Guia de leitura | Entrevistas | ADC#62

Entrevistas
Karl Marx e Friedrich Engels

Guia de leitura / Armas da crítica #62

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Quem foi Karl Marx?

Filósofo alemão, Karl Marx é pai do socialismo científico, também conhecido como marxismo. Seus trabalhos influenciaram diversas áreas do saber humano, como a sociologia, a economia, a filosofia, a história, a crítica literária, o urbanismo e a psicologia. A Boitempo tem publicado suas obras, individuais e em parceria com Friedrich Engels, a partir de novas traduções feitas diretamente dos originais em alemão. Os livros da coleção Marx-Engels têm se tornado referência obrigatória para os interessados em seu legado. 

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Quem foi
Friedrich Engels?

Friedrich Engels é, junto com Karl Marx, o fundador do marxismo. Filho de família afluente, trabalhou na indústria desde jovem, primeiro em sua cidade natal, e depois em Manchester, à época capital industrial do mundo. Ali, abandonou a doutrina pietista recebida dos pais e aderiu ao comunismo, compromisso que não apenas manteria durante toda a sua vida, mas que o transformaria em um dos autores mais importantes da história do século XIX. Além de ser coautor, com Marx, de obras clássicas como A ideologia alemã e Manifesto Comunista, escreveu diversos artigos e livros, dentre os quais se destacam A situação da classe trabalhadora na InglaterraA origem da família, da propriedade privada e do Estado e Anti-Dühring, todos publicados pela Boitempo.

Marx e Engels diante das lutas do seu tempo

O que este livro nos mostra é o Marx dirigente político em sua própria época. Suas entrevistas desenham um retrato de alguém que gozava de reconhecimento, mesmo que sua obra ainda não tivesse a difusão que ganharia depois. Já se via nele o brilhante teórico ligado à ação política da classe trabalhadora.

Por sua vez, Engels — considerado por mais de uma razão “o primeiro marxista” e tantas vezes estigmatizado dentro do próprio marxismo — desempenhou papel crucial não só no desenvolvimento e na difusão do materialismo histórico, mas também na liderança do movimento operário. Seu lugar de proa fica evidente no vibrante otimismo com que fala, nas entrevistas aqui publicadas, das lutas de seu tempo.

Lincoln Secco

Professor de História Contemporânea na USP. Publicou pela Boitempo a biografia de Caio Prado Júnior (2008), pela Coleção Pauliceia. É organizador, com Luiz Bernardo Pericás, da coletânea de ensaios Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados (2014), e um dos autores do livro de intervenção da Boitempo inspirado em Junho de 2013, Cidades rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil (2013).

“A erudição espantosa de Marx e Engels ressalta em todos os momentos. Mas o que chama atenção é o traço humano, o humor e a esperança na revolução.”

LINCOLN SECCO

Marx, confrontado por jornalistas e militantes, reafirma a autonomia do movimento dos trabalhadores, rejeitando tanto o dogmatismo quanto o personalismo.

Engels, por sua vez, em cenário de ascensão do socialismo europeu, expressa um otimismo fundamentado na força organizativa do proletariado e no amadurecimento político das massas.”

NOTA DA EDIÇÃO

Registros raros de Marx e Engels

A despeito da proeminência de Karl Marx e de Friedrich Engels como figuras públicas do movimento dos trabalhadores, ao longo do século XIX – e sobretudo desde a década de 1860 – foram poucas as entrevistas que ambos concederam.

Marx é interpelado ora de modo laudatório, ora de maneira desabonadora; em cada um dos os casos, responde demarcando a autonomia dos trabalhadores e do movimento tanto diante do interlocutor que o enxerga como um oráculo quanto daquele que o acusa de conspirador ou manipulador. Engels, por sua vez, concede entrevistas já depois da morte de Marx, em um momento de maior força e organização do movimento de trabalhadores – particularmente na Alemanha –, e, embora seus diagnósticos não percam de vista uma perspectiva realista, ele expressa seu otimismo quanto ao futuro do socialismo, diante de interlocutores, mesmo conservadores, impactados pelo ascenso do movimento.

