Pondé, o inteligentão

Fantoche (poeta com aura), de Paul Klee. Imagem: WikiCommons

Por Fabio Mascaro Querido

Há 15 anos, como fez questão de nos lembrar em coluna recente na Folha (29/06/2025), Luiz Felipe Pondé criou um “conceito”: o de “inteligentinhos”. Não é difícil perceber o quanto a ambição é, no caso, inversamente proporcional à profundidade teórica.  

Apenas alguém cujo ego só não é maior do que o ressentimento poderia se dar ao luxo de transformar em “conceito” o que não passa de repetição incessante do sempre igual — tal como o “eterno retorno” de Nietzsche, um dos seus escudos filosóficos.  

Mas a operação não deixa de ser reveladora. Pois o “pensamento” de Pondé, como se observa em suas colunas na Folha, pode ser resumido como uma permanente denúncia do papel nefasto cumprido pelos “inteligentinhos” no Brasil e no mundo contemporâneos.  

Para Pondé, os “inteligentinhos” são de esquerda, é claro. Mais especificamente, são aqueles e aquelas identificados/as com um certo progressismo cultural. São os adversários do bom senso (alô, Trump!), imunes ao ridículo que é, do ponto de vista do nosso autor, querer medir o mundo com sua própria régua, pretensamente superior à dos demais mortais.  

Pronto. O espantalho, digo, o “conceito”, está feito. E é em contraste a ele que Pondé pode triunfar livremente, como se flutuasse acima dos conflitos mundanos, admirando a imbecilidade dos que, não por capricho, mas por necessidade, insistem em achar que nem tudo precisa continuar como está.  

Pondé fala de lugar nenhum. Desencarnado, nem por isso ele se abstém de encarnar o ponto zero da razão — de uma razão que não hesita em negar a si mesma.  Desse pedestal inencontrável, ele pode dizer tudo e seu contrário: pode fustigar a direita “burra”, o que lhe confere ares de independência, ao mesmo tempo em que investe quase todas as suas energias no desmascaramento dos supostos ressentidos e fracassados da esquerda. Em uma palavra: dos “inteligentinhos”.  

Para mostrar que conhece, leitor de orelhas que é, Pondé se permite o prazer intelectualmente cínico de mencionar, de modo favorável, autores de esquerda. Não qualquer autor. Pondé costuma citar os filósofos da chamada Escola de Frankfurt, tomando-os como prova improvável de que — e disso só os lúcidos sabem — nada pode (nem deve) ser feito.  

Pensar o contrário seria, no melhor dos casos, autoengano, e no pior, autopromoção deliberada. Afinal de contas, como ele gosta de dizer (as repetições são incessantes), os “inteligentinhos” não são nada mais do que marqueteiros culturais.  

Como Adorno, Pondé observa o mundo a partir do “Grande Hotel Abismo”, uma imagem utilizada por Lukács para fustigar o excesso de negatividade e de pessimismo dos intelectuais frankfurtianos. Mas, à diferença de Adorno, para quem o motivo da angústia era o capitalismo, o amor de Pondé pelo desastre sem solução é suplantado pelo ódio aos que olham para a catástrofe a fim de encontrar caminhos para superá-la, buscando bifurcar um “progresso” que avança na direção do precipício.

Sintomas do mundo contemporâneo, em que só os tolos resistem ao irresistível, os artigos de Pondé são uma espécie de autoajuda às avessas: ele quer nos ensinar a nos deliciarmos com a mediocridade do mundo, transferindo o próprio ressentimento aos outros. 

Pondé jamais se rebaixa ao nível dos “inteligentinhos”. Ele está acima, numa poltrona confortável e inalcançável. Ele não tem régua. Ele é a régua. É o único adulto na sala. Ele é, enfim, o nosso “inteligentão”. 

***
Fabio Mascaro Querido é professor livre-docente do Departamento de Sociologia da Unicamp, e autor de Lugar periférico, ideias modernas: aos intelectuais paulistas as batatas (1958-2000).


