Guia de leitura | O que é identitarismo? | ADC#49

O que é identitarismo?
Douglas Barros
Guia de leitura / Armas da crítica #49
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Na última década, um termo tem se proliferado de maneira espantosa no discurso político. Moralmente carregado, é lançado a torto e a direito em disputas de internet, mesas de bar, espaços acadêmicos e palanques políticos (geralmente em tom de acusação).
Mas, afinal, O que é identitarismo?
Neste livro, Douglas Barros propõe uma interpretação original do fenômeno. Trata-se, sobretudo, de uma forma de gestão da vida social contemporânea que engole esquerda e direita. Articulando filosofia, teoria social e psicanálise, o autor apresenta uma análise valiosa que reconhece a necessidade histórica das lutas rotuladas como “identitárias”, sem perder de vista as disputas a que estão sujeitas no atual estágio de acumulação capitalista e o modo como têm sido capturadas.
Além de marcador e adesivo, os assinantes do clube recebem um pôster (A3) com O programa de 10 pontos do Partido dos Panteras Negras e o livreto Tempos de exceção, com entrevista de Paulo Arantes!
autor Douglas Barros
prefácio Rita von Hunty
orelha Deivison Faustino
quarta capa Christian Dunker e Maíra Moreira Marcondes
edição Artur Renzo
preparação Gabriela Marques Rocha
coordenação editorial Thais Rimkus
coordenação de produção Juliana Brandt
assistência editorial Marcela Sayuri
assistência de produção Livia Viganó
revisão Thaís Nicoleti
capa Matheus Rodrigues
diagramação Antonio Kehl
páginas 208


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Quem é Douglas Barros?
Douglas Barros é psicanalista, participa do Fórum do Campo Lacaniano e professor do Instituto D’alma de formação e extensão em psicanálise. Doutor em ética e filosofia política pela Unifesp, é professor filiado ao Laboratório de Experiências Coloniais Comparadas do Instituto de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) e integrante do ÍMPAR – Laboratório de Estudos Críticos da Família, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
(FFLCH-USP).
É também autor de Lugar de negro, lugar de branco? Esboço para uma crítica à metafísica racial (Hedra, 2019), Hegel e o sentido do político (LavraPalavra, 2022) e Guy Debord: antimanual de leitura (sobinfluencia, 2023), além de três romances.
“Este livro trata o identitarismo como um sintoma do século XXI. Para tanto, remonta-o, porém, à emergência de uma forma de gestão da vida social nascida nos anos 1970, quando as grandes esperanças do progresso moderno se viram frustradas pelo desmonte do welfare state.”
DOUGLAS BARROS


Uma análise à altura de um debate novo
O que é identitarismo? Para Douglas Barros,
uma forma de gestão neoliberal das identidades sociais, outrora reprimidas e/ou subversivas, em uma sociabilidade pautada pela desesperança com as promessas modernas e universalistas de progresso.
O identitarismo, como uma das expressões da razão neoliberal, é o crime mais que perfeito: permite gerir a crise do capital com base na captura da identidade e da diferença a partir da desidratação de qualquer horizonte de ruptura radical. Sem conseguir visualizar o futuro nem o comum possível, em um cenário de desagregação social e subjetiva,
resta fecharmo-nos em bolhas (algorítmicas) hipernarcisistas e competitivas de acolhimento, ressentimento e gozo de uma representatividade vazia. Até que a própria bolha estoure outra vez. E assim sucessivamente, em infinitas fragmentações fratricidas.
Deivison Faustino
Doutor em sociologia e autor de Colonialismo digital.
“O identitarismo é ao mesmo tempo superestimado como força de transformação política e subestimado como efeito sintomático, retardado e persistente do neoliberalismo colonial. Este é o eixo da análise feita aqui por Douglas Barros, um dos mais lúcidos e promissores intelectuais da nova esquerda.”
CHRISTIAN DUNKER
Psicanalista e professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Publicou pela Boitempo Mal-estar, sofrimento e sintoma (2015) e Lacan e a democracia (2022).


