O inimigo público nº 1

Por que motivo esse homem de 73 anos causa tanto medo? Impedir que Lula apareça, impedir que Lula fale, tentar impedir que Lula seja lembrado – é a obsessão dos donos do poder no Brasil.

Por Luis Felipe Miguel.

Lula foi condenado em mais um dos processos montados contra ele, o do sítio de Atibaia. Não há nada aqui que fuja do script; tanto quanto no caso do apartamento do Guarujá, o veredito já estava determinado de antemão. A sentença da juíza Gabriela Hardt passa à história ao lado da anterior, de seu mentor Sérgio Moro, como um monumento do desprezo ao direito e da impudência que grassa no Judiciário brasileiro. Não é indicado ato de ofício que justifique a condenação, que aliás se dá por motivo diverso do apresentado na acusação, e volta o argumento bizarro de que a ausência de evidências é indício de crime. O toque pessoal de Hardt foi apresentar, entre seus argumentos, a coincidência substantiva nos depoimentos de duas testemunhas-chave do caso, José Adelmário e Léo Pinheiro. Seu trabalho foi tão bem feito, tão atento, que ela não percebeu que são a mesma pessoa: Léo é o apelido de José Adelmário.

Tamanha lambança vai causar alguma comoção nas instâncias superiores? Certamente não. O TRF-4 já mostrou a quem serve ao garantir, a jato – a Lava Jato? –, a inelegibilidade de Lula. E o STF, presidido pelo pigmeu moral Dias Toffoli, é bem mais sensível aos sussurros, cada vez menos discretos, dos generais do que aos gemidos da Constituição agredida.

Dias antes da nova condenação, Lula foi impedido de assistir ao funeral de seu irmão Vavá, em um dos episódios mais consternadores da perseguição judicial contra ele. Foi-lhe negado um direito claramente consignado na lei, com base em justificativas bisonhas. Ao final, Dias Toffoli, sempre ele, acrescentou a cereja do bolo com a vexatória autorização para o comparecimento ao enterro, dada minutos antes do corpo descer ao túmulo e sob condições draconianas: o morto deveria ser transportado para alguma Guantánamo tupiniquim, celulares seriam proibidos, só os familiares mais próximos seriam admitidos e, o mais importante, Lula não poderia fazer nenhuma declaração pública. Sob a alegação, claro, de proteger sua segurança.

Por que motivo esse homem de 73 anos causa tanto medo? Impedir que Lula apareça, impedir que Lula fale, tentar impedir que Lula seja lembrado – é a obsessão dos donos do poder no Brasil.

O legado do lulismo ainda é objeto de discussão na esquerda – e certamente assim continuará, por longo tempo. Para muitos, o ex-presidente é um exemplo da virtù maquiaveliana, navegando em circunstâncias muito adversas e, assim mesmo, conseguindo promover políticas de inclusão social que mudaram a vida de milhões de brasileiros. Para outros, ao optar por um programa de infinita timidez e autocontenção, abandonando a perspectiva classista e também os esforços para mudar a correlação de forças no país, ele trocou um horizonte de transformações profundas por mudanças pontuais e carentes de solidez. O golpe de 2016 e a opção da classe dominante pelo bolsonarismo parecem ter liquidado qualquer esperança de ressurreição do projeto lulista.

Pouco importa. Com seus equívocos e com seus acertos, com suas ambiguidades e suas vacilações, Lula, por um lado, representa a possibilidade de um Estado que olhe para os mais pobres e, por outro, é a imagem de um povo brasileiro que rompe seu complexo de inferioridade e passa a ter orgulho de si mesmo. Para além de todo o espírito de conciliação, acomodação e moderação, esses dois elementos de alto potencial subversivo estão sempre presentes. É por isso que, para os que mandam no Brasil, Lula é o inimigo público nº 1.

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Luis Felipe Miguel assina o prefácio do livro A verdade vencerá: o povo sabe por que me condenam, de Luis Inácio Lula da Silva, obra em que o ex-presidente conta sua versão da história, diante de uma perseguição política sem precedentes na era democrática. Para aprofundar a reflexão sobre o sentido da democracia e sua relação com os padrões de dominação presentes na sociedade, recomendamos também a leitura de Dominação e resistência: desafios para uma política emancipatória, de Luis Felipe Miguel.

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Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, onde coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades – Demodê, que mantém oBlog do Demodê, onde escreve regularmente. Autor, entre outros, de Democracia e representação: territórias em disputa (Editora Unesp, 2014), e, junto com Flávia Biroli, de Feminismo e política: uma introdução (Boitempo, 2014). Colabora com os livros de intervenção Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil (Boitempo, 2016) e O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil (Boitempo, 2018). Seu livro mais recente é Dominação e resistência: desafios para uma política emancipatória (Boitempo, 2018). Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente às sextas.

