Maringoni: A política dos puros

Por Gilberto Maringoni.

As manifestações de protesto contra o ajuste fiscal, de oposição à direita e pela democracia, marcadas para esta quinta (20) em diversas cidades, está suscitando séria celeuma entre as próprias forças progressistas.

Ela é convocada por entidades, como o MTST, o MST, a CUT, a CTB, a UNE, a Intersindical, a UBES e o PSOL.

Os eventos podem vir a ser ser um marco e um contraponto importante à escalada reacionária que toma conta da sociedade.

Grupos puristas de ultraesquerda lançam manifestos, declarações à praça e ucasses acusando os movimentos e o PSOL de estarem organizando um ato de apoio ao governo Dilma.

É bom deixar claro que isso não está na pauta da comissão organizadora da manifestação.

CONVOCATÓRIA

A convocatória, aprovada por diversas entidades, deixa explícito o que se pretende:

“Contra o ajuste fiscal! Que os ricos paguem pela crise!

A política econômica do governo joga a conta nas costas do povo. Ao invés de atacar direitos trabalhistas, cortar investimentos sociais e aumentar os juros, defendemos que o governo ajuste as contas em cima dos mais ricos, com taxação das grandes fortunas, dividendos e remessas de lucro, além de uma auditoria da dívida pública. Somos contra o aumento das tarifas de energia, água e outros serviços básicos, que inflacionam o custo de vida dos trabalhadores. Os direitos trabalhistas precisam ser assegurados: defendemos a redução da jornada de trabalho sem redução de salários e a valorização dos aposentados com uma previdência pública, universal e sem progressividade”.

Simples e direto.

É bem verdade que o evento está aberto à participação de quem quer que seja. Inclusive dos partidos que integram a base do governo. Afinal, acontecerá nas ruas e elas são públicas.

CONTAMINAÇÃO

Imaginar que o ato será “contaminado” por algum tipo de governismo demonstra um dois mais nocivos comportamentos para quem faz política, o purismo.

Quem faz política conversa com todos, faz acordos com quem pensa diferente, busca alianças com base em interesses comuns, mesmo que pontuais.

Os puros, não.

Esses não se misturam. Não convivem com a pluralidade. Não estão na vida para convencer e – eventualmente – serem convencidos.

Podem não realizar nada, pois para exercer sua pureza, precisam apenas conviver entre iguais, em ambientes de convertidos, em espaços reiterativos, nos quais nunca terão de muitas vezes colocar a mão nas impurezas do mundo. Mas isso não lhes importa.

Os puros são assépticos, limpinhos e almejam serem cheirosos.

Mas os puros apresentam uma vantagem, uma sacrossanta vantagem sobre todos os demais.

Podem – depois de tudo – erguer o dedo e acusar os que julgam impuros. E podem bradar a frase mágica:

– Eu não disse?? Eu não disse que não ia dar certo?

Sim, as coisas na vida podem dar certo e dar errado.

Mas o ruim não é isso. O ruim é não tentar.

SABEDORIA ORIENTAL

Os puros certamente são personagens como os que Vladimir Lenin (1870-1924) criticava em uma de suas obras mais conhecidas, o “Esquerdismo, doença infantil do comunismo”, escrito em 1920.

Nesse pequeno livro, o líder da Revolução Russa ataca pesadamente os ativistas de ultraesquerda que, sob o pretexto de manter o purismo de suas organizações, acabam por se distanciar da consciência popular.

A citação é quase um Danoninho teórico. Ou seja, vale por um bifinho político.

Ao comentar a recusa dos comunistas alemães em fazer acordos com facções burguesas no parlamento, Lenin diz:

“Há compromissos e compromissos. É preciso saber analisar a situação e as circunstâncias concretas de cada compromisso, ou de cada variedade de compromisso.

É preciso aprender a distinguir o homem que entregou aos bandidos sua bolsa e suas armas para diminuir o mal causado por eles e facilitar sua captura e execução, daquele que dá aos bandidos sua bolsa e suas armas para participar da divisão do saque.

Em política, isso está muito longe de ser sempre assim tão difícil como nesse pequeno exemplo de simplicidade infantil.

Seria, porém, um simples charlatão quem pretendesse inventar para os operários uma fórmula que, antecipadamente, apresentasse soluções adequadas para todas as circunstâncias da vida, ou aquele que prometesse que na política do proletariado nunca surgirão dificuldades nem situações complicadas”.

GUETO

O purismo é o caminho para o gueto e o isolamento.

