Walter Rodney e a descolonização do marxismo

Imagem: WikiCommons

Por Marcio Farias

Uma das manifestações mais visíveis do colonialismo do saber é a tendência a tornar exóticos ou irrelevantes povos e processos históricos decisivos para compreender a sociedade contemporânea. O Caribe é um desses casos. Para muitos brasileiros, inclusive parte da intelligentsia, a região é reduzida a imagens de praias paradisíacas, festas e exotismo cultural. No entanto, basta um olhar atento ao mapa para perceber que o Caribe faz fronteira direta com o Brasil: a Guiana partilha limites com Roraima e integra esse espaço de intensos movimentos históricos. Não por acaso, foi onde Emilia Viotti da Costa estudou a célebre Revolta de Demerara, episódio que mostrou como a luta pela liberdade no Caribe dialoga diretamente com a formação social brasileira. 

O Caribe foi, também, palco das duas revoluções que mais abalaram os rumos da modernidade na América Latina: a do Haiti (1804) e a de Cuba (1959). Da insurreição de escravizados que derrubou o colonialismo francês à vitória socialista que redefi niu a geopolítica do século XX, essa região se inscreveu no centro da divisão internacional do trabalho e da luta de classes em escala global. Não por acaso, produziu uma tradição intelectual elencada por autores como José Marti, C. L. R. James, Aimé Césaire, Suzanne Césaire, Claudia Jones, Frantz Fanon, George Padmore e Walter Rodney. 

Walter Rodney é autor do clássico Como a Europa subdesenvolveu a África, mas neste livro é possível reencontrá-lo em registro mais amplo. O livro abre com uma homenagem a Amílcar Cabral, revolucionário que, como Rodney, uniu teoria e prática, e prossegue mostrando como as massas guianenses e africanas se organizaram diante da “exploração, destacando o papel dos sindicatos e da luta camponesa. A crítica à educação colonial britânica e às escolas que moldavam mentalidades subordinadas evidencia a necessidade de uma pedagogia descolonizada, voltada para a libertação. E, ao analisar a experiência socialista da Tanzânia, Rodney reflete sobre contradições e possibilidades de um socialismo enraizado nas condições africanas. 

Os ensaios apresentam como a expansão do capitalismo implicou não apenas a pilhagem de recursos, mas a destruição sistemática de economias locais. Ao mesmo tempo, recuperam a riqueza das dinâmicas produtivas africanas, mostrando que não se tratava de sociedades estáticas ou “sem história”, mas de povos com trajetórias violentamente interrompidas pelo colonialismo. 

Rodney insiste que a classe trabalhadora africana só pode ser compreendida em sua especificidade histórica. Seu “marxismo descolonizado” reata teoria e prática, análise estrutural e insurgência popular. Para o leitor brasileiro, essa perspectiva é de enorme relevância. O diálogo com a sociologia crítica de Florestan Fernandes e com a radicalidade de Clóvis Moura ajuda a compreender a centralidade do racismo e do colonialismo na conformação do capitalismo dependente. 

Marxismo e descolonização é um convite a repensar mapas intelectuais, desfazer fronteiras imaginárias e reconhecer que a luta pela emancipação — no Caribe, na África ou no Brasil — compõe uma mesma história de resistência global.  

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Marcio Farias é professor do Departamento de Psicologia Social da PUC-São Paulo, pós-doutorando em Economia Política Mundial na UFABC, onde estuda os escritos políticos de Aimé Césaire. É professor convidado do Celacc ECA/USP, coordenador do Eixo de Pesquisa do AMMA Psique e Negritude e autor e organizador do livro Clóvis Moura e o Brasil: um ensaio crítico. 


Walter Rodney foi um dos principais pensadores e militantes do pan-africanismo e do movimento de descolonização africano. Sua produção intelectual abrange a relação entre raça, classe, território e, segundo o escritor Ngugi wa Thiong’o, que assina o prefácio da obra, “completa Marx”. 

“As ideias de Walter Rodney são ainda mais valiosas hoje, quando o capitalismo tem afirmado com tanta força sua permanência, quando as forças organizadas de oposição que antes existiam foram praticamente eliminadas. Hoje cabe a nós seguir, expandir e aprofundar seu legado.” 
— Angela Davis

“É raro encontrar no mundo contemporâneo alguém comprometido nesse nível tanto com a teoria quanto com a ação. Talvez Rodney seja um dos poucos que faz isso de forma fluida, e isso o torna único.” 
— Viswesh Rammohan  

Marxismo e descolonização: ensaios a partir da Revolução Pan-Africana apresenta textos com temas complementares, como a diáspora negra, o papel do marxismo na libertação dos povos da África, a educação em um contexto de colonização e a experiência dos socialismos africanos.  

Em diferentes países do continente africano, no Caribe, na América do Norte e na Europa, Rodney não foi apenas uma testemunha do internacionalismo pan-africano e socialista, mas um organizador das massas, um militante e importante teórico que contribuiu para um caminho anticolonial e de emancipação.  

“Como já disse Walter Rodney, o grande escritor negro assassinado na Guiana, o modelo de desenvolvimento econômico estabelecido no Brasil pelos militares foi para subdesenvolver os setores mais pobres deste país e, portanto, os setores negros.” 
— Lélia Gonzalez 

Marxismo e descolonização apresenta a amplitude da produção de Rodney e demonstra a inabalável coerência entre sua vida e sua obra, dedicadas a renovar a concepção marxista e reinventar o horizonte de possibilidades econômicas, políticas e sociais dos povos do Sul global: “Estes ensaios […] serão para nós um importante instrumento de aprendizagem contínua, seguindo a linha pan-africana que nos evidenciou como a Europa subdesenvolveu o continente”, escreve Ngugi wa Thiong’o.  


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