Murilo van der Laam

Doutor em Sociologia pela Unicamp. Em 2017, foi pesquisador visitante na Universidade de Oldemburgo, Alemanha. Integrante do grupo de pesquisa Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses e do conselho editorial da coleção Mundo do trabalho, da Boitempo, ambos sob a coordenação do prof. Ricardo Antunes.

“Para o materialismo histórico-dialético não são indivíduos ou ideias isoladas que viram o mundo de cabeça para baixo, mas a ação coletiva que se organiza a partir das contradições imanentes à realidade social.

Essa tradição inspirou revolucionários no mundo todo por mais de um século e permanece como teorização fundamental para aquilo que, ainda hoje, e cada vez mais, urge: construir um mundo para além do capital.”

MURILO VAN DER LAAM

Marx fala sobre o movimento sindical

Os sindicatos são as escolas que formam para o socialismo. Nos sindicatos, os trabalhadores se educam para serem socialistas, porque ali lhes é apresentada diariamente a luta contra o capital.

A maior parte da massa dos trabalhadores compreendeu que sua condição material tem de ser melhorada, não importando a que partido eles pertencem. Se a condição material do trabalhador melhorar, ele poderá se dedicar mais à criação de suas crianças (…), ele próprio poderá cultivar mais seu espírito, cuidar mais do seu corpo; ele, então, se tornará socialista sem se dar conta disso.

O órgão de comunicação do sindicato é justamente o elemento aglutinador, no qual as diferentes opiniões a favor ou contra devem ser verbalizadas (…); esse órgão jamais poderá ser propriedade de uma só pessoa, mas, para cumprir a sua finalidade, deverá ser propriedade da totalidade. Essa é uma das primeiras condições fundamentais para que os sindicatos venham a florescer.

[ENTREVISTAS, p. 17-18]

Marx ainda nos aconselhou a jamais nos amarrar a pessoas, mas ter em vista a causa e formar nosso juízo de acordo com ela. ‘O senhor não deve se importar com a minha pessoa; a causa é a única coisa verdadeira.

Só posso concordar inteiramente com essa declaração.”

JOHANN H. W. HAMANN

Contra os detratores, Marx explica o que é a Internacional

A Associação Internacional dos Trabalhadores não é propriamente um governo para a classe trabalhadora em geral. Ela é um vínculo de união, em vez de uma força controladora.

Sua finalidade é a emancipação econômica da classe trabalhadora mediante a conquista do poder político. O uso desse poder político para a consecução de fins sociais.

Ela não dita a forma dos movimentos políticos; ela exige apenas um comprometimento com sua finalidade. Ela constitui uma rede de sociedades afiliadas espalhadas por todo o mundo do trabalho. Em cada parte do mundo se apresenta algum aspecto específico do problema e os próprios trabalhadores daquele lugar o tomam em consideração à sua maneira.

[ENTREVISTAS, p. 23]

“Descendo às profundezas da linguagem e subindo às alturas da ênfase, durante um intervalo de silêncio, interroguei o revolucionário e filósofo com estas palavras fatais: ‘O que é/existe?‘, ao que Marx respondeu, em tom profundo e solene: ‘Luta!’

JOHN SWINTON

correspondente do jornal The Sun

“A Alemanha ingressa numa das fases mais graves da sua história, mas acrescento de imediato que nós, socialistas, nada temos a temer da situação; pelo contrário, tiraremos grande vantagem.”

FRIEDRICH ENGELS

entrevista ao jornal Le Figaro, 1893

Guerra e revolução

Em um ponto as previsões de Engels feitas ao Le Figaro não se concretizaram. Na ocasião, ele afirmara que os créditos de guerra não seriam aprovados, dada a atuação da oposição e, sobretudo, graças ao rechaço popular. Em julho, porém, após as eleições, seu diagnóstico na entrevista ao Daily Chronicle é outro: a oposição havia colapsado, e agora as pretensões do governo de ampliar o orçamento militar se cumpririam.