Lugar periférico, ideias modernas: aos intelectuais paulistas as batatas (1958-2000), do sociólogo Fabio Mascaro Querido, é uma análise sobre os intelectuais ligados à Universidade de São Paulo dos anos 1960 à década de 1990. Resultado da tese de livre-docência do autor, defendida em dezembro de 2022 na Unicamp, a obra revela como a vertente “marxista acadêmica” exerceu significativa influência nos debates sobre a abertura democrática dos anos 1980 e na vida política brasileira nas décadas seguintes.

O livro examina como alguns personagens representaram simultaneamente o auge e o declínio do pensamento sobre a modernidade no país. Durante os anos 1970, em plena ditadura civil-militar, surgiram análises sofisticadas sobre as particularidades da sociedade brasileira, desafiando o desenvolvimentismo até então hegemônico na esquerda. No entanto, na década seguinte, com raras exceções, como a de Roberto Schwarz, observou-se um distanciamento dessas ideias por parte dos acadêmicos e uma aproximação destes com formulações universalistas, quer seja a visão de mundo neoliberal, que encontrará expressão no PSDB, ou a perspectiva classista, elaborada a partir da experiência do PT. O autor demonstra, assim, como a corrente intelectual da época moldou o pensamento sobre a democracia brasileira após a ditadura, bem como as mudanças e as divisões que ocorreram. Analisa esse importante capítulo da política, capaz de reinterpretar o passado e projetar futuros para o país.



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7 comentários em Pondé, o inteligentão

  1. Avatar de Desconhecido gabrielbritosilva // 02/09/2025 às 11:20 am // Responder

    Pondé é só um supremacista branco fora do seu tempo. Mirou no Foucault e acertou no Olavo. Um ser minúsculo.

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  2. Em texto enxuto e objetivo, você falou praticamente tudo o que eu penso sobre o tal “filósofo” … parabéns pela assertividade.

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  3. Avatar de Desconhecido Octavio Pires // 02/09/2025 às 2:22 pm // Responder
    • Às vezes eu acerto!!! Há muito percebi que não devia perder meu tempo com esse tal de Pondé!!! E olha que não sou nenhuma preciosidade!!

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  4. Avatar de Desconhecido Alberício Coelho // 02/09/2025 às 9:19 pm // Responder

    Pondé é brilhante! Quanta inveja…

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  5. Avatar de Desconhecido fabiosilvaanjos2013 // 03/09/2025 às 6:20 am // Responder

    O irrelevante se torna relevante quando lhe dão atenção, perdi 3 minutos de meu dia interessantíssimo lendo seu texto ciumento , por que não tenta marcar um papo ao vivo pra discutir ideias com o inteligentão?

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  6. O texto é bom, mas o autor caiu na armadilha, mergulhando na lama vil e ressentida que Pondé esta acostumado a nadar e se deliciar. Ao meu sentir, Pondé analisa tudo a sua volta, exceto a si mesmo; e o fato dele falar tão mal de todo mundo parece uma recado a um espelho que sua miopia egocêntrica o faz pensar que são os outros. Em linguagem de rua, o autor desse texto seria o famoso “pegou pilha”: quis jogar nos mesmos termos de ataques pessoais e cinismo de Pondé, uma pena. Uma questão que é bem verdade e poderia ser aprofundada é essa ideia de “escudo filosófico”. Autores que perderam o nome próprio e só falam pelas palavras dos Grandes Filósofos da Humanidade (e nisso entra uma penca de outros supostos pensadores). De toda forma, a crítica parece genuína e deixa pondé nu, tanto é que alguns comentários aqui se sensibilizaram ao ver o minúsculo piruzinho do nosso filósofo tupiniquim

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  7. Avatar de Desconhecido João Toledo Martins // 06/09/2025 às 7:06 am // Responder

    o autor falou tudo o que eu sempre tive vontade de falar. O Pondé é um cabotino. Só faltou registrar que o seu objeto de estudo, o inteligentinho, lhe aufere a quase totalidade de uma fatia de mercado, a direita raivosa, onde ele silenciosamente se locupleta.

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