Cultura inútil: Onde está a honestidade?

(Título de um samba de Noel Rosa)

honestidade

Por Mouzar Benedito.

Na Dinamarca não existe verão, segundo muita gente acredita. É frio o tempo todo. Mas uma atriz dinamarquesa (não me lembro qual) disse sobre isso: “Existe sim. No ano passado até caiu num domingo”.

Sobre políticos, não só no Brasil, a pergunta é: existem honestos? Existem sim, e acho que, aqui, não tão raros como os verões na Dinamarca. Segundo a resposta dessa moça, o verão dinamarquês dura um dia, ou seja, é um em cada 365. No Congresso Nacional existem 513 deputados e 81 senadores, além de um monte de suplentes cobiçando vagas. Quando o Lula era oposição, e não usava os “bons serviços” desses parlamentares, disse que na Câmara dos Deputados havia uns trezentos picaretas. Acho muito otimismo acreditar que tinham mais de duzentos lá que não eram picaretas. Mas também, como hoje, não chega a ser apenas um honesto em cada 365. Não duvido que achem lá uns dez ou quinze deputados e uns cinco ou seis senadores em que se pode confiar.

Mas os eleitores… Caramba! Nunca vi tanta gente cobrando honestidade como no ano passado e neste. Para falar dessa gente, terei que usar expressões de “antigamente”, já que quando se fala em caráter, retidão, honradez, honestidade e essas coisas todas, “antigamente” era sempre melhor. Então, são pessoas impolutas, de caráter sem jaça. Talvez possam responder à pergunta contida no samba de Noel Rosa: “O povo já pergunta com maldade / onde está a honestidade?”.

E certamente são indivíduos que não se encaixam naquele samba de Bezerra da Silva que diz assim:

Você me chamou pra esse pagode
E me avisou: aqui não tem pobre.
Até me pediu para pisar de mansinho,
Porque sou de cor, eu sou escurinho…
Aqui realmente está toda a nata:
Doutores, senhores, até magnata.
Com a bebedeira e a discussão,
Tirei a minha conclusão:
Se gritar pega ladrão,
Não fica um, meu irmão.
Não fica um, meu irmão!

Bom, já que temos o tema honestidade na ordem do dia, selecionei pensamentos sobre ele, mas, antes de entrar neles, cito uma fala de Rui Barbosa (antiquíssima, portanto), muito lembrada: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça; de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.

O que se disse sobre honestidade

Barão de Itararé: “Deve haver honestidade entre os ladrões”.

* * *

Barão de Itararé, de novo: “A moral dos políticos é como elevador: sobe e desce. Mas em geral enguiça por falta de energia, ou então não funciona definitivamente, deixando desesperados os infelizes que confiam nele”.

* * *

Barão de Itararé, mais uma vez: “Negociata é um bom negócio para o qual não fomos convidados”.

* * *

Anton Thekov: “Eles são honestos: não mentem sem necessidade”.

* * *

Tchekov, de novo: “Todos nós sabemos o que é uma ação desonesta, mas o que é a honestidade nisso, ninguém sabe”.

* * *

Bocage: “A quem torpe nasceu, nenhum defeito adorna”.

* * *

Capistrano de Abreu: “O termômetro da dignidade poucos graus vai acima do zero; mas abaixo a graduação não tem fim”.

* * *

Émile Zola: “Que patifes, as pessoas honestas”.

* * *

Virgílio Ferreira: “A honestidade é própria das classes médias. As de baixo não a ignoram, mas não sabem para que serve. As de cima não as ignoram, mas não sabem para que ainda serve”.

* * *

Não sei quem: “A honestidade é como um trem a seguir seu caminho levando consigo poucas pessoas a cada estação”.

* * *

Baudelaire: “Para o comerciante, até a honestidade é uma especulação financeira”.

* * *

Eu: “Desonestos são os outros, inclusive quando fazem as mesmas coisas que eu faço honestamente”.

* * *

Eu, de novo: “Quem nasceu para ser ladrão pé-de-chinelo nunca chega a corrupto”.

* * *

Eu, mais uma vez: “As CPIs são exemplares na punição da corrupção. Nelas, os parlamentares pegos com a mão na massa são interrogados e julgados pelos que não foram pegos”.

* * *

Agora, eu de novo, mas em forma de haicai:

Em nome da boa
Governança
A ética dança

* * *

Francisco Quevedo: “A honestidade é uma cor delicada, que teme o ar”.

* * *

Antônio Lobo Antunes: “Não há honestidades possíveis. Ou há honestidade ou não há”.

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Baltasar Gracián y Morales: “Não há ninguém mais fácil de enganar do que um homem honesto; muito crê quem nunca mente, e confia muito quem nunca engana”.

