Cultura inútil: Sobre feios e feiura

mouzar benedito mentiraPor Mouzar Benedito.

Chamar alguém de feio, varapau, baixote, gordo, barrigudo, magrelo ou outras coisas hoje em dia pega mal. O “politicamente correto” de hoje é uma chatice.

Aqui, vou me restringir aos feios. Havia muitas formas de xingar alguém de feio. Não vou dizer que isso seja uma coisa boa, mas podia-se levar para o lado divertido. Fiz uma lista do que foi dito sobre feios e feiura por algumas celebridades, e também alguns ditados.

Mas antes quero contar o que me levou a isso.

Foi a lembrança de um grande amigo, um sociólogo piauiense chamado Mendes, com quem trabalhei no Sesc. Um dia, tomando umas no Bar do Zé, começamos a brincar sobre quem era mais feio: ele ou eu. Numa boa. Rindo, sem intenção de ofender. Não faria isso se fosse para ofender alguém.

Depois disso, cada dia que o encontrava, entregava uma lista para ele e ele entregava outra para mim, cada um falando da feiura do outro.

A lista era encabeçada pelo título “Você é mais feio que…”, e listávamos inicialmente coisas já manjadas, como “o rascunho do mapa do inferno”. “a mãe da peste”, “briga de foice no escuro”, “briga de foice no elevador”… Depois fomos inventando. Às vezes nos lembrávamos de algum xingamento antigo e repetíamos.

O certo é que eu acabei listando mais de quatrocentos “você é mais feio que…” para ele, e ele listou quase o mesmo tanto para mim. Ganhei em quantidade, mas me declarei derrotado quando ele me disse que eu era mais feio do que resto de sarapatel.

Pena que não guardamos as listas. Tentei me lembrar daquela brincadeira toda, mas foram poucos os xingamentos que me vieram à memória. Nem sei se parte do que lembrei foi mesmo dito naquela época.

Mas aí vão os “Mais feio que…”, que eu consegui listar agora:

Tropeçar com as mãos no bolso, facada na bunda, indigestão de torresmo, briga de touros, sapato de padre, paraguaio baleado (esta peguei dos gaúchos), encoxar a mãe no tanque, tomar pirulito de criança, bater em mulher grávida, briga de irmãos por causa de mistura e banguela gritando gol.

Havia também algumas adaptações, como aquela de “mais perdido do que cachorro que caiu de caminhão de mudança”, que virou “mais feio que situação de cachorro que cai de caminhão de mudança”. E uns outros eram mais políticos, como “pensamento do Erasmo Dias”, “discurso do Paulo Maluf” e “política de direitos humanos do governo Garrastazu”.

Bom, continuo… Voz de prisão, abraçar a mãe de pau duro, desastre de carreta, o cão chupando manga, o diabo fazendo careta, passagem só de ida pro Piauí (essa foi pra gozar sobre a origem do Mendes, eu gosto do Piauí), férias completas em Aparecida do Norte, roubar dinheiro de igreja, roubar esmola de cego, fila de pronto socorro, tomar muleta de aleijado, mulher de cego, um bando de corujas, tossir e peidar ao mesmo tempo, consciência de torturador, naufrágio do Titanic, fuga de erupção vulcânica, praia depois de um tsunami (na época, falávamos maremoto), fim de mês pra quem ganha salário mínimo, batalha campal, concurso de arroto, penico cheio, cagada depois de tomar lombrigueiro, política econômica do Delfim Netto, privada entupida, o jeito do governo Maluf tratar funcionário público, apanhar de mulher, desastre de avião, apendicite aguda, catarro de tuberculoso, necropsia, unha encravada, tumor vazando pus, trepada de gorila, show de música brega, jogo de futebol da quarta divisão e trânsito paulistano às 6 horas da tarde.

Um parágrafo aqui, só para pausa. E continuo: água do rio Pinheiros, carta de demissão por justa causa, a justiça do diabo, a mãe da necessidade, barulho de britadeira, matar padre celebrando missa, praga de mãe, ensaio de aprendiz de violinista, acidente nuclear, estouro de boiada, fotografia de hemorroida, ficar perdido na mata que tem onça em noite sem lua, pena de morte pelo garrote vil, cara de criança com varíola, incêndio em favela e cachorro com hidrofobia.

Fora isso, brincávamos falando de outras pessoas. Uma moça (isso eu achava muito cruel) que tinha o apelido de Placenta, porque diziam que quando ela nasceu a mãe jogou a criança fora e cuidou da placenta. Sobre uma outra, diziam que quando Deus distribuía a feiúra ela entrou três vezes na fila.

Um cunhado meu dizia sobre a feiúra do povo de um certo lugar: “Se feiúra doesse, ninguém dormia aqui. Ia ser a maior gritaria”. Adaptei pro Mendes: “Se feiúra pagasse imposto, você tava ferrado”.

Outra: um conterrâneo meu, o Valdir, que era considerado muito feio, disse para o Luizinho, meu amigo: “Ô, Luizinho, você tem é muita sorte. Gente bonita como eu, quando vai ficando velho, vai perdendo a beleza; você, com essa feiura, quanto mais velho, vai ganhando mais feiura”.

DITADOS E FRASES

Começo com o ditado “Quem ama o feio, bonito lhe parece”; adaptado pelo Barão de Itararé, virou: “Quem ama o feio é porque o bonito não lhe aparece”; readaptado por mim: “Quem ama o feio… Eba! Olha o Mendes…”

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Clarice Lispector: “A feiúra é o meu estandarte de guerra. Eu amo o feio com um amor de igual para igual”.

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Não sei quem: “Se alguém me vir abraçado com mulher feia, pode apartar que é briga”

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Gabriel Pensador: “A beleza é passageira, mas feiúra é um bem que a gente tem pra vida inteira”.