Os puros não querem nem saber. A teoria, eles a querem pura, a política querem pura, a sociedade, querem pura e a vida idem ibidem…

Pura, pura.

Pura que o pariu!

TODOS AO ATO DO DIA 20!

(Puros, só os Havana).

***

Gilberto Maringoni debateu “Nacionalismo, identidade nacional e segregacionismo” com Christian Dunker, Jessé Souza e Matheus Pichonelli (mediação), no Seminário Internacional Cidades Rebeldes:

***

Gilberto Maringoni é doutor em História Social pela FFLCH-USP e professor adjunto de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC. É autor, entre outros, de A Revolução Venezuelana (Editora Unesp, 2009), Angelo Agostini: a imprensa ilustrada da Corte à Capital Federal – 1864-1910 (Devir, 2011) e da introdução do romance O homem que amava os cachorros, do cubano Leonardo Padura. Cartunista, ilustrou algumas capas de livros publicados pela Boitempo Editorial na Coleção Marx Engels, como o Manifesto comunista. Integra o conselho editorial do selo Barricada, de quadrinhos da Boitempo.

12 comentários em Maringoni: A política dos puros

  1. Joaquim Pinheiro // 19/08/2015 às 7:56 pm // Responder

    Não é que o dia vai ser contaminado pelo governismo, será a tônica, já que serão predominantes. É o contrário, será que esse dia vai ter alguma contaminação de crítica ao governo? Sim, mas bem marginal.
    Maringoni tinha que voltar para o PT, se é que já saiu. Sequestraram o PSOL!

    Curtir

  2. Antonio Elias Sobrinho // 19/08/2015 às 8:09 pm // Responder

    A manifestação de amanhã, assim como a do dia 15/08, vai ser um fracasso. A primeira fracassou por que as pessoas não sabiam exatamente o que estavam querendo e quem sabia defendia causa sem muito enraizamento no presente.
    Na de amanhã, cujo êxito dependia muito do resultado da primeira, talvez seja pior ainda.
    Marcada para um meio de semana, possivelmente terá mais a presença de pessoas manipuladas por entidades ligadas ao governo, isto é, de pessoas que não tem mais nada à ver com o mundo do trabalho e nem interesse pelo que vai fazer na manifestação.
    Por outro lado, a convocação é de uma frente heterogênea que, se por um lado soma. por outro exclui. Por exemplo, muita gente vai com a intenção de se opor ao reajuste fiscal e outros vão em defesa do governo. E aí?
    Por último, pelo que vi nas redes sociais, as palavras de ordem vão ser as mais contraditórias: contra o reajuste e o desemprego, pela democracia, contra o golpe e por aí afora. Isso pode dar certo?

    Curtir

  3. Concordo com o texto. Assim como texto de Dunker (“A alma revolucionária” publicado em junho neste blog) discutindo a ideia da mentalidade de condomínio na esquerda, que sofre com o problema de autenticidade.
    Contudo, é problemático não pensar nessa crítica como algo necessário. É Importante pensar nos porcos de “Animal Farm”, de George Orwell. Aquela fábula nos lembra como ideais revolucionários podem ser traídas por um processo de burocratização, o mesmo era apontado pela crítica pertinente de Trotsky em sua “Revolução Traída”, ou mesmo pelo ensaio da Rosa Luxemburgo “A Revolução Russa” na qual criticava a eliminação dos espaços de oposição durante o processo revolucionário…
    Essa questão é latente em nossos dias. Vê-se a “corrupção” ideológica de Alexis Tsipras frente a pureza de Yanis Varoufakis na Grécia, Tsipras praticamente eliminou a ideia de mudança, essencial para a esquerda, quando aceitou o estado de exceção imposto pela Troika, muitos dizem, Tsipras foi pragmático e Varoufakis ingênuo. Gostaria de ver se em vez de Tsipras tivéssemos um ingênuo do tipo do Evo Morales ou de Hugo Chavéz.
    Muito dos problemas de autenticidade da esquerda decorre do problema prático: quando forças de esquerda assumem o poder, o que fazer? Aceitar as regras é fácil, mudar as coisas não (mérito que os bolcheviques e o bolivarianismo tiveram, por exemplo).
    Como, muitas vezes, os movimentos pragmáticos não possuem nem uma agenda factível, é fácil o sectarismo teórico tomar conta. Em vez de discutir o “como fazer?”, discutem o “que fazer?”. Isso quando não acontece algo pior… Como foram as Jornadas de Maio de 1937 em Barcelona.
    Esse é um problema severo da esquerda brasileira, discutir uma agenda clara, não se se é pragmático ou não. Para surgir como uma via eleitoral ela precisa, antes de tudo, se diferenciar do campo majoritário na política nacional. Coisa que a nova direita, conservadora e neoliberal (ainda que ela seja essencialmente ignorante e representada por crentes, coronéis e um astrólogo e um guri de origem coreana que nunca leu os livros dos teóricos que defende), também precisa fazer para ser viável.
    Por vezes, essa acusação à autenticidade surge mais de uma falácia, como a Argumentum ad hominem. Em vez de tentar convencer os “puristas”, os acusa. Em vez de atacar os ingênuos, seria bom desviar o foco deles para um espelho, e ver o que ele reflete. Pensar em uma visão lateral, uma paralaxe, para rememorar o nosso grande Zikek. E ver se somos os porcos de Orwell ou se somos realmente agentes da mudança.