14 comentários em O inimigo público nº 1

  1. Rafael Foltran Pazim // 08/02/2019 às 11:20 am // Responder

    Como alguém que tem 2 neurônios ainda defende o Lula e o PT. O nível de abstração supera o bom senso. É triste ver um exército de pessoas que defendem esta organização criminosa. Como um professor, que sabe o quanto ganha um, defende isso tudo. (aí me cabe uma reflexão, será que este senhor ganha como um professor, ou tem algum incentivo da organização criminosa ?

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    • Marcio Motta // 08/02/2019 às 12:21 pm // Responder

      Caro companheiro Rafael,
      Seria interessante ler o artigo novamente. Ao invés de “defender” algo, como você afirma em seu comentário, o professor apresenta fatos em sua argumentação e com eles vai tecendo o enredo que todos nós temos obrigação de conhecer, independente das nossas paixões e ódios. Esse exercício nos torna mais aptos a refletir e pensar, tendo mais ou menos neurônios (certamente mais que 2, como você bem sabe), praticando assim a tão sonhada cidadania.
      Para finalizar, um conselho de camarada: fica muito feio acusar o professor sem provas, pois seria complicado ter que comprovar sua afirmação de que ele recebe algum “incentivo” de uma organização criminosa, correto?
      Abraços fraternos e a luta continua!

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      • Pedro Araujo // 08/02/2019 às 10:39 pm // Responder

        O professor “apresenta fatos”. Vou te dizer alguns fatos: 1. o presidiário foi condenado por corrupção por diferentes juízes, em diferentes instâncias. Isso é só o começo, tem outras cinco ações. 2. Não há dúvida da existência de um grande esquema de corrupção no governo Lula, que roubou ou deixou roubar bilhões. Eles chamam roubo de “presidencialismo de coalizão”. 3. seu aliado íntimo, Palocci, descreve, em detalhes, a sede inigualável do presidiário por dinheiro público durante os governo do PT. 4. O corrupto maior, depois de dar a eleição para o Bolsonaro, destruiu a representação política de esquerda (PT e PSOL) que hoje se resume a um único discurso: lula livre. 5. Ninguém está preocupado com o significado do Lula. Ele é só um presidiário condenado que terminará seus dias na cadeia.

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  2. Fabiane Santana Previtali // 08/02/2019 às 11:41 am // Responder

    Parabéns Prof. Luis pelo excelente artigo. Digno de um cientista, que se utiliza da razão, apresenta a problematização e os argumentos muito claramente e assume uma posição justificada.
    Faz jus ao cargo de servidor público de uma universidade pública, voltada ao ensino e à pesquisa mundialmente reconhecida.
    Pena que estamos cercados por ignorantes que não raciocinam, não estabelecem relações e penso que nem saibam o significado da argumentação. Esses estão bem representados pelos atuais donos do poder!

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  3. Gilvando Cruz // 08/02/2019 às 12:17 pm // Responder

    Essa insistência e adoração pelo socialismo é doentio… O parágrafo final do artigo deixa claro a intencionalidade!
    Essa criatura desacatou a inteligência do povo brasileiro… deveria ter condenação pra esse tipo de crime, com inclusão aos adeptos da seita!

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  4. Enviado do meu iPhone

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  5. Fernando Dias Gabriel // 08/02/2019 às 5:11 pm // Responder

    Tempos vão, tempo vem…. A balança das ideologias com novas roupagens apresentam sempre dicotomias: democracia versos totalitarismo, governos populares ou das elites, legítimos ou não, e por aí vai. Nestas idas e vindas, é inegável que estamos em novo ciclo de autoritarismo e retorno da velha extrema direita, aquela onde nada é Direito, e a Justiça é acima de tudo “prática”, “justa”, colocando novamente “as coisas na sua verdadeira razão”.
    Agora temos gente “limpa”, “Cristã”, “verdadeiros patriotas verde-amarelos”, abnegados defensores da moral e da “ordem e progresso”. Ordem a ser cumprida rigorosamente pelos amados “trabalhadores do Brazil”, progresso para os velhos “Donos do Poder”.
    Nessa hora de discursos tresloucados pelos novos “iluminados” ouve-se absurdos lógicos ditos com pompa e entusiasmo pelos que em suas megalomanias supões todos imbecis. Nestes pequenos “atos falhos” não percebem que o rei está nu, como no discurso do superministro da fazenda ao lançar a nova “carteira de trabalho verde-amarela” dizendo que, agora, os aspirantes a emprego terão a oportunidade de escolher a fórmula de seus direitos, para o seu primeiro emprego. Ou seja, na realidade está apenas dizendo: “Quer emprego?, abra mão de seus direitos trabalhistas, coisa do passado que devemos esquecer; não aceita?, não tem problema, continuarás sem emprego, é você que escolhe. O governo não irá mais exigir o cumprimento de leis arcaicas, os tempos são outros” “Queremos que os jovens tenham liberdade de escolher”.
    isto é que é democracia. E Viva Bolsonaro!!!!
    Leir Bag Said.