Esforço conceitual e militante de enfrentar questões
Por que será, então, que se tornou tão comum ver e ouvir críticas aos “identitários”? Por que os conservadores e reacionários têm dirigido tanta energia contra esses movimentos e por que setores autointitulados “tradicionais” das esquerdas têm adjetivado tudo aquilo que lhes desagrada ou lhes escapa à compreensão de “pós-moderno” e “identitário”?
Neste livro, Douglas Barros oferece, de forma generosa, didática e minuciosa, tanto um caminho para a compreensão do que são as identidades políticas e o dito “identitarismo” quanto uma possibilidade de resposta às perguntas que levantei aqui.
Rita von Hunty
Persona drag do ator e professor Guilherme Terreri, mantém o canal Tempero Drag no YouTube.
“Obra fundamental para pensar a ação política em nossa época. Além de desembaraçar a identidade do identitarismo, Douglas Barros não se furta a colocar novas questões.
Longe de pôr uma pá de cal no debate, o autor faz um rigoroso retorno à noção de identidade trazendo suas consequências máximas: é a crítica que torna a identidade algo vivo, passível de transformar a realidade social.“
MAÍRA MARCONDES MOREIRA
Doutora pela PUC Minas, é autora de Fins do sexo: como fazer política sem identidade (Autonomia Literária, 2022), entre outros livros.


Uma abordagem original do fenômeno, voltada para não especialistas
A pretensão, aqui, é tratar desse problema sem buscar uma solução definitiva, é oferecer ao leitor um mapa introdutório. O tom de apresentação, todavia, não inviabiliza minha hipótese: o identitarismo é a eliminação da política real mediada pela ruptura com a modernidade clássica (1850 a 1970).
Antes que conservadores mostrem os dentes:
o identitarismo não é um ato consciente, deste ou daquele movimento social, não se trata de uma escolha, deste ou daquele indivíduo racializado ou fora da normatividade de gênero, mas de um fenômeno ligado às formas de gestão da vida social no capitalismo de crise.
[O QUE É IDENTITARISMO?, p.21-22]
“Enquanto racionalidade, o neoliberalismo oblitera a política em nome da gestão. A identidade se reconstituirá à sombra das necessidades administrativas dele, e o Estado, que se torna um manager, precisará criar regras claras tanto para balizar a concorrência como para evitar qualquer conflituosidade política. A judicialização da vida social será fundamental e as identidades – evidentemente organizadas a partir da lógica do mercado – entrarão na
ordem do dia.”
DOUGLAS BARROS
[O QUE É IDENTITARISMO?, p.27]


Ilusão necessária ou delírio identitário?
No célebre Futuro de uma ilusão (…), Freud deixou um diagnóstico que ultrapassou suas próprias intenções e nos entregou a diferenciação entre ilusão e delírio.
A busca da identidade, entendida como uma ilusão, pode ser lida como aquilo que impulsiona o indivíduo rumo à identificação com o outro a partir do desejo de estancar sua incompletude, que, por sua vez, vem da negação imposta na relação com o mundo. Esse processo de busca é o que dá sentido à ação do indivíduo.
Se a ilusão é necessária e produtiva, o mesmo não pode ser dito do delírio. Como nos lembra Freud, “o essencial no delírio é a contradição com a realidade”. O delírio se subtrai à realidade e já não captura distâncias entre o desejo e sua possibilidade de realização.
Assim, enquanto o processo de identificação pela busca de identidade é uma ilusão necessária (…), o identitarismo é um delírio: nele se julga já ter encontrado o objeto, e, portanto, o outro, a diferença, é sempre uma ameaça.
[O QUE É IDENTITARISMO?, p.24-25]
“Na fluidez do capitalismo tardio, as pessoas se veem obrigadas a desenvolver identidades fragmentadas como resposta possível à quebra de laços que corrói a relação com a alteridade. Todos esses delírios de encontro consigo próprio numa redução narcisicamente orientada acabam na massificação do indivíduo, que abandona sua subjetividade em nome do rebanho”
DOUGLAS BARROS
[O QUE É IDENTITARISMO?, p.26]


