Tecnopolíticas da vigilância

Giselle Beiguelman escreve sobre o novo livro da coleção Estado de Sítio, coordenada por Paulo Arantes na Boitempo.

Por Giselle Beiguelman.

Tecnopolíticas da vigilância reúne um conjunto de análises críticas sobre a contemporaneidade, vista pela perspectiva das disputas que se dão a partir dos territórios informacionais. Recusando pressupostos que entendem a difusão das redes como um universo paralelo ao mundo real, os textos aqui reunidos refletem sobre a imbricação dos dados com as diferentes esferas da vida social: a política, a cultura, os processos de construção de visibilidade e invisibilidade e as estratégias de contestação aos mecanismos de controle sociotécnicos.

Organizado por Bruno Cardoso, Fernanda Bruno, Lucas Melgaço, Luciana Guilhon e Marta Kanashiro, o livro contempla os resultados das pesquisas e dos debates promovidos pela Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits), que opera, desde 2009, como um importante núcleo de reflexão do Sul global sobre as práticas e as instâncias da vigilância.

Em interlocução com outros pesquisadores, o livro traz também, em tradução inédita para o português, o artigo seminal da professora emérita da Harvard Business School Shoshana Zuboff, “Big Other: capitalismo de vigilância e perspectivas para uma civilização de informação” (2015). Zuboff disseca as particularidades do capitalismo de vigilância, um regime econômico no qual o poder (o Grande Outro) se concentra em empresas, como Google e Facebook, que trabalham em hiperescala. Essas empresas são capazes não apenas de modular comportamentos por meio da extração de dados individuais (o small data), mas detém um poder ainda maior, o de prever esses comportamentos, via armazenamento e análise de grandes grupamentos de dados (o big data).

Nesse contexto, seguradoras podem, por exemplo, contar com sistemas de monitoramento de veículos para verificar se seus clientes estão dirigindo com segurança e, assim, determinar se devem ou não manter sua apólice. Adentramos um território novo, onde os contratos deixam de exprimir arranjos sociais para funcionar segundo processos ditados pelo rastreamento de aplicativos e sensores.

Como mostram os diferentes textos desta coletânea, tal revolução algorítmica, que se dá em um mundo de “internet das coisas” e smart cities, atravessa palavras, objetos, relações afetivas e sociais, sistemas de saúde, localização e um incontável número de instâncias políticas e econômicas. Redefinem-se, assim, as concepções de arquitetura, as fronteiras entre público e privado, a estética e os próprios modos de ver e ser visto.

A vigilância passa a funcionar de forma distribuída, alimentada por equipamentos que reagem à presença dos cidadãos e informam bases de dados concentradas em servidores de algumas poucas empresas, mas que operam em diversas cidades do Brasil e do mundo.

Nesse processo, configura-se outra biopolítica, em que as tecnologias de processamento do DNA, por um lado, e a instrumentalização das sociabilidades em rede, por outro, impõem um estado de doação compulsória de dados. Em seus interstícios, apontam-se as novas dissidências. São elas o foco e a principal contribuição deste livro.

“Este livro demonstra que não é mais possível conceber tecnologia e política em termos tradicionais, assim como não dá mais para pensar em relações sociais ignorando suas reconfigurações pela/na esfera digital. Na experiência contemporânea, os campos e as dimensões se cruzam, se fundem e se confundem, retroalimentando-se de modo incessante, sobretudo quando se trata do exercício da dominação e das lutas de resistência/liberação que a ele se contrapõem.

Nesse sentido, Tecnopolíticas da vigilância: perspectivas da margem funciona como um mapa do campo de provas e do teatro de guerra que visa o controle do espaço, do tempo, das populações – vale dizer, da vida nos países da margem do capitalismo globalizado. Trata-se de leitura urgente porque confere inteligibilidade às estratégias difusas de mobilização permanente voltadas para nós. Contra nós.” – Laymert Garcia dos Santos

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Giselle Beiguelman é artista, curadora e Professora Associada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Pioneira no campo da arte digital e no uso da internet e de redes móveis para intervenções artísticas, tem diversas obras premiadas, com destaque para O livro depois do livro (1999), egoscópio (2002) e Cinema sem Volta (2014), entre outras. Vários de seus projetos e ensaios integram o currículo de graduação e pós-graduação de universidades e centros de pesquisa no Brasil, EUA e Europa.

1 comentário em Tecnopolíticas da vigilância

  1. direitista chaaaaaaaaaaaaaaaaato

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