Para além de Marx, com Marx

"Imerso no contexto do século XXI, Harvey questiona a pertinência e a atualidade de Karl Marx. Vai adiante dele, com ele." – Amélia Luisa Damiani escreve sobre "A loucura da razão econômica"

Por Amélia Luisa Damiani.

David Harvey é um dos marxistas mais influentes da atualidade. Geógrafo de formação, ele desenvolveu uma leitura bastante original da obra de Marx informada por uma sensibilidade às dinâmicas de urbanização que acompanham a história do capitalismo e suas crises. Seu mais novo livro, A loucura da razão econômica: Marx e o capital no século XXI, é um esforço culminante desse projeto intelectual e político. Nele, Harvey se propõe a atualizar o pensamento de Karl Marx à luz das novas transformações da globalização capitalista contemporânea. Confira, abaixo, o texto que a geógrafa Amélia Luisa Damiani escreveu sobre o livro, a convite da Boitempo!

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A loucura da razão econômica é um escrito surpreendente. Nele, David Harvey tece com delicadeza o movimento do valor a partir da obra de Karl Marx, em busca de uma maneira compreensível de representar seus achados fundamentais diante dos impasses econômicos e políticos da atualidade. Não se trata de seu primeiro encontro com Marx, nem de algo ocasional, mas de pesquisa implicada de longa duração sobre a potência exponencial da crítica da economia política para a compreensão dos fundamentos do movimento do capital, considerando sua totalidade crítica constitutiva: produção, realização e distribuição.

Imerso no contexto do século XXI, Harvey questiona a pertinência e a atualidade do pensador alemão. Vai adiante dele, com ele. Examina ampla biblio­grafia dos dois últimos séculos, na perspectiva da relação interna entre valor e antivalor; este últi­mo, cuja loucura o terceiro livro de O capital já pressagiara, é uma construção teórica do próprio

Harvey, que, sob múltiplas determinações, se de­dica a consubstanciar sua validação e a definir o terreno da loucura da economia que nos sujeita.

O autor evoca Jacques Derrida e, a partir dele, Marcel Mauss para tratar das noções de potlatch e dádiva nas sociedades tradicionais e culturalmente diferentes, que incluíam a destruição e o desper­dício de riquezas como forma motora de sociabili­dade e exercício de poder partilhados; em tempos recentes, vislumbra a loucura da razão econômica como a destruição da riqueza humana e natural, posta francamente na interpretação ampla e es­trutural do processo do capital. A loucura da razão econômica expõe o movimento do valor, substan­cialmente, ao mesmo tempo, como antivalor.

Reconhece, entre as formas de alienação, a “nova alienação”, universal, interna ao movimento do antivalor; este, exponencial e infinito, sob regimes territoriais de valor no mundo, como expressa vo­razmente a China. São excedentes de capital sem­pre à cata de ajustes espaciais. Dolorosamente, concluímos que cidades inteiras estão sob a loucu­ra da razão econômica, produzidas e reproduzidas devido a ela e por ela. Somos incluídos, corporal e mentalmente, nesse processo total e alienante.

À mobilização de capitais produtivos e, em níveis extraordinários, àqueles especulativos, precipitan­do a exponencial mobilidade do antivalor exigida, correspondem a frustração e os impedimentos à construção de solidariedades de classe e a intro­dução de toda sorte de fragmentações. Os espa­ços heterotópicos, as manifestações políticas contra­postas à colonização de vontades, necessidades e desejos sociais, atingindo todos os segmentos da sociedade, mesmo aqueles que a precipitam, ainda refletem os impasses de uma práxis contestatória. A Comuna de Paris, os movimentos de 1968, de expressão mundial, e, mais recentemente, mobili­zações políticas na Turquia, no Brasil e nos Estados Unidos, entre tantas outras, expressam a dimensão da relação e do desacordo entre produção, realiza­ção e distribuição do valor a impregnar as manifes­tações políticas em suas fissuras.

Onde encontrar?

“David Harvey provocou uma revolução em sua área de conhecimento e inspirou uma geração de intelectuais radicais.” – Naomi Klein

“Ler esta devastadora denúncia de Harvey sobre como vivemos hoje é duvidar, como nunca, da convicção de que o livre mercado é a melhor maneira de aumentar o padrão de vida das pessoas.” – Stuart Jeffries, The Guardian

“David Harvey não dá o menor sinal de que vá diminuir o ritmo; sua fecunda produção garantiu seu estatuto como um dos acadêmicos mais citados do mundo. Este seu mais recente livro oferece um panorama simples, sem ser simplista, do sistema de pensamento de Marx e aplica esse sistema ao atual clima de incerteza política e econômica, jogando luz, ao longo do processo, em problemas novos e antigos. Uma obra informativa para os iniciados mas também para os leigos.” – Fred Melnyczuk, Financial Times

 

David Harvey no Brasil

Confira abaixo a programação de atividades com o autor, que conta com a promoção da revista CartaCapital:

São Paulo

David Harvey na FAU: As cidades e a loucura da razão econômica
20/08 // 17h30
FAU/USP

O desenvolvimento urbano e as crises do capitalismo
24/08 // 10h
Centro de Pesquisa e Formação – Sesc em São Paulo

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Fortaleza

David Harvey em Fortaleza: A cidade do capital
21/08 // 17h
Cine Teatro São Luiz

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São Luís

David Harvey em São Luís: A crise da urbanização planetária
22/08 // 19h
Auditório da UFMA – Centro Pedagógico Paulo Freire

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Trecho do livro

“Minha intenção aqui não é sugerir que o capital às vezes cede a um instinto primordial de destruir o que quer que ele tenha construído, como algumas crianças que parecem adorar pisotear os castelos de areia cuidadosamente construídos por outras crianças. Pois, para Marx, o que interessava era mostrar que aquilo que na história do capitalismo parecia (ou era apresentado como) um ato do destino ou dos deuses era de fato produto do próprio capital. Mas, para tanto, ele precisava de um aparato conceitual alternativo. Por exemplo, o modo de produção capitalista precisa reconhecer, escreveu Marx, que uma “desvalorização do dinheiro creditício […] faria estremecer todas as relações existentes”. Os bancos, como sabemos bem, precisam ser socorridos custe o que custar. “Sacrifica-se, portanto, o valor das mercadorias para assegurar a existência imaginária e autônoma desse valor no dinheiro. Como valor monetário, ele só fica assegurado enquanto estiver assegurado o dinheiro.” A inflação, como também sabemos muito bem, precisa ser controlada a todo custo. “Por uns poucos milhões em dinheiro, é preciso sacrificar, portanto, muitos milhões de mercadorias, o que é inevitável na produção capitalista e constitui uma de suas belezas.” Valores de uso são sacrificados e destruídos independentemente da necessidade social. Quão insano é isso?”

4 comentários em Para além de Marx, com Marx

  1. Roosevelth Ramos Barroso Carvalho // 23/08/2018 às 11:54 am // Responder

    David Harvey deu uma grande aula ontem aqui em São Luís, contextualizada no pensamento marxiano. Parabens à Boitempo!

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  2. Hugo leonardo Prata // 23/08/2018 às 12:28 pm // Responder

    Não vai ter lançamento no Rio de Janeiro?

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