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Vanessa Pimentel: “Inteligência encobre feiúra, mas beleza não disfarça burrice”.

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O povo (ditado popular): “Feio é roubar e não poder carregar”.

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Toulouse Lautrec: “A feiúra, onde quer que esteja, tem sempre um lado belo: é fascinante descobrir beleza onde ninguém a consegue ver”.

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Michel de Montaigne: “Uma fealdade e uma velhice confessada, a meu ver, menos velhas e menos feias do que outras disfarçadas e esticadas”.

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Théophile Gautier: “Se a beleza constituísse o único mérito das mulheres, às feias só restaria enforcar-se”.

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O povo (ditado popular): “Nem tão bela que mate, nem tão feia que espante”.

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Vinícius de Moraes: “As feias que me desculpem, mas a beleza é fundamental”.

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Miguel de Cervantes: “Não há pai nem mãe a quem os seus filhos pareçam feios; nos que o são do entendimento ocorre mais vezes esse engano”.

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Oscar Wilde: “Devem-se escolher os amigos pela beleza, os conhecidos pelo caráter e os inimigos pela inteligência”.

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Mário Quintana: “Dizes que a beleza não é nada? Imagina um hipopótamo com alma de anjo… Sim, ele poderá convencer os outros de sua angelitude – mas que trabalheira!”.

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Ramalho Ortigão: “A mulher plenamente feia é uma calamidade social”.

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Johann Goethe: “Quem tem bastante no seu interior, pouco precisa de fora”.

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Frei Heitor Pinto: “A formosura da carne costuma ser um véu para cegar nossos olhos, um laço para prender os pés, um visco para impedir as asas – logo não é verdadeiro”.

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Carmen Sylva: “Chama-se realismo à fealdade, como se chama franqueza à grosseria”.

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Padre Antônio Vieira: “As formosuras mortais no primeiro dia agradam, no segundo enfastiam: são livros que, uma vez lidos, não têm mais que ler”.

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Sêneca: “A deformidade do corpo não afeia uma bela alma, mas a formosura da alma reflete-se no corpo”.

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Galeão Coutinho: “Poucos homens distinguem o verdadeiro encanto feminino, que pode nascer até da desarmonia”.

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Camilo Castello Branco: “Para uso de muitos tolos criou Deus as mulheres formosas e criou Camões os famosos versos”.

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Hilda Roxo: “Não basta a beleza das formas, é preciso reunião de um todo, como o é a Natureza”.

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Não sei quem: “Para feiúra, há plástica. Para o peso, há o regime. Mas para a falta de caráter e a hipocrisia não há nenhum tipo de tecnologia que resolva”.

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Coco Chanel: “É possível acostumar-se à feiúra; à negligência, jamais”.

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Berilo Neves: “Uma mulher feia é uma lata de conserva que será confiscada no dia em que a Natureza zelar pela boa fama de seus produtos”.

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Emílio de Menezes: “Nada tem de ridícula a fealdade quando ela, em certas caras, se figura”.

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Pereira da Silva: “O feio poderá ser belo, bastando ao homem saber apreciá-lo”.

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Boccaccio: “Um urubu, voando no meio de pombas brancas, traz ao conjunto mais beleza do que se fosse um cisne”.

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Júlio Dantas: “Não há nada mais belo, quando belo, mas também não há nada mais feio, quando é feio, do que a perna e o pé de uma mulher”.

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Bernard Shaw: “A beleza agrada à primeira vista. Mas quem se importa com ela depois de estar em casa durante três dias?”.

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Medeiros e Albuquerque: “Nada no mundo é bonito nem feio. Somos nós que vestimos de beleza as coisas que julgamos belas”.

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Catulo da Paixão Cearense: “Ai daquele que procura amor na mulher que é bela”.

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Anatole France: “A república é a carta de alforria da feiúra”.

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Charles Bukowski: “Beleza não vale nada e depois não dura. Você nem sabe a sorte que tem ser feio. Assim, quando alguém simpatiza contigo, já sabe que é por outra razão”.

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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças. 

1 comentário em Cultura inútil: Sobre feios e feiura

  1. Clovis Pacheco F. // 17/05/2016 às 11:39 am // Responder

    No Rio Grande do Sul fala-se de quem é muito feio que é “feio que nem as necessidades”. Um dia perguntaram a um daqueles gauchões que inspiraram ao Erico Verissimo o velho Fandango porque é que se fala assim. Ele respondeu “acho que é assim que deve ser o cu do diabo!”… Já me disseram que esse personagem é o “seu” Fausto, um famoso loroteiro, que contava as mentiras mais saborosas de lá do Sul, que nem o Alexandre do Graciliano Ramos e o Joaquim Bentinho do Cornélio Pires. Com a diferença que era personagem real, de carne e osso, e cuia de chimarrão sempre pronta. Não me lembro se ele era da Campanha ou da Zona Missioneira. Há um livrinho raríssimo sobre ele, “Causos do ‘seu’ Fausto”. Se você quiser escaneá-lo, posso te emprestar o meu, porque você é dos pouquíssimos em quem confio, escarmentado que estou de tanto contribuir para o incremento das bibliotecas alheias, e até para o acervo dos sebos, que um dia recomprei um livro que tive a péssima ideia de emprestar a um filho duma piguancha.. E em São Carlos, no Estado de São Paulo, havia o Zé Bambuá, que era desse mesmo naipe! E por falar em diabo, porque não escrever uma crônica sobre tal personagem, que para mim é o lado obscuro da mente humana? E quanto ao vocabulário do gauchês, como o “piguancha” que escrevi acima?

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