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A identidade racial é uma disputa
Guiada pela emergência da modernização e articulada a partir do nascimento das novas formas de sociabilidade [capitalista], a ideia de raça oferece uma identidade que coisifica o outro, porém ainda necessita de uma legitimação que dê subterfúgios para a administração da colônia. Tal legitimação começa com a religião, mas é na ciência que se estabiliza, naturalizando-se.
O preço cobrado pela racialização da identidade
foi, então, o de reduzir toda a complexidade do humano não europeu à forma discursiva útil para a gestão colonialista: o outro se torna objeto do discurso, perde sua humanidade e seu princípio de individualização. Ao reduzir a complexidade subjetiva à identificação, esse dispositivo identitário transforma o outro racializado em objeto, tolhendo suas possibilidades.
[O QUE É IDENTITARISMO?, p.56]
“A reconstrução da identidade
por parte dos racializados repõe a abertura, a criação e a edificação de novos imaginários que suspendem a ontoepistemologia moderna. Isso nos serve para ilustrar como a identidade cultural se transfigura à sombra da história.
A possibilidade de recriação da identidade descortina um esforço fundamental: a identidade é algo em processo, não é fixa nem fechada. É isso o que parece permitir a fuga do legado colonial.”
DOUGLAS BARROS
[O QUE É IDENTITARISMO?, p.62-63]


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De Hayek ao identitarismo:
o ser concorrencial
A mão invisível do mercado cede espaço para os marcos regulatórios que dinamizam os caminhos pelos quais a economia deve seguir. Tais marcos são fundamentais para a apreensão das identidades como forma de projeção mercadológica. A sutileza hayekiana é transformar todos nós em entidades ativas do mercado e o Estado num agente gerencial na regulamentação da concorrência.
Se a concorrência se sagra como método superior de organização da sociabilidade, cabe ao Estado criar condições para torná-la efetiva, não substituí-la por métodos ineficazes de coordenação de esforços individuais. O Estado torna-se, num único movimento, gestor e empresário. Se o sujeito, implicado na dinâmica mercadológica, é incompleto e detém um saber parcial sobre o mundo, a melhor chance de encampar sua ação é construir um terreno competitivo de regras claras. O mercado, portanto, é o espaço mais propício ao livre desenvolvimento da completude desse ser concorrencial.
Eis a realização do neoliberalismo como o novo espírito do velho capitalismo. É aqui que a noção de sujeito moderno, esvaziado de qualquer tensão, se encontra com o sujeito automático do capital.
[O QUE É IDENTITARISMO?, p.102-103]
“Hayek funda uma noção de sujeito própria a uma ontologia empreendedora. Essa cosmovisão projeta uma epistemologia, organiza um imaginário que irá popularizar-se em escala global reconstituindo o apego apaixonado ao grupo imaginariamente constituído e identificado. O mercado torna-se espírito, e a razão, sua mediadora, desde que se acerque da parcialidade dele.”
DOUGLAS BARROS
[O QUE É IDENTITARISMO?, p.108]


Crise do capital e desconstrução das identidades
A novidade do século XXI é que, no estágio atual das forças produtivas, no qual o capitalismo se torna um capitalismo de crise, o identitarismo se reatualiza e passa a operar o horizonte da “política”. Reatualizada pelas crises no mundo do trabalho e da noção de progresso, a gestão identitária da diferença marca o novo quadro da relação entre a sociedade civil e o Estado.
É nesse registro que o identitarismo se torna horizonte comum: acercado do aparato jurídico, o mercado global impõe, por meio da noção de concorrência universal, desempenho, eficácia e
rentabilidade à administração geral da vida social. Tudo sustentado pela degradação do mundo do trabalho, pela corrosão do Estado nacional e pelo apelo egoísta à sobrevivência. O paradoxo
é que a identidade – ligada à história de populações excluídas – foi desconstruída para ser assumida pelo processo de gestão, que, por sua vez, é o ápice de uma recolonização que substitui a herança histórica pela integração às formas de mercado.
[O QUE É IDENTITARISMO?, p.144-145 e 152-153]
“O ativismo em torno da identidade se torna, assim, um ativismo de sobrevivência que muitas vezes se vê reduzido à máscara da representatividade democrático-liberal, legitimando o conteúdo ideológico da gestão por meio do apego à resiliência. Seu sintoma é agudo porque todo o campo da política se reduziu à representação identitária.”
DOUGLAS BARROS
[O QUE É IDENTITARISMO?, p.154]


