O que ainda resta de verdade nestas eleições?

14.10.22_Daniel BinBlog da Boitempo apresenta em seu Espaço do leitor textos inéditos escritos por nossos leitores. Quer colaborar também? Saiba como no fim deste post!

Por Alessandra Affortunati Martins Parente.

Eis uma questão que vale ser levantada. Difícil respondê-la. Chuvas e mais chuvas – e não há qualquer ironia aqui, a água é drama na triste terra da garoa – de informações, textos, propagandas invadem o “feed de notícias” daquele que é membro do Facebook. O GloboNews noticia praticamente 24 horas por dia os detalhes das campanhas. A programação normal da televisão é invadida pelas notícias urgentes sobre os candidatos. Jornais, debates, comícios. A oferta é infindável. A quem está no Twitter e quer se manter informado, também não faltam tempestades de notícias sobre o assunto. Depois há muitos amigos que se tornam “militantes” da noite para o dia e, quando menos percebe, até você está lá, loucamente “militando”. Tudo se passa como se fossemos de fato protagonistas de nossa história. Compartilhamos textos e mais textos na esperança de que o outro olhe pelo mesmo prisma que o nosso. Lemos outros e ficamos abalados, mas não há tempo a perder. A data das urnas está chegando e é preciso agir. E agir significa compartilhar.

Depois de ficar completamente tomada por esta prática insana a ponto de colocar minha vida diária – na qual existe filhos, marido, trabalho e pesquisa acadêmica – em suspenso, resolvi desativar temporariamente a conta do meu Facebook. Aberta para novas janelas, que não aquelas de meu “feed de notícias” e da Folha que chega diariamente na minha casa, quis continuar atenta aos acontecimentos. Abro hoje, pela primeira vez, a página do Estado de S. Paulo na internet.

Impacto. É uma propaganda tão descarada que não vale o desperdício de tempo para comprová-la. Quem entende de publicidade sabe que aquilo que se elege, o que se edita, a foto, a luz e o ângulo escolhidos, as palavras selecionadas fazem toda a diferença. Os poucos aspectos destoantes – ou opiniões divergentes – servem, sobretudo, para exaltar a perfeição daquilo que se destaca. E está tudo lá, evidente o tempo todo. Duas fotos lado a lado. Em uma, Dilma, como se estivesse partindo para a briga, dizendo “Quando nos desafiam a gente encara”. A foto? Puxa, quem visse a foto… Aécio, na foto ao lado, é o galanteador, típico de novelas globais, que beija as mãos de Marina Silva, pela primeira vez com seus cabelos ao vento e o sorriso aberto. A manchete logo abaixo da foto mudou ao longo do dia. Na primeira havia: “Estou vivendo um dos momentos mais importantes de minha vida”. Na que veio mais tarde estava escrito: “Aécio defende que denuncia feita a tucano seja investigada” – uma resposta rápida à manchete da Folha sobre o envolvimento do PSDB nos desvios da Petrobrás. Perfeito. Sem conflitos e na base da paz e do amor (antigo slogan da eleição de Lula) é possível que a “mudança”  caminhe rumo ao comando do Brasil.

O que há de verdade nisso tudo? O massacre diário contra o PT é um massacre contra o que se construiu em anos de trabalho, com todos os terríveis defeitos, mas com infinitos méritos – é preciso reconhecer. Massacre fantasiado de notícia policialesca e moldado pela estética jornalística. Mas atenção: nada disso retrata o ódio ao PT, que teria tido sua “chance” no palácio sem saber aproveitá-la – o velho e preconceituoso discurso. Os petistas se enganam com seu ódio aos tucanos, assim como estes também se iludem ao combater o suposto inimigo “de esquerda”. Se Lula enalteceu durante anos o discurso da “herança maldita” foi porque ele também ganhou um grande respaldo para isso no noticiário dessa imprensa, que agora ataca o governo do PT. Mesmo com muito receio, os donos do Grande Capital estavam desanimados com os estreitos rumos da economia do país na época FHC e, embora com muita desconfiança, voltaram seus olhos para Lula. Certo entusiasmo com os compromissos assumidos, pelo ex-presidente Lula, de dar a todos os brasileiros uma vida melhor, sem prejudicar em nada os de cima, foi um sinal de que a vitória do PT talvez não fosse tão ruim.

Podia ser bom negócio, na medida em que faria girar a economia, travada pelas velhas receitas de baixos salários e, portanto, baixo consumo – tudo para conter a inflação. Chegamos agora ao limite desse modelo conciliatório oferecido por Lula e continuado por Dilma. “Hora de retroceder”, pensam esses mesmos setores, alinhados ao mercado, “ou vamos experimentar abalos inexoráveis” – não esqueçamos que no topo da pirâmide estão, por exemplo, irmãos Marinho e família Civita. Se o esquema previsto pela grande imprensa (Globo, dos Marinho e Veja, dos Civita, entre outros), alimentada pelo terrorismo do mercado, não furar, isto é, se Dilma perder, teremos anos de governo tucano relativamente harmônico, com notícias predominantemente favoráveis ao governo, e futuros escândalos como os que temos assistido agora – a corrupção já está anunciada, como se sabe, na hora do financiamento das campanhas. Será sinal, mais uma vez, de que o mercado está insatisfeito. Sem a distribuição de renda realizada pelo PT e com a tradicional política econômica que já conhecemos – e não se iludam, a visão tucana é exatamente a mesma ainda hoje – o capital deixará de girar, já que não haverá, mais uma vez, consumo desejável. Ou seja, se no começo tudo caminha às mil maravilhas, depois a economia passará a emperrar sem compra e venda da produção.  Será a hora de mudar justamente para manter tudo exatamente igual na velha pirâmide do país. O valorizado discurso da “alternância de poder” é enfatizado principalmente neste momento, sem levar em conta a história brasileira de dominação pela direita. Teremos mais tempestades de “notícias” contra a corrupção tucana e o teatro da democracia mais uma vez dirigido pela grande imprensa. Os protagonistas afagados serão muito provavelmente os petistas, colocados agora em lugar vexatório por ela.

Nunca sairemos disso, a não ser que se passe a furar scripts. O furo do momento é a vitória do PT. No primeiro turno a ousadia do improviso poderia ter sido maior, mas gostamos de seguir aquilo que já estava no receituário. E nesse mundo pronto, lotado de maquiagem e belos passos de valsa ensaiada, um grotesco “feed de notícias”, saturado de selvagerias, é o melhor dos mundos. Se for possível desviar da rota larga e fácil, bem asfaltada pela grande imprensa, poderemos realmente imprimir um traço nosso nesta história. Para isso é necessário resistir aos encantos da facilidade ofertada diariamente e improvisar em estreitas trilhas a serem desbravadas. É na miséria transbordante dos embates entre eleitores que ainda se concentra uma centelha de esperança – sempre com riscos pela árdua realidade que ela escancara. Se a miséria não se tornar repulsiva para muitos e o caminho pronto puder ser abandonado, teremos a vitória de Dilma. E aí esperamos que a vaidade do PT não se deixe acariciar pelos enganosos sorrisos dos grandes, voltando seus olhos para os setores de esquerda que não estão sob os iluminados holofotes. A vitória seria apenas um pequeno começo. Se acontecesse, porém, ela imporia de saída, aos doutos de plantão, um diálogo mais amplo, aberto e verdadeiro sobre os rumos da economia no Brasil. Esses alardes diários não nos levarão muito longe.

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