* * *

Warren Buffett: “A honestidade é presente caro. Não espere isso de pessoas baratas”.

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Juvenal: “A honestidade é elogiada por todos, mas morre de frio”.

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Caio Fernando Abreu: “E é só nisso que estou interessado: um pouco de saúde, um pouco de honestidade, um pouco de decência”.

* * *

Júlio César: “À mulher de César não basta ser honesta. Precisa parecer honesta”.

* * *

Nelson Rodrigues: “Não acredito na honestidade sem acidez, sem dieta e sem úlcera”.

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Jim Stevall: “Honestidade é fazer o certo mesmo quando ninguém está olhando”.

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Carlo Dossi: “O que é a honestidade senão o medo da prisão?”.

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Jean Paulhan: “Não é por ter sido honesto alguma vez que se pode passar o resto da vida a descansar”.

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Clarice Lispector: “Eu amo a minha liberdade, amo a honestidade das pessoas, não a considero uma virtude, mas sim um compromisso”

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Berilo Neves: “A honestidade costuma dormir cedo. A mulher que tem sono às oito horas da noite, ou é uma santa ou pretende fugir pela madrugada”.

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William Shaekespeare: “Muito embora seja honesto, não é aconselhável trazer más notícias”.

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Shaekespeare de novo: “Do jeito que o mundo anda, ser honesto é como ser escolhido entre dez mil”.

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Frank Sinatra: “Tudo o que disseram sobre mim não é importante. Quando eu canto, acredito. Sou honesto”.

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Capitão Jack Sparrow (pirata fictício, interpretado pelo ator Johnny Depp): “Eu sou um desonesto. E nos desonestos pode-se sempre confiar, porque se sabe que sempre serão desonestos. Honestamente, é nos honestos que temos que ficar de olho, porque nunca se sabe quando vão fazer alguma coisa realmente estúpida”.

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Não sei quem: “Honestidade não se promete, se pratica!”.

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George Carlin: “A honestidade pode ser a melhor política, mas é importante lembrar que aparentemente, por eliminação, a desonestidade é a segunda melhor política”.

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Júlio Dantas: “Ser honesto é vestir uma roupa de estrelas”.

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Ditado popular: “Segue sempre direito e deixar ladrar os cães”.

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Não sei quem: “Sei que ser honesto é algo prazeroso para quem pensa assim; porém, aqueles que vivem de esperteza chamam isso de idiotice”.

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Luís Amaral: “Por mais conceituado que seja, o desonesto sabe-se desonesto, reconhece-se desonesto. E não se pode conceber que um desonesto se julgue um vitorioso”.

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André Breton: “Passarei a minha vida a provocar as confidências dos loucos. São pessoas de uma honestidade escrupulosa e cuja inocência só encontra um igual em mim”.

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Jean de La Bruyère: “Até mesmo os homens honestos precisam de patifes à sua volta. Existem coisas que não se pode pedir a pessoas honestas para fazerem”.

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Não sei quem: “A vantagem da honestidade é que a concorrência é pequena”.

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Marquês de Maricá: “Ninguém quer passar por tolo, antes prefere parecer velhaco”.

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Maricá, de novo: “Um velhaco sempre acha outro que o desbanca”

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Joseph Maistre: “Não sei como é a vida de um patife, nunca o fui; mas a de um homem honesto é abominável”.

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Grouxo Marx: “Há uma forma de descobrir se um homem é honesto: pergunte a ele. Se responder que sim, é porque é um patife”.

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Termino com uma máxima atribuída a Sócrates, que acho que não colou: “Se o desonesto soubesse a vantagem de ser honesto, ele seria honesto ao menos por desonestidade”.

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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças. 

4 comentários em Cultura inútil: Onde está a honestidade?

  1. Sérgio Lago // 02/06/2016 às 7:19 pm // Responder

    Mouzar, tem um samba do Jorge Ben que diz:” se malandro soubesse como é bom ser honesto seria honesto só por malandragem”
    Abraços do Sérgio Lago

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  2. Excelente Mouzar . afinal é propício em razão de tudo que temos presenciado nos atos e desatinos em nossos partidos políticos , demais entidades ligadas, além do próprio povo participativo . Percebemos que ódio e prepotência, ganância , fanatismo , poder e vaidade etc, são grandes veículos encaminhadores dos vícios da desonestidade para tantos. Mas, os honestos ou ingênuos ( como disseram) ainda existem . Obrigado Mouzar, muito prazeroso ler suas escritas.

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  3. Gosto muito do seu escrever.É prazeroso e divertido pela fina ironia.

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  4. Ora, mas que não sabe onde está a honestidade? Nos partidos de esquerda, ora!
    (Não era isso que era pra dizer? É que fiquei meio confuso. – Acho que fui desonesto. Mas, em boa causa, né?!)

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