Extrema direita, o “filho bastardo” da gestão identitária da diferença
Com a crise estrutural do capitalismo, ficou escancarada a lógica excludente da falsa universalidade do direito. O resultado, no entanto, em vez de pôr em xeque as bases do capital, foi a passagem para um paradigma de combate ativo dos elementos potencialmente explosivos dessa equação por meio da implementação de uma rede legal para identificar os problemas específicos de cada grupo. Assim, poderíamos dizer que o filho bastardo das chamadas “políticas de identidade”, utilizadas como debeladoras de insurreição que inviabiliza qualquer gesto político, foi o fortalecimento de um campo de extrema direita forjado pela lógica concorrencial e pelo espírito sagrado de honra e, principalmente, de sacrifício.
[O QUE É IDENTITARISMO?, p.189]
“Sejamos realistas: implodamos o espaço da identificação.
Não se trata de fazer Palmares de novo, mas sim de fazer um novo Palmares.”
DOUGLAS BARROS
[O QUE É IDENTITARISMO?, p.190]


Leituras complementares
Baixe os conteúdos complementares do mês em PDF!
Este mês trazemos a entrevista “Tempos de exceção”, com Paulo Arantes, um capítulo de Nancy Fraser, em Destinos do feminismo, e um trecho dos Escritos políticos de Frantz Fanon.
Clique nos botões vermelhos abaixo para fazer o download!
Paulo Arantes
“Tempos de exceção”
Nancy Fraser
Política feminista na era do reconhecimento: uma abordagem bidimensional para a justiça de gênero
Frantz Fanon
“A consciência revolucionária argelina”

Vídeos
Este mês trazemos o lançamento antecipado do livro com Douglas Barros e Rita von Hunty, além de entrevistas do autor da caixa do mês ao Opera Mundi e ao quadro “Provocação histórica”, do ICL Notícias, para se aprofundar no tema.

Para aprofundar…
Compilação de textos, podcasts e vídeos que dialogam com a obra do mês.

Colonialismo digital: por uma crítica hacker-fanoniana, de Deivison Faustino e Walter Lippold
Escritos políticos, de Frantz Fanon
Camarada, de Jodi Dean
Destinos do feminismo: do capitalismo administrado pelo Estado à crise neoliberal, de Nancy Fraser
Raça, nação, classe: as identidades ambíguas, de Étienne Balibar e Immanuel Wallerstein
O novo tempo do mundo: e outros estudos sobre a era da emergência, de Paulo Arantes
Margem Esquerda #29 | Lutas indígenas
Margem Esquerda #33 | LGBT

Opera Mundi: O que é identitarismo?, com Douglas Barros, nov. 2024.
Rádio Boitempo: Conversas camaradas #12: Luta anticolonial e democracia, com Juliana Borges e Walter Lippold, nov. 2023.
Rádio Boitempo:
Megafone #10: Walter Lippold lê COLONIALISMO DIGITAL, set. 2023
Filosofia Pop: #123 – Achille Mbembe, com Douglas Barros, set. 2022.

Democracia e identitarismos,
com Helena Silvestre, Marcela Soares e Preta Ferreira, TV Boitempo.
Capitalismo e racismo: uma análise estrutural, com Douglas Barros, TV Boitempo.
O que é identitarismo burguês?, com Virgínia Fontes, TV Boitempo.
O que é identidade para quem foi racializado?, com Douglas Barros, Casa do saber.
Capitalismo, reprodução social e a luta feminista, com Nancy Fraser, TV Boitempo.
Os escritos políticos de Frantz Fanon, com Douglas Barros, TV Boitempo.

“Por que a esquerda
não entende o identitarismo?“, por Douglas Barros, Blog da Boitempo, out. 2024.
“Identitarismo, minorias e derrotas eleitorais“, por Luis Felipe Miguel, Blog da Boitempo, nov. 2024.
“Crítica à crítica do identitarismo“, por Douglas Barros, Blog da Boitempo, out. 2024.
“Precisamos de camaradagem“, por Jodi Dean, Blog da Boitempo, jun. 2024.
“O socialismo de Nancy Fraser para superar o ‘identitarismo’“, por Ronaldo Tadeu de Souza, Blog da Boitempo, fev. 2024.
“5 filmes para pensar o identitarismo criticamente“, por Douglas Barros, Blog da Boitempo, out. 2024.
A edição de conteúdo deste guia é de Carolina Peters e as artes são de Mateus Rodrigues.


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