    Curtir

  4. Mauro Luis Iasi // 20/08/2015 às 12:50 am // Responder

    Só há uma coisa pura nesta questão, amigo Maringoni, : a ilusão. E nem nova é, nem deu tempo de explicar a ilusão que brotou nas últimas eleições, na qual se acreditava que Dilma, por conta do sufoco na eleição podia dar algum sinal de vida inteligente e se aproximar das demandas populares. Agora a ilusão é diferente. Estão certos, os movimentos e forças políticas que convocam o ato, em afirmar a pauta de luta contra o ajuste e seus efeitos perversos para os trabalhadores, mas ainda erram no alvo. É impossível fazê-lo sem apontar claramente o governo que o impõe e com o acordo por cima agora celebrado com Renan e o Congresso, com a benção da FIRJAN, FIESP, Globo, Financial Times e outros.
    As forças governistas não apenas “participaram” dos atos, pois são públicas, mas o dirigirão e darão o sentido que querem, na estratégia que assumiram, e este sentido é a defesa do governo que está implantando o ajuste que se pretende combater.
    Enquanto isso… na greve das universidades federais, por exemplo, o PT, o PCdoB e sua UNE, se aliam aos conservadores para tentar sabotar a luta dos professores, técnicos administrativos e estudantes. É uma aliança estranha… aliar-se com o adversário. Não é uma questão de “pureza”, talvez de prudência.
    Um abraço e boa sorte nos atos dia 20… e nos dias que seguirão.

    Curtir

  5. Faço minha as palavras de Lênin, que o Maringoni interpreta da maneira que ele entende, tentando aplicá-la a realidade e conjuntura brasileira, mas não entendendo nada da conjuntura em que ele escreveu; Será que Lênin escreveu estas palavras por que ele queria, tinha a intenção de se aliar ao governo e as forças governistas.que atuavam naquela época, ou era outra sua intenção?
    “Há compromissos e compromissos. É preciso saber analisar a situação e as circunstâncias concretas de cada compromisso, ou de cada variedade de compromisso.
    É preciso aprender a distinguir o homem que entregou aos bandidos sua bolsa e suas armas para diminuir o mal causado por eles e facilitar sua captura e execução, daquele que dá aos bandidos sua bolsa e suas armas para participar da divisão do saque.

    Quer dizer então que CUT, MST UNE, CTB estão contra o governo??? Quando??? Se romperam, a imprensa escondeu??? Será que o PT também não está convocando e irá participar???

    O homem a que se refere Lênin, no presente caso (Lulo/Petismo), está entregando a bolsa para diminuir o mal causado ou é aquele que participou/participa da divisão do saque? Se me esclarecer esta questão, poderemos tentar entender a sua interpretação.