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  6. Sou curiosa e vou investigar as pessoas que fazem comentários sem fundamento legal. Seu Rafael é pequeno empresário, provavelmente classe média brasileira frustrada, que não consegue ser rico e odeia o fato do pobre ter condições aproximadas ou iguais às suas. Tem ação judicial trabalhista contra sua empresa? Gosta de aparecer em coluna social? Como eu disse “classe média frustrada”.

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  7. Pedro Araujo // 08/02/2019 às 10:14 pm // Responder

    Eu sei porque o Lula é o inimigo público número 1°. Segundo todas as investigações, decisões judiciais tomadas em diferentes âmbitos, delações de aliados íntimos, o presidiário roubou e deixou roubar bilhões. Ele não só fez isso: destruiu instituições públicas e privadas, levou o caos a vida de milhões de brasileiros, que perderam emprego e a fé na democracia. O corrupto maior não terminou por aí: ele conseguiu acabar com a representação política de esquerda no Brasil. Hoje a esquerda (PT e PSOL) se resume a uma única ideia bizarra: “lula livre”. Esses babacas não perceberam que o lula tá preso e ficará preso. O chefe da quadrilha deve continuar preso e assistir de dentro da cadeia a extinção do PT.

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  8. João Damah // 11/02/2019 às 4:35 am // Responder

    Lendo o artigo e alguns comentários e depois de uma boa reflexão, me dei conta do conceito e do poderio de uma tal de “minoria ruidosa”. Me veio à memória u´a máxima popular que diz que conseguimos enganar uma pessoa por toda uma vida; duas, por um bom período; mas três, só por um breve tempo… Ora, “entonces”, como é que pode um “cabra” la do “sertão do cariri”, “anarfa”, depois de 8 anos de governo receber a aprovação de 84% da população brasileira (sem contar o reconhecimento internacional por seus feitos), para, passado um bom tempo, fazerem emergir seus desmandos e passar a ser execrado por essa minoria ruidosa (que virou 55%) e conseguirem denegrir sua imagem? Falem dele o que quiserem falar, mas que o “cabra”, para conseguir fazer o que ele fez, tem que ser muito bom. Em contra-partida, eita parcela de 16% poderosa “da gota”! Alguém sabe onde se pode tomar vacina contra a raiva humana?

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  9. Evaristo Alves // 11/02/2019 às 10:45 am // Responder

    Ah! Então chama a outra, ué!
    A dilma… Entende? Compreende?

    Chama a dilma! BH cansou dela: ela resolve “essa parada”, caro intelectual da UnB, — ô miguelzão.

    Eis aí a dilmA nésciA!

    Essa mulher é uma AnimalA, — cruzadA de égua com jumentA!
    Como toda certeza. Uma presidenta incapaza.
    Uma presidentA imbecila. Uma presidentA ignorantA.
    Uma PaTeta.

    uma parvA, desinteligente, energúmenA, medíocre.
    PALERMA.
    InaptA e ineficientA.

    IncompetentA, PresidentA incapazA; inábilA.

    Não tem inteligência:
    Idiota, imbecilA, estúpidA, presidentA ignorantA, burrA, nésciA, desqualificadA.

    BurricA, besta, mulA, asnA, jericA, onagrA. Uma pessoa com total pouca pensamentA.
    AnalfabetA.
    Uma palerma.
    Uma azêmola.
    BroncA.
    EstultA.
    Idiota.
    Parva.
    Uma tapada.
    IgnorantA imbecilA, lerdaçA, aPaTetada, teimosA, tola, uma toupeira, uma ANTA.

    Repare com muita atenção esse vídeo e confirme tudo acima. Eis:

    Nossa PresidentA. Montada e bolada pelo João-O-Milionário-Santana. Um produtA para consumo.

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  10. Celso Paoliello // 12/02/2019 às 1:06 pm // Responder

    A matéria do professor Felipe Miguel expõe em poucas linhas a crueza da perseguição dos poderosos ao maior líder popular e melhor Presidente que o país já teve. A plutocracia quer apagar a história e fingir que Lula nunca existiu e que seus governos foram de um sucesso absoluto e maciçamente aprovado pela nação brasileira. Um operário mostrou à “elite” como se governa para todos e como o ultraneoliberalismo não é a receita para o progresso social e econômico, ao contrário como está comprovado em TODOS os países no qual foi criminosamente implementado.

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