As aves que aqui gorjeiam tinham outros nomes

14.11,04_Mouzar Benedito_As aves que aquiPor Mouzar Benedito.

Já comentei aqui o lançamento do livro Paca, Tatu, Cutia… Glossário Ilustrado de Tupi (Editora Melhoramentos), uma espécie de pequeno “dicionário”, mas sem a estrutura formal dos dicionários, com palavras que falamos no dia a dia sem perceber que elas são de origem tupi.

Muitas aves mantiveram os nomes de origem tupi. É o caso do sabiá, sanhaço, tié, arara maritaca, araponga, bacurau, graúna, saíra, guará, jaburu , jacu, juriti, jaó, macuco, maguari, mutum, nhambu, saracura, seriema, socó, tangará, tucano, uirapuru, urubu e anu, por exemplo. No nosso “dicionário” tem o significado dos nomes delas.

Mas o Ohi, meu parceiro no livro (as ilustrações são dele) me lembrou de uma coisa: e as aves que receberam nomes dados pelos portugueses, quais eram os nomes delas na língua tupi? Bem-te-vi, nome onomatopaico – quer dizer, que imita o som que ele emite –, certamente não seria tupi, argumentou. E não é mesmo. Em tupi, seu nome é pitanguá, que significa comedor de pitanga.

Pensando nisso, listei algumas que não estão no livro, pois são aves que receberam nomes dados pelos portugueses. Como eram os nomes delas em tupi? Pesquisei e repasso pra vocês. Aí vão.

João-de-barro é ogaraiti (casa-ninho); canarinho, ou canário-da-terra, é guiranhengatu ou uiranhengatu (pássaro que canta bonito), mas é chamado também pelo onomatopaico chapim.

Pica-pau é ipecó (fura-árvore), gralha azul é uiraobi (ave azul) e azulão é guarundi (ave pretinha). Beija-flor é guainumbi (passa depressa). Muitos pensam que colibri, um dos nomes do beija-flor, é tupi, mas esse é seu nome na língua galibi.

Ati é nome genérico para gaivotas, e pode significar cabeça branca. Picu é nome genérico de pombas, significa comprido. Rolinha é picuí (pomba pequena). Pomba-do-ar é picaçu (pomba grande) e fogo-pagô é picuipinima (rolinha pintada).

Tico-tico pode ser tico-tico mesmo (onomatopoaico) ou jipiú, xibiú, xibiu (coisa pequena) e caga-sebo é cambacica (cabeça curta ou cabeça cortada).

Codorna é unambuí (pequeno nhambu). Bom, aqui cabe explicar “nhambu”: é o que levanta voo a prumo (y-nhá-bu), ou o que surge fazendo algazarra, fazendo barulho (y-nhã-bu). Perdiz é inhambuapé, que pode vir de inhambu-peba (nhambu baixo, achatado), mas há quem diga que inhambupé tem outra origem, significando mais ou menos “baixinho que come fazendo barulho”. Algumas variantes do seu nome são enapupê, inhapupé, nhapup~ee e napopé.

Cardeal é acapitã (cabeça-vermelha) ou as variantes acampitá e capitã, mas é chamado também de paroara (que mora no rio). Martim-pescador é ariramba (caído da margem: ele vive à margem dos barrancos e faz seus ninhos em buracos elevados), tendo as variantes urarirama e urarirana, mas é chamado também de jaguati (focinho de onça, nariz de onça). Mergulhão é atobá ou biguá (pé vermelho ou pé penugento). Andorinha é taperá, talvez porque faz ninho em taperas. Por falar em tapera, essa palavra significava originalmente aldeia extinta, o que foi aldeia, mas depois passou a ser usada também para falar de casa em ruína.

O nome genérico dos gaviões é tauató, ou as variantes toató e taguató (tem vários significados, um eles é “que é encorpado” e outro é “que tem a pena listrada”). A palavra aparece nos nomes de vários gaviões, como taguatojuba (gavião amarelo), taguatopiranga (gavião avermelhado) e taguatopinima (gavião pintado). Outros gaviões, como o pinhé e o carcará, mantiveram os nomes tupis.

As corujas são muitas, algumas mantiveram o nome tupi, como o caburé (morador do mato) e o jucurutu ou murucutu (triste e agressivo), mas outras mudaram, como é o caso da coruja-das-torres, que é suindá ou suindara (o que não se alimenta – os índios acreditavam que elas não comiam).

Bom, seja em tupi ou em português, é bom ver e ouvir essas aves todas, não? Mas não nas gaiolas. Lugar de guiranhengatu, por exemplo, é nas árvores, cantando bonito pra gente ouvir.

***

Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças. 

4 comentários em As aves que aqui gorjeiam tinham outros nomes

  1. Linda explicação.

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  2. Sandra Almeida // 04/11/2014 às 12:17 pm // Responder

    Amei. Obrigada pela oportunidade de acesso a tão grandiosas informações!

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  3. Estou procurando pelo significado do termo uru’wu, que deu origem à palavra urubu, e não encontro… Vocês saberiam me dizer?

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    • Mouzar Benedito // 12/11/2014 às 2:32 pm // Responder

      OI, Lara,
      Nas minhas pesquisas, em vários dicionários aparece sempre uru-bu, significando “grande ave negra”. Só no “Dicionário de Palavras Brasileiras de Origem Indígena”, de Clóvis Chiaradia (Limiar Editora, 2008), aparecem outras alternativas, além dessa. Ele cita também como prováveis origens da palavra “i-re-bu” (o que exala fedor, fétido) e uru-u-bu (ave negra voraz).
      Abraços.
      Mouzar

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