítica radical de suas características intrínsecas, que constituem obstáculos intransponíveis para uma emancipação humana mais completa. Além disso, os Grundrisse têm um valor extraordinário porque contêm inúmeras observações sobre temas que seu autor não conseguiu desenvolver em mais nenhuma outra parte de sua obra inacabada. Entre esses temas, são particularmente relevantes aqueles que descrevem as relações produtivas e sociais da  sociedade comunista, que ele acreditava que viria a substituir a sociedade capitalista.

[REPENSAR MARX E OS MARXISMOS, p.176]

“Se a redescoberta de Marx continuar a ter um percurso sério entre os que começaram a lê-lo e os que retomaram suas leituras, e se, do ponto de vista político, for adiante a exigência de enfrentar novamente seu pensamento, os Grundrisse, ainda que fragmentários e, em boa medida, carentes em relação a O capital, poderão ser colocados como um dos escritos de Marx mais capazes de chamar a atenção de estudiosos e militantes.”

[REPENSAR MARX E OS MARXISMOS, p.176]

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A escrita de O capital

Embora o ritmo tenha sido menos intenso do que antes – por causa do estado precário de sua saúde e porque ele precisava ampliar seu conhecimento em algumas áreas –, Marx continuou a trabalhar em O capital durante os últimos anos de sua vida. Em 1875, escreveu outro manuscrito para o Livro III, intitulado “Relação entre taxa de valor excedente e taxa de lucro desenvolvida matematicamente” e, entre outubro de 1876 e início de 1881, preparou novos rascunhos de seções do Livro II.

Algumas de suas cartas indicam que, se tivesse sido capaz de alimentar os resultados de sua incessante pesquisa, ele teria atualizado o Livro I também. O espírito crítico com o qual Marx compôs sua magnum opus revela quão distante ele estava do autor dogmático que a maioria de seus adversários e muitos autodeclarados discípulos apresentaram ao mundo.

[REPENSAR MARX E OS MARXISMOS, p.211]

“Que Marx surge a partir da nova edição histórico-crítica de sua obra? Definitivamente, um Marx diferente daquele representado, por muito tempo, por seus seguidores e adversários. O perfil granítico da estátua, que, em tantas praças dos regimes fechados do Leste europeu, o retratava apontando, com dogmática certeza, para o futuro, é hoje substituído por aquele de um autor que deixou incompleta grande parte de seus escritos para se dedicar, até sua morte, a estudos posteriores que confirmassem a validade de suas próprias teses.”

[REPENSAR MARX E OS MARXISMOS, p.314]

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A odisseia da publicação dos escritos de Marx

Poucos homens abalaram o mundo como Karl Marx. À sua morte seguiu-se imediatamente, com uma velocidade poucas vezes vista na história, o eco da fama. Muito cedo, o nome de Marx estava na boca dos trabalhadores de Detroit e Chicago, assim como dos primeiros socialistas indianos, em Calcutá. Sua imagem foi o pano de fundo do congresso dos bolcheviques, em Moscou, logo após a revolução. Seu pensamento inspirou programas e estatutos de todas as organizações políticas e sindicais do movimento operário, do conjunto da Europa até Xangai. Suas ideias viraram de ponta-cabeça a economia, a política, a filosofia e a história.

Mesmo assim, em que pese a afirmação de suas teorias, transformadas ao longo do século XX em ideologia dominante e doutrina de Estado por uma parte significativa da humanidade, e malgrado a enorme difusão de seus escritos, até os dias de hoje suas obras não receberam uma edição integral e científica. A razão principal dessa particularíssima condição reside em seu caráter de incompletude.

[REPENSAR MARX E OS MARXISMOS, p.283]

“Da redescoberta de sua obra, ressurge a riqueza de seu pensamento, problemático e polimorfo, e o horizonte ao longo do qual a pesquisa sobre Marx ainda tem muitos caminhos a percorrer.”

[REPENSAR MARX E OS MARXISMOS, p.314]

Leituras complementares

Baixe os conteúdos complementares do mês em PDF!

Este mês trazemos um documento da I Internacional presente no livro Trabalhadores, uni-vos!, um capítulo de O velho Marx, de Marcello Musto e o epílogo de Marx: uma biografia, de José Paulo Netto.

Clique nos botões vermelhos abaixo para fazer o download!

Karl Marx

Mensagem inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores


Marcello Musto

A última viagem do mouro


José Paulo Netto

Epílogo, prólogo

Vídeos

Este mês trazemos o lançamento antecipado do livro, com a participação de Marcello Musto, José Paulo Netto e Virgínia Fontes, além da série “O último Marx” e de um vídeo sobre a atualidade de Marx, ambos com Marcello Musto.

Para aprofundar…

Uma compilação de textos, podcasts e vídeos que dialogam com a obra do mês.

KPFA – Letters and Politics: Karl Marx’s Final Years [em inglês], ago. 2022.

Alta Voz: 200 anos de Engels: Sobre as contribuições e limites do “Segundo Violino”, com Marcello Musto, fev. 2021.

Festival Filosofia: Il Capitale di Marx, com Marcello Musto [em italiano], set. 2016.

Ontocast: #03 Marxismo e Antropologia, com Gabriel Carvalho, Ícaro Batista, Lucas Parreira Álvares e Matheus Almeida, fev. 2020.

Marx, Bakunin e a Associação Internacional dos Trabalhadores, com Marcello Musto, TV Boitempo.

Marx e o colonialismo, com Marcello Musto, TV Boitempo.

Por que Marx decidiu aprender russo no final da vida?, com Marcello Musto, TV Boitempo.

Marx e as sociedades pré-capitalistas, com Marcello Musto, TV Boitempo.

Movimentos sociais e políticas governamentais, com Marcello Musto e Guilherme Boulos, TV Boitempo.

El último Marx, com Marcello Musto [em espanhol], Escuela de Cuadros.

Grundrisse, com Marcello Musto [em espanhol], Escuela de Cuadros.

Karl Marx’s Final Years, com Marcello Musto [em inglês], Letters & Politics.

Um instrumento precioso na batalha das ideias“, por Michael Löwy, Blog da Boitempo, 2022.

Quando Marx traduziu O Capital para o francês“, por Marcello Musto, Blog da Boitempo, 2022.

Para Marx, a alienação era central para a compreensão do capitalismo“, por Marcello Musto, Jacobin Brasil, 2022.

A atualidade do velho Marx: uma entrevista com Marcello Musto“, por Nicolas Allen, Jacobin Brasil, 2021.

O velho Marx, de Marcello Musto: por que essa biografia merece ser lida“, por Lucas Parreira Álvares, Blog da Boitempo, 2018.

Leiam Karl Marx!“, Musto entrevista Wallerstein, Blog da Boitempo, 2018.

A edição de conteúdo deste guia é de Isabella Meucci e as artes são de Uva Costriuba.