Mais de duas décadas depois, em um cenário distinto, seria novamente a questão da ampliação do orçamento militar alemão que marcaria o destino do Partido Social-Democrata e da Segunda Internacional, que Engels ajudara a fundar. Agora, em vez de rejeitá-los, o partido votava a favor dos créditos e da autorização para o financiamento do esforço militar, contribuindo para abrir caminho à guerra generalizada na Europa, da qual falara Engels.

Da tragédia absoluta que então se instaurou, emergiria o mais importante processo revolucionário marxista do século XX: não na Alemanha, apesar da força de seu movimento de trabalhadores, mas na Rússia devastada pela guerra, onde os bolcheviques levaram adiante, de modo inaudito até então, o legado de Marx e Engels.

[Apresentação de Murilo van der Laan a ENTREVISTAS, p. 13]

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Conselhos de Engels aos camaradas russos

“Para Engels, o povo sabe encontrar porta-vozes eloquentes para as suas necessidades e aspirações etc. Ele entende que, uma vez iniciada, essa reorganização, ou revolução, não pode ser interrompida por nenhuma força. Por isso, o que importa é: derrotar a força funesta da paralisia, arrancar por um momento o povo e a sociedade de seu estado de inércia e imobilidade, produzir tamanha desordem que obrigue o governo e o povo a se dedicarem à reorganização interna, que agite a tranquila maré popular e que desperte a atenção e o entusiasmo nacionais pela causa da completa reorganização social. E eis que os resultados virão por si mesmos e são aqueles que são possíveis, desejáveis e exequíveis em uma determinada época.”

Carta de Guérman Aleksándrovitch Lopátin a Maria Nikolaevna Oshánina

[ENTREVISTAS, p. 84-85]

Relato de um encontro

“Lembro muito bem que minha primeira impressão, ao ver Marx, foi esta: como ele é parecido com o seu retrato! (…) Sentia-se de imediato, em todos os seus movimentos e suas palavras, que ele estava perfeitamente ciente de sua extraordinária importância. Não percebi nada da rabugice ou inacessibilidade de que tinham me falado.

O tema principal de conversa foram as questões da Naródnaia Vólia, pela qual Marx se interessou muito. Ele disse que, a exemplo de todos os europeus, também ele imaginava a nossa luta contra a autocracia como algo fabuloso, como um romance fantástico.

Fiz a mala e parti, mas, no dia 28 de fevereiro de 1881, enquanto eu atravessava a fronteira, fui preso. Até ser solto em 1905, eu não soube do resultado da minha conversa com Marx. De fato, eu não soube até que vi o prefácio à edição russa do Manifesto Comunista escrito por Marx.

Fiquei particularmente contente ao ler estas palavras: ‘O tsar foi proclamado o chefe da reação europeia. Hoje ele é, em Gatchina, prisioneiro de guerra da revolução e a Rússia forma a vanguarda da ação revolucionária na Europa.’

Isso foi palavra por palavra o que ele havia dito para mim quando nos despedimos.”

[ENTREVISTAS, p. 46]


“Na sociedade burguesa o trabalho vivo é sempre um meio de aumentar o trabalho acumulado. Na sociedade comunista o trabalho acumulado é um meio de ampliar, enriquecer e promover a existência dos trabalhadores.”

KARL MARX E
FRIEDRICH ENGELS

em Manifesto Comunista

Leituras complementares

Baixe os conteúdos complementares do mês em PDF!

Este mês trazemos a Introdução de Marcello Musto ao volume 3, Escritos políticos da antologia O essencial de Marx e Engels; um artigo do comunista brasileiro Astrojildo Pereira sobre Engels, publicado na revista Margem Esqueda #35, com apresentação de João Quartim de Moraes; além de um capítulo de Marx, esse desconhecido, de Michael Löwy.

Clique nos botões vermelhos abaixo para fazer o download!

Marcello Musto

Escritos políticos essenciais de Marx e Engels


Astrojildo Pereira

Engels


Michael Löwy

História aberta e dialética do progresso em Marx

Vídeos

Este mês trazemos o lançamento antecipado do livro com Michael Löwy, Fabio Mascaro Querido e Livia Moraes; “Desbravando a obra de Marx e Engels“, palestra de José Paulo Netto durante a primeira edição da Festa de Aniversário do Marx no Rio de Janeiro; e uma aula de Jorge Grespan durante o curso livre Marx e os marxismos.

