O colapso do regime: a ofensiva dos EUA contra a Venezuela como novo paradigma

Fuzileiros navais dos EUA praticam tiros no Caribe, setembro de 2025. Foto: Wikimedia Commons
Por Vincent Bevins
Uma das últimas reportagens publicadas pelo Financial Times sobre a recente ofensiva de Donald Trump contra a Venezuela é admiravelmente honesta. Para começar, há uma descrição dos motivos:
“Estão em jogo na Venezuela as maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo e valiosas jazidas de ouro, diamantes e coltan. Aliada dos EUA no século passado, a nação sul-americana passou a orbitar a Rússia, a China e o Irã sob o comando de Hugo Chávez, o ex-oficial do exército que liderou uma revolução socialista ‘bolivariana’ de 1999 até sua morte por câncer em 2013.”
Este é um guia prático para as forças motrizes por trás das intervenções dos EUA no exterior. Primeiramente, estão preocupações econômicas imediatas. Em seguida, há preocupações geopolíticas e a questão do poder exercido pelos EUA. Em terceiro lugar, representam o compromisso com um sistema econômico liberal, em oposição ao socialismo.
Agora, as autoridades americanas também são motivadas pelo compromisso com a democracia e os direitos humanos, que é a justificativa oficial para tudo o que o Estado faz no exterior e constitui uma verdadeira forma de religião cívica nacional. Qualquer análise histórica séria, porém, demonstra que esse quarto objetivo é facilmente abandonado quando interfere nos três primeiros. É antes uma espécie de bônus que se espera alcançar. Em certo sentido, eles apenas fingem ansiar por isso, mas acho que muitas vezes fingem para si mesmos também.
Por isso, me impressionei ainda mais com a seguinte declaração do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais: “‘É evidente que a missão está evoluindo para se tornar mais uma operação de mudança ou colapso do regime‘, afirmou Ryan Berg, chefe do programa para as Américas.”
O grifo é meu. Acredito que esse destaque seja crucial para compreender a política externa dos Estados Unidos nos últimos vinte anos. Donald Trump não busca uma mudança de regime na Venezuela, mas algo muito pior. O suficiente seria se o governo de Maduro fosse substituído por uma cratera fumegante, e todo o terço norte da América do Sul se tornasse uma horrenda ferida aberta, impossibilitando a governança real da região por uma geração. Se por acaso houver algum agente sensato no governo dos EUA, essa pessoa sabe que um dos resultados mais prováveis de uma ação militar no país é esse.
Em 2002, o golpe apoiado pelos EUA chegou a colocar Pedro Carmona, presidente da Câmara de Comércio da Venezuela, no poder. Poderia ter dado certo; e ele realmente governado. Desta vez, o presidente dos EUA fala apenas em punir e eliminar. Essa é uma jogada clássica de Trump: ele revela dinâmicas que todos os outros tentaram esconder.
Agora, penso que Barack Obama e Hillary Clinton acreditavam que estavam tentando promover a causa da democracia quando a OTAN começou a bombardear a Líbia em 2011. No fundo do coração, eles esperavam que, de alguma forma, o país se tornasse Cingapura ou a Finlândia depois que seu líder fosse torturado e assassinado com transmissão pelo YouTube. É claro que não havia nenhum plano nesse sentido, nenhuma explicação plausível de como isso poderia acontecer, mas aposto que eles torciam por esse desfecho. É pura especulação. No entanto, é incrivelmente fácil demonstrar que o colapso do Estado era um resultado aceitável — eles o aceitaram.
O artigo do Financial Times observa que a Venezuela não é a Líbia, o que é um fato. As coisas, portanto, seriam diferentes. Todos os Estados felizes se parecem, cada Estado em colapso é colapsado à sua maneira.1 Qual é a política dos EUA em relação ao Irã, facilitar a transição ou a destruição? A vantagem de buscar a destruição, para os imperialistas contemporâneos, é que, mesmo que não se consiga provocar o colapso, o país é ao menos enfraquecido.2
Não estou dizendo que Trump vai necessariamente tentar fazer isso com a Venezuela. Ele pode muito bem testar o governo Maduro e então recuar. Também não digo que o sucesso é garantido, apenas afirmo que o objetivo implícito da ação militar não é criar um novo governo, mas destruir o atual.
É claro que o colapso de um Estado cria alguns problemas para os Estados Unidos. Isso “desestabiliza” a região e acelera os fluxos de migrantes e drogas com os quais Trump e Marco Rubio dizem se preocupar. Mas é muito fácil ver como também ajuda os três motores listados acima a engrenar. Como Ali Kadri demonstrou, a destruição em grande escala de uma sociedade reduz os custos das matérias-primas e da força de trabalho. Sem poder soberano, não há barreiras à extração. É mais fácil explorar pessoas desesperadas. E não há mais nenhum governo para se aliar aos seus inimigos (como Cuba) ou desafiar seu poder.
Penso que a expressão “mudança de regime” dá muito crédito ao que George W. Bush disse estar fazendo em 2003. Na maior parte das vezes, o que está em jogo é a busca pelo colapso de um regime.
* Este texto foi originalmente publicado com o título “Regime collapse” na newsletter North South Notes, mantida por Vincent Bevins. A tradução é de Carolina Peters.
Notas
- Bevins aqui faz uma paráfrase do início de Anna Kariênina, de Tolstói: “Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira” (trad. Rubens Figueiredo, São Paulo, Companhia das Letras, 2017, p. 14). (Nota da tradutora) ↩︎
- O regime de sanções globais de Washington não faz sentido se você acreditar que têm por objetivo “mudar” o comportamento do Estado-alvo. Se, no entanto, concebermos um espectro entre os polos “enfraquecer” e “destruir”, tudo se encaixa perfeitamente. ↩︎
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Vincent Bevins foi correspondente do Los Angeles Times no Brasil, de 2011 a 2016, e editor do blog From Brazil da Folha de S.Paulo, de 2012 a 2016. Jornalista premiado, cobriu o Sudeste asiático para o Washington Post, dedicando especial atenção ao legado do massacre de 1965 na Indonésia – tema do seu livro O método Jacarta: a cruzada anticomunista e o programa de assassinatos em massa que moldou o nosso mundo (Autonomia Literária, 2022). Antes disso, trabalhou para os jornais Financial Times, de Londres, e The Daily Journal, de Caracas.
Graduado em economia política pela Universidade da Califórnia, Berkley, e mestre em economia política internacional pela London School of Economics, escreveu para diversas publicações, tais como The Atlantic, The Economist, The Guardian, Foreign Policy, The New York Review of Books, The New Republic, The New Inquiry, The Awl, The Baffler, New York Magazine, The Nation, The New York Times e n+1. Nasceu e foi criado na Califórnia. Desde que se mudou para o Brasil, em 2010, passou a maior parte de seu tempo morando em São Paulo.
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Da chamada Primavera Árabe ao Gezi Park, na Turquia, do Euromaidan, na Ucrânia, às rebeliões estudantis no Chile, até as jornadas de Junho de 2013 no Brasil, Bevins apresenta um relato detalhado dos movimentos de rua e suas consequências. Ele se baseia em quatro anos de pesquisa e centenas de entrevistas realizadas em todo o mundo, bem como em suas próprias experiências como correspondente no Brasil, onde uma explosão de protestos liderados por progressistas levou, anos depois, a um governo de extrema direita que incendiou a Amazônia.
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