O método de Agamben

Para aqueles que pensam que as ciências humanas são desprovidas de métodos ou que o método é uma repetição anônima de procedimentos formais, este livro é uma desagradável notícia.

Por Christian Ingo Lenz Dunker.

Nos três ensaios articulados que compõem Signatura rerum, o leitor encontrará uma síntese provocativa do método de pensamento desenvolvido por Giorgio Agamben. Para aqueles que pensam que as ciências humanas são desprovidas de métodos ou que o método é uma repetição anônima de procedimentos formais, este livro é uma desagradável notícia. Ele mostra como a prática dos procedimentos envolve sempre o risco e a lembrança de que em todo e qualquer dito ou enunciado há sempre um dizer que o anima.

A procura da origem (archḗ) e do autor, que caracteriza a abordagem arqueológica, desde Nietzsche e Freud até Foucault e Derrida, contém uma espécie de distância ou intervalo. Um hiato que torna o paradigma, tanto no sentido de Aristóteles quanto no de Kuhn, a combinação do universal e do único. Essa forma de pensar por signos – nem dedutiva nem indutiva, mas analógica – é necessária para fazer frente ao problema do acontecimento e da originalidade. Retomando a partição foucaultiana entre semiologia e hermenêutica, Agamben mostra aqui a existência de um não-lugar intermediário, que é onde se depositam e se acumulam as assinaturas. Entre as estruturas e as existências, a assinatura ocupa a função de causa, de um objeto histórico, de uma imagem, de uma catedral ou de um conceito.

Nessa arqueologia das arqueologias Agamben descreve uma zona de indecidibilidade, mas também de mistério e sacramento que cerca a assinatura das coisas. Por isso o segundo ensaio está habitado pela questão da metafísica de Paracelso à Jakob Böhme. Agamben nos lembra mais uma vez que, como uma espécie de resto pré-renascentista, a modernidade é bem menos moderna do que ela pensa. Por essa razão, também no terceiro ensaio nos deparamos com a indeterminação de fronteiras entre arqueologias locais e sua generalização.

A noção de paradigma, tão cara e popular nas ciências humanas dos últimos cinquenta anos, acaba valendo mais e funcionando melhor quando exercida sob certa suspeita, capaz de fazer o historiador estar advertido de que é sempre a história desse intervalo que ele está a reconstruir.

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Christian Ingo Lenz Dunker é psicanalista, professor Livre-Docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Analista Membro de Escola (A.M.E.) do Fórum do Campo Lacaniano e fundador do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da USP. Autor de Estrutura e Constituição da Clínica Psicanalítica (AnnaBlume, 2011) vencedor do prêmio Jabuti de melhor livro em Psicologia e Psicanálise em 2012 e um dos autores da coletânea Bala Perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação (Boitempo, 2015). Seu livro mais recente é Mal-estar, sofrimento e sintoma: a psicopatologia do Brasil entre muros (Boitempo, 2015), também vencedor do prêmio Jabuti na categoria de Psicologia e Psicanálise. Desde 2008 coordena, junto com Vladimir Safatle e Nelson da Silva Junior, o projeto de pesquisa Patologias do Social: crítica da razão diagnóstica em psicanálise. Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

3 comentários em O método de Agamben

  1. Marsel Botelho // 02/07/2019 às 2:55 pm // Responder

    Grande autor.

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  2. Aída Paiva // 30/01/2020 às 3:15 pm // Responder

    A filosofia é sempre uma fuga, graças a Deus.

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  3. Aída Paiva // 30/01/2020 às 3:24 pm // Responder

    Lendo o texto do Dunker sobre o livro de Agamben lembrei da faculdade de educação da Unicamp na qual eu ficava correndo atrás do método psicanalítico. Ao ler que as ciências humanas tem método lembrei dos alunos do IFCH da Unicamp que parecem que nunca utilizaram método algum. Ao ler a palavra paradigma lembrei do livro de Edgar Morin, “Paradigma da ciência” que eu nunca pude ler. Esse texto do Dunker me trouxe a lembrança do meu tempo de faculdade e do que eu pensava naquela época.
    A propósito, algum Coxinha está de prontidão para me chamar de Petralha e falar bem do Bolsonaro?

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