Sonhos de um casal gringófilo

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Por Mouzar Benedito.

Ouvi (sem me intrometer) uma conversa de dois casais, como não ouvia há muito tempo. Estavam num bar, na mesa ao lado da minha, e aparentavam menos de trinta anos de idade. Falavam alto. Mas não foi isso que me chamou a atenção.

Conversaram um pouquinho sobre o impeachment e eram a favor. Mas logo entraram no assunto que mais lhes interessava: um dos casais não estava tão muito ligado nessas coisas daqui, dizia que em breve, para a dupla, o Brasil seria uma mera lembrança (ruim) do passado. Haveriam de para morar nos Estados Unidos, de qualquer maneira.

Então, mais importante do que qualquer coisa que acontecesse aqui, mais importante eram as eleições dos Estados Unidos. Hilary ou Trump vai vencer?

O casal gringófilo torcia levemente para Hilary Clinton, mas “entendia” as razões de Trump para propor um muro entre os Estados Unidos e o México. “Hispânicos”, segundo diziam, eram um problema nos Estados Unidos. Brasileiros, em parte, também. Mas eles, “bem formados”, pretenciosos, se integrariam perfeitamente à sociedade “americana” (só os naturais dos Estados Unidos são “americanos”, né?), com Trump ou com Hilary. Talvez com Trump teriam um pouco mais de dificuldades, mas “venceriam”. “Somos vencedores”, se autoproclamam pessoas assim.

Eram duas pessoas daquelas que acreditam que tudo que é brasileiro não presta e tudo “do primeiro mundo” é bom. Que sonham com um dia em que os gringos tomarão conta do Brasil. Viraremos um grande Porto Rico? Bom, aí talvez não gostem: em Porto Rico pelo menos falam espanhol. A Barra da Tijuca, no Rio, é “melhor”, os nomes das lojas são quase todos em inglês, e. tem até uma réplica da Estátua da Liberdade.

Em São Paulo, acho que não há um lugar equivalente, mas gente com vocação pra isso é que não falta. Como esse casal.

Lamentando que o nosso idioma seja o português, falam em inglês tudo o que podem, mesmo que haja expressões equivalentes em português. Aliás, muitos desse tipo falam pessimamente (e escrevem pior) o português, mas fazem questão de falar o inglês certinho, com sotaque dos Estados Unidos, claro. Com certeza vão achar um monte de erros de versão neste meu texto.

Como ao citar o centro de Miami falavam em “Down Town”, acho que para eles e assemelhados é uma tristeza morar na Casa Verde, Bela Vista, Capela do Socorro ou mesmo nos Jardins, quando poderiam “estar morando” em Green House, Nice Village, Help’s Chapel ou Gardens, não é? Não falaram isso, mas fiquei imaginando na hora.

Quem sabe, um dia isso aqui mude como eles querem (aí daria para morar aqui?) e os bairros de São Paulo (Saint Paul) passem a ter nomes mais “apropriados”. Além desses que já citei, listo alguns deles. Gozação, claro, mas é preciso explicar porque há cada vez mais pessoas incapazes de entender ironias. Enfim, vamos “viajar” um pouco pela São Paulo (e do Brasil) do sonho dessa gente.

Pinheiros, aposto que gostariam que fosse Pine Trees. De agora em diante, vou colocar só os nomes dos bairros e o que gostariam que fosse, em seguida:                      

Consolação – Consolation

Paraíso – Paradise

Lapa – Cave

Alto da Lapa – Cave’s High

Vila Penteado – Hairstyle Village

Penha – Clife

Freguesia do Ó – Parish of O

Campo Limpo – Clean Field ou Clean Camp

Campo Belo – Beautiful Field

Horto Florestal – Forest Allorment

Vila Formosa – Beautiful Village

Quarta Parada – Fourth Break

Perus – Turkeys

Carrão – Big Car

Veleiros – Sailingt Boats

Chácara Flora – Smallholding Flora

Cantareira – Pitcher Manufacturer

Cachoeirinha – Litte Fall

Limão – Lemon

Liberdade – Freedom

Luz – Light

Bom Retiro – Good Retreat

Vila Prudente – Prudent Village

Perdizes – Partriges

Barra Funda – Sling Bar

Água Rasa – Shallow Water

Água Branca – White Water

Ponte Rasa – Shallow Bridge

Aclimação – Acclimatization

Saúde – Health

Chora Menino – Crying Boy

Ribeirão Pires não é um bairro, é uma cidade da região metropolitana. Mas que gringalizem também: Saucer Stream.