    Muito pior que ser “puro” é ser o protagonista da traição das esperanças que o povo deposita no Psol. É repetir todos os erros que o PT cometeu no afã de chegar à presidência, com sua política de alianças com o inimigo, e vamos deixar claro. se não soubermos aclarar para toda a população que existem “inimigos de classe” que apoiam (e mesmo implantam) as reformas
    da previdência, que fazem vistas grossas às privatizações do FHC, que não fazem a reforma agrária, que nomeiam os principais lideres do agronegócio, banqueiros e industriais para seus ministérios, que aplicam o estelionato eleitoral, para aplicar exatamente a política que só a eles interessa, e que chamam de ajuste fiscal, contra os direitos trabalhistas (apoiados pela CUT), que sobem a taxa de juros como se a produção estivesse abaixo da demanda, que reduziram todas as taxas que sustentam a previdência social em beneficio dos patrões (taxas da folha de pgto), que mantém o discurso que a previdência é deficitária, e mantém o fator previdenciário com esse mesmo argumento, forçando assim que todos os assalariados procurem ter um plano de previdência privada, que cortam orçamento da saúde, da educação, dos desempregados, dos pescadores etc repito que se não soubermos aclarar estes pontos a todos os trabalhadores, do campo e da cidade, criando confusões mentais como tem feito a CUT, o MST e a UNE, entre outros e não soubermos nos distinguir desses que de uma forma ou outra recebem verbas governamentais ( conhecidos como a turma da boquinha) e se calam diante das atrocidades deste governo que a direita chama de “esquerda”, “comunista” então seremos confundidos com os mesmos e seremos “farinha do mesmo” saco e no futuro, que está próximo seremos cobrados por nossas posições. Tem momentos históricos que é mais produtivo irmos para o gueto do que nos misturarmos com os lobos disfarçados de ovelhas, pois o nosso papel é levarmos consciência a essa população que é “manipulada” em suas opiniões e conceitos pela imprensa escrita, falada e Televisa, Deixemos só os governistas irem para a rua, para inclusive a população perceber que existem os da direita “com bandeiras verde-amarelo, os da direita que usam bandeiras e camisetas vermelhas, mas que existem outros que com as mais variadas cores, azul, amarelo, verde, com sóis, arco-íris, etc tem uma terceira posição …. Participar desse ato, é dar respaldo as essa entidades que subliminarmente dão ao Petismo Lulismo esse “ar de esquerda” que tanto tem confundido a consciência do povo. Nem dia 16 e nem dia 20 são os movimentos que queremos. Lênin tinha posições que eram esclarecedoras e não posições que confundiam a consciência das massas.

    Curtir

  6. Sandro Gomes // 20/08/2015 às 1:33 pm // Responder

    O problema não é a “contaminação”, mas a apropriação do evento do dia 20. É uma batalha pelos sentidos, pelo significado desse dia. O PT e seus aliados históricos vão usar o dia para reforçar suas posições no governo Dilma e se proteger do PSDB e seus aliados. Os outros setores da esquerda, como o PSOL e o MTST, correm o risco de se tornarem coadjuvantes, massa de manobra, pois o PT e seus aliados ainda possuem suficiente força política e simbólica para ganhar o significado do evento para si. Resumo da ópera: Quem é o dono do evento???

    Curtir

  7. gabriel brito // 20/08/2015 às 4:48 pm // Responder

    Haja estômago de ler isso. A impostura nao tem fim, a vontade de ser petista também não… Roubam o ato e vem gente da esquerda “anticapitalista” passar paninho. Não basta fazer campanha pra eleger a Dilma, sem nenhuma contrapartida pelo apoio, nao basta tratorar processo interno, nao basta debater junho com a “esquerda antijunho” e deixar do lado de fora quem fez o processo. Não há limites para os conciliadores e estalinistas. Tudo pela vã ilusão de compartilhar um naquinho do poder e suas facilidades. Com essa esquerda branca, viu, tamo mortinho da silva. Aí sim não falaremos pra ninguem, ainda que os conciliadores de classe culpem os “extremistas”. Mas e a Agenda Renan, e a lei antiterrorismo? Onde estarão os amigos do professor quando vierem a cabo? Estarão nos ajudando a combatê-las também, ou é mão única a relação?

    Curtir

  8. Luiz Carlos Ramos Cruz // 20/08/2015 às 6:55 pm // Responder

    Marigoni, peço sua reflexão para: “Não se defende direitos, se manifestando a favor de quem os retira”. O PT é um instrumento da direita, tem dúvidas ainda ?

    Curtir

  9. Esse texto me deu um calor no coração, mesmo em tempos tão difíceis, tem gente que vê. Maringoni, me abraça!

    Curtir

  10. Republicou isso em jizDoc.

    Curtir

  11. gabriel brito // 22/08/2015 às 2:10 pm // Responder

    Depois de viver por dentro o patético ato de quinta, lavo a alma com essa entrevista ao economista Reinaldo Gonçalves, que sempre alertou como deveríamos ser implacáveis com o lulismo. “Não há como recuperar a legitimidade da política sem ruptura radical com Lula e Dilma” http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11039:2015-08-21-22-22-10&catid=34:manchete

    É isso. Quem quer ressuscitar cadáver que vá a um centro espírita. Luta de classes não é brincadeira pra conciliador, e o atual esgotamento deixa tudo mais que claro.

    Curtir

Deixe um comentário