Sobre o acesso ao livro no Brasil

A Boitempo considerou violenta e não está de acordo com a ação da ABDR – entidade à qual não é filiada – que provocou no mês passado a retirada do ar do blog Livros de Humanas. Nossa editora busca constantemente formas de tornar seus livros mais acessíveis ao leitor, sem prejuízo da qualidade editorial pela qual se tornou conhecida. Com esse fim, realiza com frequência eventos públicos e gratuitos com autores dispostos a disseminar as ideias que defendem e interessados na construção coletiva de alternativas. Grande parte desses autores têm sido trazidos ao Brasil às expensas da Boitempo e parceiros, casos de István Mészáros, Slavoj Žižek, David Harvey, Giorgio Agamben, Ellen Wood, Michael Löwy, Perry Anderson, Domenico Losurdo e muitos outros. Além disso, a editora traduz e edita textos de seus autores, que são disponibilizados gratuitamente aqui no Blog da Boitempo, realiza promoções periódicas, sorteios e vendas diretas em eventos acadêmicos com descontos de até 50% sobre o preço de capa.

Também acreditamos que o formato digital pode facilitar o acesso às obras, sobretudo devido às dificuldades de distribuição enfrentadas num país de dimensões continentais. O formato permite uma diminuição significativa no preço de capa. A Boitempo reduziu sua margem sobre o exemplar digital e se dispôs a praticar preços tão acessíveis quanto os do mercado internacional. Com essa nova política de preços de ebooks, nossos títulos digitais passaram a custar até 65% mais barato do que a versão impressa, uma redução acima da média brasileira em termos relativos e absolutos. A editora também pratica o nivelamento dos preços dos ebooks a uma faixa fixa que vai dos R$ 5,00 aos R$ 45,00, muitas vezes equivalentes a uma cópia impressa malfeita, e com uma qualidade infinitamente superior à das cópias escaneadas, como só os originais possuem.

Com essas medidas, a Boitempo busca aproximar seu público, composto por estudantes principalmente, dos quais depende para continuar publicando. Os processos e custos de uma pequena editora são pouco conhecidos pelos leitores em geral. Fazer um livro é sempre uma aposta. É preciso o investimento inicial que envolve um processo com muitas etapas entre o original (matéria-prima) e o livro na gôndola da livraria (produto final). Somente depois de um número significativo de vendas a editora começa a ter retorno, o que muitas vezes não chega a acontecer, casos nos quais é preciso arcar com o prejuízo. O retorno que a editora recebe (descontando custos, pagamento de direitos autorais, impostos, distribuição) é o que a mantém funcionando e o que permite publicar novos livros, alimentando assim o público-leitor ávido por conteúdo e qualidade. É uma cadeia produtiva de subsistência. Além de autores e editores, esse processo sustenta tradutores, revisores, diagramadores, capistas, sem mencionar a parte de papel e gráfica, o trabalho de divulgação, vendas e estocagem.

O compartilhamento de livros copiados no meio acadêmico existe há muito tempo. A internet apenas expandiu o alcance desse tipo de atividade, mas o princípio e a motivação são os mesmos: universitários em busca de conhecimento acessível, o mais acessível possível. A Boitempo, desde a sua criação, sempre lutou pela democratização do conhecimento, inclusive daquele viabilizado por ela mesma, como já pontuamos. Dessa forma, seria no mínimo contraditório reprimir nossos leitores por buscarem exatamente o que defendemos. Responsabilizar o leitor, a parte mais frágil e também a mais importante da cadeia editorial, é uma covardia. Assim como é um equívoco alguns leitores culparem as editoras, especialmente as pequenas, pelo custo dos livros no Brasil. Há outros setores envolvidos na definição dos preços, como as livrarias e o governo. Sem uma política pública que incentive a  disponibilização, as casas publicadoras não poderão diminuir o preço do livro sem comprometer a sua estrutura. Para uma casa publicadora independente, na qual as vendas governamentais são insignificantes, como é o caso da Boitempo, as limitações são ainda maiores. Somos 100% a favor da mediação do Estado no mercado editorial, pois cultura e conhecimento não podem ser tratados como mercadoria. Discutir a disponibilização de conteúdo está na ordem do dia e esperamos que as demais partes, incluindo os leitores, também estejam dispostas a esse diálogo.

Ivana Jinkings

Editora da Boitempo Editorial

5 comentários em Sobre o acesso ao livro no Brasil

  1. Sem vendas não existirão editoras, sem editoras não existirão escritores. Tão querendo tudo de graça, sem o respeito ao direito de propriedade. De vão viver os escritores, escreendo para a tv?

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  2. Concordo que os livros são caros,a distribuíção é bem injusta e o governo nada faz, ou pouco faz. O meu maior medo é utilizarem mal a internet para se ter livros a torto e a direito sem a preocupação com o direito autoral.

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  3. Parabéns pelo manifesto. Uma das melhores editoras do Brasil.

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  4. Estou de acordo com André. Parabéns pelo manifesto, pela iniciativa de não agregar-se a essa elite editorial que só pensa em termos financeiros.

    Ora, é claro que as editoras e seus colaboradores devem ser remunerados pelo trabalho que realizam, mas essa equação tem de ser debatida com a sociedade e não por meio de iniciativas que buscam apenas o monopólio da cultura pela via impressa.

    Hoje mesmo li a entrevista que o editor do conglomerado Record deu ao Estadão e fiquei triste em perceber que há, apenas, um jogo de interesses entre a elite editorial brasileira e os interesses norte-americanos na reprodução digital de livros.

    “Um país se faz com homens e livros”, a sentença batida de Monteiro Lobato é clichê apenas na falácia e não no campo prático. Por enquanto, o Brasil tem-se feito apenas de homens e negócios.

    Sábios os editores que olham para uma livraria (ou biblioteca) não com a visão econômica de oferta e demanda, mas sim com o olhar drummondiano.

    “Não, meu coração não é maior que o mundo.
    É muito menor.
    Nele não cabem nem as minhas dores.
    Por isso gosto tanto de me contar.
    Por isso me dispo,
    por isso me grito,
    por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
    preciso de todos.”

    Um agradecimento de quem é leitor.

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  5. O atual sistema de propriedade intelectual é algo que precisa ser repensado e adequado às atuais necessidades – se por um lado a “história não pode ser esquecida” (como dizem May e Sell, dois pesquisadores da área) e esta é a forma de proteger os produtores dos bens imateriais, por outro lado também é necessário discutir o acesso e o limite moral de acesso a estes bens. Quanto à Boitempo: só tenho elogios a fazer à política editorial de vocês. Em comparação com outras editoras que praticam preços extorsivos – como a Saraiva, por exemplo -, a Boitempo mostra que é viável um sistema que permita, ao mesmo tempo, a coexistência dos interesses do autor e do leitor. Parabéns!

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