Ah, se acham ruim que o português seja o idioma falado aqui, enriquecido por muitas palavras de origem indígena, o que dirão dos nomes tupis de muitos bairros? Devem ficar horrorizados, não é? Língua de índio! Então, listei alguns nomes de bairros e de rios que cortam a cidade e são referência aqui, seu significado em português e os nomes que gostariam que fossem:

Tatuapé (caminho de tatu) – Armadillo Path

Butantã (terra duríssima) – Grownd Very Flinty

Jabaquara (refúgio dos fugitivos) – Refuge for Fugitives

Tucuruvi (gafanhoto verde) – Green Grasshopper

Jaguaré (o cheiro da onça, ou onça fedida) – Jaguar Smell, ou Jaguar Stinky

Itaim (pedrinha) – Little Rock

Grajaú (indivíduo comilão) – Gobbler

Ibirapuera (árvore velha) – Old Tree (ou árvore podre: Rotten Tree)

Sapopemba (raiz esquinada, faceada, angulosa) – Angular Root

Pirituba (juncal) – Reed

Pari (covo) – palavra que não tem tradução para o inglês, mas como é uma armadilha para peixe, pode receber o nome de Trapp for Fish, ou Fish’s Trapp

Tremembé (brejo, alagadiço) – Marshy

Morumbi (colina verde) – Green Hill

Guarapiranga (garça vermelha) – Red Heron

Carandiru (cesto de palmeira) – Palm Tree’s Basket

Itaquera (pedreira velha) – Old Quarry – e neste caso, o “Itaquerão”, estádio do Corinthians, ficaria sendo Big Old Quarry, não é?

Ipiranga (rio vermelho) – Red River

Anhangabaú pode ser bebedouro das diabruras (Trough of Devilry) ou bebedouro do veado – Drinking Foutain of Deer

Mooca (faz casa) – Make House

Iguatemi (rio sinuoso) – Wave River

Pacaembu (riacho das pacas) – Paca’s Stream

Tietê (rio verdadeiro, rio de verdade) – Real River

Tamanduateí (muitos tamanduás) – Many Anteaters

Há duas interpretações para o significado do nome do bairro de Cangaíba. Uma é que vem de caa angaíba (mato minguado, mato ralo), que os gringófilos podem traduzir como Wees Sparce. Outra é que vem de (a)canga iba (cabeça ruim, louco), e nesse caso a tradução seria Poor Head, ou simplesmente Crazy.

Bom, vamos lembrar também que há muitas cidades do estado de São Paulo com nomes indígenas. Será preciso mudar os nomes delas. Por exemplo:

Poá (mão aberta) – Open Hand

Guaratinguetá (muitas garças brancas) – Many White Herons

Pindamonhangaba (onde os homens fazem anzol, fábrica de anzol) – Hook Factory

Taubaté (aldeia grande) – Large Village

Itu (salto, cachoeira) – Fall ou Waterlfall

Sorocaba (o lugar da voçoroca, quer dizer, da terra rasgada) – Place The Gully

Piracicaba (colheita de peixe) – Fish Harvesting

Ubatuba (muitas canoas) – Many Canoes

Bauru (cesto de frutas) – Fruit Basket

Guarujá (viveiro dos guarus e guaru é “peixe comilão”, barrigudinho) – Farmed Fish Glutton

Guarulhos – (guaru, em tupi, com o sufixo “lhos”, do português, é o nome que os colonizadores davam a índios barrigudinhos que havia ali, achando que eram “comilões”) – Gluttons

Embu das Artes (embu, vem de mboy, cobra) – Snake of Arts

E mais: um dia, quem sabe, pessoas como esse casal venham aqui, cheios de dólares, e vão querer viajar um pouco pelo resto da “colônia”, cidades praianas, históricas, turísticas, religiosas…

Aparecida – Appeared

Pirapora do Bom Jesus (pirapora, em tupi, é lugar com muitos peixes, piscoso) – Fishfull of Good Jesus

Curitiba (pinheiral) – Pine Forest

Londrina – Londoner

Camboriú (rio dos robalos, em tupi) – Sea Bass River

Gramado – Lawn

Boa Esperança – Good Hope

Belo Horizonte – Beautiful Horizon

Uberaba (rio brilhante) – Bright River

Juiz de Fora – Out’s Judge

Poços de Caldas – Wells of Grout

Ouro Preto – Black Gold

Tiradentes – Extracts Teeth

Passa Quatro – Spends Four

Campos do Jordão – Jordan Fields

Campinas – Meadows

Santos – Saints

Ribeirão Preto – Black Stream

Parati (uma das versões para seu significado é “água das tainhas”) – Mullet’s Water

Angra dos Reis – King’s Bay

Cabo Frio – Cold Cape

Porto Alegre – Joyful Port

Rio de Janeiro – January River

Salvador – Savior

Fortaleza – Fortress

Recife – Reef

João Pessoa – Person John

Porto Seguro – Safe Port ou Safe Harbour

Praia Grande – Long Beach

Porto de Galinhas – Port of Chickens

Canoa Quebrada – Broken Canoe

Foz do Iguaçu (iguaçu é rio grande em tupi) – Great River Stuary

Mas lembro que para essas mudanças todas é preciso um projeto político “adequado”. um “projeto de incorporação”, uma integração, ou melhor, anexação. O Brasil dos sonhos gringófilos é possível. Em alguns momentos chegou a parecer que não, mas está voltando a ser. O caminho está aberto.