E tem mais! Em clima de retrospectiva, a TV Boitempo disponibiliza aos assinantes do Armas da Crítica a íntegra do debate com a filósofa Marilena Chaui, autora de Ideologia: uma introdução, ocorrido durante A Feira do Livro.


Para aprofundar…

Compilação de textos, podcasts e vídeos que dialogam com a obra do mês.

O essencial de Marx e Engels, organizado por Marcello Musto

Curso livre Marx-Engels, organizado por José Paulo Netto

Crítica do Programa de Gotha, de Karl Marx

Do socialismo utópico ao socialismo científico, de Friedrich Engels

Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels

Trabalhadores do mundo, uni-vos! antologia política da I Internacional, organizado por Marcello Musto

Repensar Marx e os marxismos, de Marcello Musto

Marx, esse desconhecido, de Michael Löwy

Marx nas margens: nacionalismo, etnias e sociedades não ocidentais, de Kevin B. Anderson

Essenciais são os livros não escritos, de György Lukács

Margem esquerda #35 | Valor

Rádio Boitempo: Coleção Marx-Engels #1: a atualidade de O CAPITAL, com Leda Paulani, jul. 2023.

Rádio Boitempo: MANIFESTO COMUNISTA, na voz de José Paulo Netto, jun. 2022.

Rádio Boitempo: Coleção Marx-Engels #3: CAPÍTULO IV (INÉDITO) e ENQUETE OPERÁRIA, com Murilo van der Laan,set. 2023.

Rádio Boitempo: A crítica da economia política em Marx, com Jorge Grespan, abr. 2019.

Rádio Boitempo: Megafone #6: Deivison Faustino lê O CAPITAL, de Karl Marx, com Deivison Faustino, nov. 2022.

Rádio Boitempo: Coleção Marx-Engels #6: A GUERRA CIVIL DOS ESTADOS UNIDOS, com Agnus Lauriano, dez. 2023.

BÔNUS DE BOAS FESTAS: Rádio Boitempo: Megafone #7: “Um conto de natal”, de China Miélville, na voz de Kim Doria, dez. 2022.

Marx, Engels e Lênin diante da revolução, com Tariq Ali, TV Boitempo.

A leitura de Marx não é um luxo!, com José Paulo Netto,TV Boitempo.

Engels e os estudos feministas, com Maria Lygia Quartim de Moraes,TV Boitempo.

Marx e Engels no olho do furacão, com Carolina Freitas, Victor Strazzeri e Carolina Peters, TV Boitempo.

Engels e os fundamentos do materialismo histórico, com Eduardo Chagas e Victor Strazzeri, TV Boitempo.

Playlist: Introdução a O capital, de Karl Marx, com Micharl Heinrich, TV Boitempo.

Bom humor e esperança revolucionária: as Entrevistas de Marx e Engels“, por Lincoln Secco, Blog da Boitempo, nov. 2025.

Um café para a história: 181 anos do encontro entre Marx e Engels“, por Gabriel Teles, Blog da Boitempo, ago. 2025.

Marx e Engels no calor da revolução“, por José Paulo Netto, Blog da Boitempo, ago. 2025.

Marx nas telas: filmes e séries para debater o pensamento marxista“, por Alysson Oliveira, Blog da Boitempo, mai. 2025.

O ato histórico imortal de Karl Marx“, por Clara Zetkin, Blog da Boitempo, jun. 2025.

Os livros favoritos de Karl Marx“, por Eleanor Marx, Blog da Boitempo, jan. 2025.

Marx e Espinosa como críticos da religião“, por Maurício Vieira Martins, Blog da Boitempo, dez. 2025.

Como começar a ler Marx #1“, por Marcello Musto, Blog da Boitempo, mai. 2024.

Como começar a ler Marx #2“, por Marcello Musto, Blog da Boitempo, mai. 2024.

A edição de conteúdo deste guia é de Carolina Peters e as artes são de Mateus Rodrigues.