Governe-se como eles querem, ou melhor, como as empresas deles querem. Que se entregue tudo a elas, progressivamente: campos de petróleo, Petrobras, Banco do Brasil… E quem sabe o Trump ganha a eleição nos Estados Unidos e decida de vez pela anexação do quintal?

Aí, se não tiverem conseguido se fixar na Gringolãndia, alegrem-se, comemorem se manifestando em frente à Fiesp, na avenida Paulista, tendo inflado lá aquele pato que dizem que pagavam e não querem mais pagar.

Pelo menos não precisarão de visto para entrar em terras da “pátria mãe”, ou melhor, “pátria madrasta”. Nem green card para morar lá.

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Gostou? Clique aqui, para ver todas as outras colunas da série “Cultura inútil”, de Mouzar Benedito, no Blog da Boitempo!

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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças. 

10 comentários em Sonhos de um casal gringófilo

  1. Aída Paiva // 03/10/2016 às 7:20 pm // Responder

    Gosto do Mouzar Benedito, mas não li tudo o que ele escreveu porque sinto vontade de ler mas me dão uma preguiça que torna impossível a leitura. Hoje consegui ler o Mouzar talvez porque o PT perdeu em São Paulo. Que o PT perca sempre em São Paulo pra que a gente possa ler o Mouzar.

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  2. Flávio Aguiar // 04/10/2016 às 10:11 am // Responder

    Boa, Mouzar. Até a antiga “calça rancheira” já virou “jeans”, faz tempo… Mais uma sugestão, ou melhor, suggestion: “Gaúcho” palavra que não tem tradução para nenhuma língua, a não ser naquela hermana, com “gáucho”, até porque ninguém sabe ao certo como ela veio ao mundo e o que significava na origem, poderia virar “Southern Cowboy”. Outra: “João Dória” poder virar “Johnny of the Please, Laugh”. Eu mesmo, Flávio Aguiar, poderia ser promovido a “The Blond* Guy That is Always Driving”. Que tal? What about?
    *Pouca gente imagina, mas “Flávio”, do latim “Flavius”, na origem, queria dizer “O Louro” ou “O Ruivo”. Da´veio também “Fulvo”. Virou o sobrenome de uma família germânica que se instalou na Roma Antiga.

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  3. Flávio Aguiar // 04/10/2016 às 10:12 am // Responder

    Daí

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    • Mouzar Benedito // 04/10/2016 às 2:29 pm // Responder

      Oi, Flávio,
      E no meu caso… Benedito é um nome identificado com negros e vítima de preconceitos. Quando comecei a escrever, assinava Mouzar Benedito da Silva e via imprimirem textos meus assinados por Mouzar B. da Silva. Quando pude, fiz questão de manter o Benedito. Aliás, Bento, é uma forma resumida de Benedito e o Papa que poderia ser chamado aqui de Papa Benedito, ficou sendo Bento… Bom, nestes tempos, quem sabe eu passo a assinar Mouzar Blessed?
      Abraços.
      Mouzar

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  4. Mouzar Benedito // 05/10/2016 às 2:02 pm // Responder

    Um amigo que leu este texto me cobrou: e os nomes brasileiros de origem indígena, você vai deixar barato? Bom lembro de alguns deles e as respectivas traduções para agradar os gringófilos:
    Moema (exausta) é Exhausted; Moacir (doloroso, o que faz sofrer) pode ser Painfull ou Make Suffer; Cauê (os morros) seria Hills; Caubi (folha azul) é Blue Leaf; Iara (senhora das águas) fica sendo Water’s Mistress ou Water’s Boss.
    Iracema é um nome inventado por José de Alencar, que ele mesmo traduziu por “lábios de mel”, mas a tradução correta seria “saída do mel”. Pros gringófilos, então, seria Honey’s Lip ou Honey’s Way Out. Outro nome inventado por ele é Araquém (a que traduziu com “pássaro dorminhoco” – então seria Sleepy Bird.
    Araci (aurora) é Dawn; Iraci (mãe da abelha, abelha rainha) é Queen Bee; Jaci (lua, mãe dos frutos) é Moon ou Fruit’s Mother; Juçara (espinhosa) é Thorny; Ubirajara (“flecheiro”, atirador de flecha, arqueiro; mas traduzido também como o senhor da lança), pode ser ou Spear’s Boss.
    Bom, paro por aqui. São muitos nomes. Termino lembrando que jucá em tupi é matar… Então tem aí o senador Romero To Kill.
    Mouzar

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  5. ADNAN EL KADRI // 05/10/2016 às 3:24 pm // Responder

    Ridendo castigat mores, na mosca Mouzar, os colonizados rides again;

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    • Aída Paiva // 20/10/2016 às 7:20 pm // Responder

      Gostei do escrito, Adnan El Kadri, porque diferente, alegre, latim, códigos é sempre legal. Adnan El Kadri escreve bem.

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  6. Que terrível a conversa desse casal e seria cômico se não fosse trágico tudo isso, não é? Mas como o Corisco, não me entrego não. Resistir é preciso.

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